Ministro da Justiça

Rec. n.º 124/A/92
Proc.:R-700/85
Data:23-11-92
Área: A 5

Assunto: REGISTOS E NOTARIADO – CERTIDÃO – ATRASO – PREJUÍZO – RESSARCIMENTO.

Sequência:

1. 0 Dr. …, através da exposição instruída com os documentos que se anexam fotocópias, apresentou queixa nesta Provedoria de Justiça alegando os seguintes factos ocorridos durante o processo que precedeu o registo da compra de um veículo automóvel:

1.1 Em 7 de Novembro de 1984, entregou o queixoso na Conservatória do Registo de Automóveis do Porto a documentação necessária para ser feito em seu nome o registo da propriedade do veículo automóvel IO-08-29.

1.2. Para efeito, pagou na referida Conservatória os emolumentos exigidos, no valor de 2735$00.

1.3. Em 30 de Novembro de 1984, foi recusado o requerido acto de registo, tendo-lhe sido pedida a apresentação de fotocópia legalizada do bilhete de identidade,
uma vez que a apresentada inicialmente, de acordo com informação fornecida pelo computador, aquele documento de identificação foi dado como pertencente a outra pessoa.

1.4. Apresentados os documentos pedidos, ainda assim o assunto não ficou resolvido, tendo sido o reclamante aconselhado a expor o seu caso à Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa, que, em face da exposição que lhe foi apresentada, procedeu à sua devolução, com indicação no canto superior esquerdo de uma “nota” redigida a lápis, para o envio de cheque visado com a quantia de 4120$00.

1.5. Perante a actuação das entidades visadas, requereu o queixoso a intervenção do Provedor de Justiça, no sentido de obter a reparação dos prejuízos causados pela demora verificada no processo em causa, bem como a devolução dos emolumentos que lhe foram cobrados em dobro.

2. Ouvida a propósito do assunto, a Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa justificaria a recusa do acto de registo atribuindo-a a que o B.I. apresentado pelo requerente não coincida com o que fora fornecido pelo computador.

Quanto à cobrança dos emolumentos em dobro, face à apresentação do novo pedido, decorridos 30 dias após a compra do veículo, considerou aquela Conservatória não se justificar a alteração da decisão tomada, uma vez que o exponente não reclamou da sua aplicação dentro do prazo previsto no artigo 141.° do Código de Registo Predial.

3. Desta posição se deu oportunamente conhecimento ao queixoso arquivando-se, em seguida o processo, tendo aquele, porém através de nova exposição, de que se anexa fotocópia, requerido a reabertura do seu processo nesta Provedoria de Justiça. E isto porque não aceita que, tendo ficado claramente provado que o erro na verificação da sua identificação lhe não era imputável, a Conservatória que lavrou a recusa do acto do registo não tenha alterado a sua decisão, fazendo-o suportar os encargos decorrentes da realização de um novo registo que se viu obrigado a requerer.

6. Com efeito, o B.I. inicialmente apresentado pelo requerente era o que lhe correspondia, afirmando a Direcção-Geral dos Registos e Notariado no ofício de 29.10.86, de que se junta fotocópia que a “recusa se ficou a dever ao facto de, pelo Centro de Identificação Civil e Criminal, terem sido emitidos dois bilhetes de identidade com o n.º…”

Afigura-se, assim, legítimo concluir que o pedido inicialmente apresentado pelo queixoso fora correctamente instruído.

7. Todavia, nem a Conservatória do Registo do Porto, nem a Conservatória do Registo de Lisboa que, posteriormente apreciou o assunto, reconheceram a necessidade de rever a sua actuação relativamente ao novo pedido do reclamante, cuja apresentação decorrido o prazo previsto na lei e a sua sujeição, por esse facto, à cobrança de emolumentos em dobro, só pode ficar a dever-se às dificuldades encontradas na confirmação da identidade do requerente, a que anteriormente se fez referência.

8. Nessas circunstâncias e sem embargo de o interessado não ter recorrido daquela decisão nos termos e dentro do prazo legalmente previsto, não se considera afastado o dever que impende sobre a Conservatória do Registo de Automóveis do Porto de retomar oficiosamente o processo do queixoso, reconhecendo a validade do requerimento pelo mesmo inicialmente apresentado.

9. Trata-se, com efeito, de exigir que a Administração paute a sua actuação segundo o princípio de boa-fé, aqui tomada numa das suas emanações – a proibição de “venire contra factum proprium” – que obriga a que os seus órgãos sejam responsabilizados pelos respectivos actos, procedendo à alteração das decisões tomadas com base em factos que lhes são inteiramente imputáveis.

Negar a sua aplicação, significaria que se teria que aceitar pacificamente a posição adoptada no caso em apreço, através da qual se projecta uma imagem de rigidez e, porque não dizê-lo, de algum autoritarismo que foram características tradicionais na nossa Administração Pública mas que, actualmente, se não aceitam, face a um modelo de Administração concertada e participada e que não poderá perder de vista o respeito pelos direitos e interesses dos cidadãos, que o actual Código do Procedimento. Administrativo bem reflecte em algumas das suas disposições, designadamente os art.°s 3.° a 12.° que consagram os princípios gerais da Administração Pública.

10. Acresce ainda que não pode passar sem reparo a actuação das entidades visadas, mas particularmente a da Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa, relativamente a aspectos fundamentais como é o dever de informação a que está legalmente obrigada e de fundamentar as decisões relativamente às pretensões que lhe sejam apresentadas.

11. Face a todo o exposto, entendo dever formular a Vossa Excelência, nos termos da al. a) do n.° 1 do artigo 2.° da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, a seguinte
REC0MENDAÇÃO

1 – Que seja determinado que pelos serviços competentes se proceda à revisão da situação do queixoso, devolvendo-lhe a importância correspondente aos emolumentos que lhe foram cobrados indevidamente, com fundamento na recusa do reposto do veiculo automóvel que se provou ter sido devido a erro do Centro de Identificação Civil e Criminal.

2 – Que o queixoso seja devidamente ressarcido dos prejuízos que alega e venha efectivamente a comprovar (9153$00 em Abril de 1985).

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL