Presidente da Câmara Municipal de Marco de Canaveses
RECOMENDAÇÃO Nº 7/B/98
Proc. R-1727/97
1998.07.31
Área:A1
Sequência: Acatada
I Exposição de Motivos
A Dos Factos
1. O Sr… apresentou a este Órgão do Estado uma queixa contra a imposição por parte dessa Câmara Municipal do licenciamento dos trabalhos de instalação de estufas com coberturas de plástico para hortofloricultura, e o pagamento da correspondente taxa de emissão de alvará de licença de construção.
2. Na instrução do presente processo, procedeu-se à audição da Câmara Municipal de Marco de Canaveses a qual informou que o art. 2º, n.º 5. da Subsecção II, do Regulamento de Obras, Urbanização, e Compensação pela Cedência de Terrenos para Equipamento Colectivo daquele concelho prevê o licenciamento dos trabalhos de instalação de estufas para hortofloricultura e similares e a cobrança de taxa pela emissão do correspondente alvará de licença de construção.
3. Questionado aquele órgão autárquico quanto ao fundamento legal da exigência de licenciamento municipal, em face do conceito de obra de construção civil, foi referido que a citada exigência apenas era formulada para a instalação de estufas de hortofloricultura e similares com carácter definitivo, evitando-se assim ocupações abusivas para outros fins.
4. Analisada a questão, foi possível concluir quanto à natureza das instalações, que as estufas são estruturas constituídas por uma cobertura plástica, com durabilidade limitada, agravada, em alguns casos, pela utilização de sublimadores de enxofre para protecção das culturas florícolas. Do mesmo modo, os arames que sustentam a cobertura têm uma durabilidade máxima de cinco anos, e os tubos de ferro nos quais o plástico assenta estão apenas apoiados no solo sem qualquer forma de fixação, sendo sustentados por terra que cobre as extremas da cobertura plástica.
5. A Direcção Regional de Agricultura de Entre-Douro e Minho informou que não constitui prática corrente das câmaras municipais a exigência de prévio licenciamento dos trabalhos de instalação de estufas onde não se recorra à construção de muros, paredes, fundações ou à impermeabilização do solo.
B Do Direito
6. A exigência pelos municípios de prévio licenciamento da actividade humana de realização de obras ou trabalhos que impliquem um aproveitamento urbanístico do solos fundamenta-se no disposto no art. 51º, n.º 2, alínea c), da Lei das Autarquias Locais e no art. 1º, alínea a), do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 250/95, de 15 de Outubro. Nestes preceitos atribui-se às câmaras municipais o poder de conceder licenças para a realização de obras de construção de novos edifícios, e de reconstrução, ampliação, alteração, reparação, ou demolição de edifícios já existentes, bem como para os trabalhos que impliquem alteração da topografia local, desde que para fins urbanísticos, ou seja, para fins que excedam um aproveitamento ou exploração conforme à sua própria natureza (agrícola, florestal, pecuário ou cinegético).
7. A competência do órgão executivo do município para a atribuição das citadas licenças, encontra-se limitada pelo âmbito da previsão normativa que opera a delimitação das obras ou trabalhos que não podem ser efectuados sem tal controle administrativo prévio. Para além desta previsão é livre a actividade humana de aproveitamento dos solos para fins não urbanísticos.
8. O apuramento, em concreto, da exigibilidade de licenciamento municipal de uma dada construção, implica determinar se os trabalhos a realizar se podem subsumir ao conceito de obra de construção civil, uma vez que é este o conceito que opera a delimitação do objecto dos preceitos citados: todas as obras de construção civil, ainda que tenham natureza ou destino exclusivamente agrícola, estão sujeitas a licenciamento municipal, bem como os trabalhos que impliquem a alteração da topografia local para fins não exclusivamente agrícolas.
9. Para que estejamos perante uma obra de construção civil exige-se que a construção em causa esteja ligada ao solo, ou a edifício pré-existente, e que tenha carácter de permanência (cfr. António Pereira da Costa, Regime Jurídico de Licenciamento de Obras Particulares anotado, pp. 24 e ss, e bibliografia aí citada).
10. Neste sentido, o citado autor define como “obra de construção civil” o “conjunto erigido pelo homem com quaisquer materiais, reunidos e ligados artificialmente ao solo ou a um imóvel com carácter de permanência, com individualidade própria e distinta dos seus elementos”. Assim, para que os trabalhos humanos de construção sejam considerados licenciáveis é necessário que a “obra esteja fixada ao solo ou a construção pré-existente”.”
11. Esta é também a interpretação da jurisprudência, a qual entende não estarem sujeitas a licenciamento as obras de carácter transitório, desmontáveis ou amovíveis. A contrario, a inamovibilidade e a permanência constituem, assim, pressupostos da exigibilidade do licenciamento.
12. É esta a conclusão que se impõe quando se atende às razões que ditam a sujeição da actividade edificatória a um controle administrativo prévio. Apenas os trabalhos de construção civil que estejam efectivamente ligados ao solo e afectos a um fim não transitório são susceptíveis de suscitar questões de salubridade, segurança, estética paisagística e ordenamento urbano que constituem o motivo do referido controle autárquico e justificam a sujeição a um procedimento administrativo próprio.
13. Ora, conforme referi, as estufas que a Câmara Municipal de Marco de Canaveses entende encontrarem-se sujeitas a licenciamento municipal de obras, por constituirem o resultado material de trabalhos de construção civil, não estão ligadas ao solo com carácter de permanência.
14. Pelo contrário, não só os ferros onde as mesmas assentam estão apoiados no solo sem qualquer outra fixação, como todos os materiais que as constituem são perecíveis e, por isso, têm de ser substituídos regularmente. As estufas em questão são facilmente amovíveis e não têm carácter definitivo, ao contrário do que foi invocado por essa Câmara Municipal.
15. O resultado dos trabalhos de instalação das referidas estruturas não tem carácter definitivo e não é inamovível e, embora, provoque alterações na topografia local, tais modificações possuem natureza exclusivamente agrícola, pelo que inexiste fundamento legal para que seja exigido o respectivo licenciamento.
16. Se é esta a conclusão a extrair quanto à natureza das estufas, no caso presente, outras haverá, destinadas à hortofloricultura, que impõem a realização de obras de construção civil, designadamente, o levantamento de muros ou paredes, a abertura de fundações e a impermeabilização dos solos, cuja edificação implicará, por certo, a emissão da competente licença de construção, por se tratarem os trabalhos respectivos de obras de construção civil.
17. No sentido acima preconizado parece ser a interpretação conferida pela Câmara Municipal de Marco de Canaveses à norma contida no art. 2º, n.º 5, da Subsecção II, do Regulamento de Obras, Urbanização, e Compensação pela Cedência de Terrenos para Equipamento Colectivo desse concelho ao prever o licenciamento dos trabalhos de instalação de estufas para hortofloricultura. Pretende V. Exa. que, em conformidade, apenas são licenciadas as instalações com carácter definitivo.
18. Simplesmente, no caso presente, parece que a aplicação dos resultados da interpretação diverge da mesma, o que terá motivado a exigência ao reclamante do licenciamento de estufas que não preenchem os aludidos requisitos de permanência e inamovibilidade para poderem qualificar-se como trabalhos de construção civil.
19. Parece, assim, desejável seja acautelada esta incerteza, por via de modificação da norma contida no art. 2º, n.º 5, do citado Regulamento municipal, que opere a redução da previsão normativa aos casos de estufas que importem a realização de obras de construção civil.
20. Não obstante, importa, também, ressarcir o particular pelas quantias despendidas a título de pagamento de taxa pela prática de um acto de licenciamento que não era legalmente exigível pois não existe limitação jurídica a ser removida no caso do exercício da faculdade de aproveitamento do solo para fins agrícolas.
II Conclusões
Em face do exposto, no exercício da atribuição constitucional que me é confiada para prevenção e reparação das injustiças e ilegalidades (art. 23º, n.º 1, CRP), RECOMENDO
1º) A modificação da norma contida no art. 2º, n.º 5, da Subsecção II, do Regulamento de Obras, Urbanização, e Compensação pela Cedência de Terrenos para Equipamento Colectivo, por forma a acautelar que apenas se encontra sujeita a licenciamento municipal de obras particulares a instalação de estufas de hortofloricultura e similares que impliquem a realização de obras de construção civil.
2º) A devolução das quantias que hajam sido indevidamente cobradas ao Sr…
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
Menéres Pimentel