Subsecretário de Estado Adjunto da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento
Rec. nº 3/A/1993
Proc.: R-2567/92
Data: 17-03-1993
Área: A 2
ASSUNTO: CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS – CONTRIBUIÇÃO AUTÁRQUICA – ISENÇÃO.
Sequência:
0 Senhor …, contribuinte nº …, residente na Rua … , Lisboa, pediu, em 27.09.91, na 4ª Repartição de Finanças do Concelho de Loures, isenção de Contribuição Autárquica, ao abrigo do disposto na redacção originária de art.º 55 do Estatuto dos Benefícios Fiscais – DL 215/89, de 1 de Julho -, dos imóveis com os artigos matriciais nºs 1954 e 1955, sitos na Freguesia de Unhos, concelho de Loures, com os valores patrimoniais de, respectivamente, 902.400$00 e 1.953.600$00, a que corresponde a colecta total de 37.128.$00.
Este pedido foi deferido por despacho de 31.07.92, e “averbada a isenção referente ao ano de 1992”.
Inconformado com o pagamento de 111.384$00 de Contribuição Autárquica relativa aos anos de 1989, 1990 e 1991, que teve que efectuar, não obstante o pedido de isenção ser prévio a estas liquidações e o rendimento bruto total do agregado familiar englobado, para efeitos de IRS, não ter sido, em nenhum daqueles anos, superior ao dobro do salário mínimo nacional mais elevado, apresentou reclamação na Provedoria de Justiça, objecto da análise e conclusões seguintes.
Dispunha a redacção originária do art.º 55 do EBF que: ” Ficam isentos de Contribuição Autárquica os prédios rústicos ou urbanos pertencentes a sujeitos passivos cujo rendimento bruto total do agregado familiar englobado para efeitos do IRS, não seja superior ao dobro do salário mínimo nacional mais elevado”.
Parece estarmos, de acordo com a classificação elaborada pela doutrina fiscalista, face a um beneficio fiscal total, subjectivo, puro, temporário e automático, ou, pelo menos, de reconhecimento oficioso, sem necessidade de qualquer pedido a fazer pelo contribuinte.
Quanto a esta última classificação – benefícios fiscais automáticos e dependentes de reconhecimento, epígrafe do art.º 42 do EBF, parece que o previsto no art.º 55 do EBF deverá ser considerado automático, por resultar de forma directa e imediata do texto da lei: basta que o rendimento de um sujeito passivo não ultrapasse determinado limite para que, “ipso jure”, fique isento da Contribuição Autárquica que incida sobre os imóveis de que é proprietário.
Conforme refere Nuno Sá Gomes, in Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, publicada na Ciência e Técnica Fiscal, nº 359, pg. 137, “nestes casos, verificados os pressupostos legais do benefício fiscal considerado, este surge, automaticamente, “opa lega”, sem necessidade de qualquer iniciativa da entidade beneficiada ou intervenção da Administração Fiscal. Portanto, nestas situações, os benefícios fiscais não são concedidos pela Administração Fiscal, mas estabelecidos directamente na lei, nascendo o direito subjectivo ao benefício correspondente, da simples verificação histórica dos respectivos pressupostos”.
Verificado que esteja o pressuposto de que depende a isenção, a Administração Fiscal deixa de ter qualquer margem de apreciação, do direito à isenção, ou seja, não pode autorizá-lo ou recusá-lo.
E, o que nesta questão é fundamental, a Administração Fiscal sabe, com exactidão, quem, quando e por que valores tem direito à isenção prevista no art.º 55 do EBF. Para o efeito basta-lhe ter uma listagem dos contribuintes cujo rendimento bruto total do agregado familiar englobado para efeitos de IRS não seja superior ao dobro do salário mínimo nacional mais elevado e verificar se, simultaneamente, esses contribuintes são sujeitos passivos de Contribuição Autárquica. Confirmada a verificação do pressuposto de que depende o direito ao
benefício, nem sequer deveria ser enviada a respectiva nota de cobrança.
Mas ainda que se considerasse que a isenção em causa não era automática, mas dependente de reconhecimento, as conclusões a que chegaríamos seriam exactamente as mesmas, pois, conforme refere Nuno Sá Gomes in Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, publicada na Ciência e Técnica Fiscal nº 362, pg. 277/278, “o reconhecimento por acto unilateral, pode ainda ter lugar oficiosamente ou a requerimento dos interessados (art.º 4º, nº 1 e 2 do EBF)”.
No mesmo sentido veja-se Alberto Xavier, “Manual de Direito Fiscal”, Lisboa 1981, pg. 295.
E a verdade é que, mesmo que se admitisse exigível, enquanto condição de eficácia do benefício, o acto do reconhecimento, este não poderia, no que respeita ao art.º 554 do EBF, deixar de se considerar da iniciativa da própria Administração, ou seja, oficioso, o mesmo é dizer, dispensando qualquer pedido ou apresentação de requerimento pelo contribuinte.
Conclusão esta que se baseia em diversos argumentos :
a) Todas as normas que no Estatuto dos Benefícios Fiscais e no Código da Contribuição Autárquica regulam os benefícios fiscais no âmbito deste imposto, prevêem o processo do seu reconhecimento:
– Art.º 12 nº 4 do CCA, na redacção originária
– Art.º 12 nº 4 do CCA, na redacção dada pelo DL 140/92, de 17 de Julho
– Art.º 50 nº 3, 4 e 5 do EBF
– Art.º 51 nº 4 e 5 do EBF
– Art.º 52 nº 6 do EBF
– Art.º 53 nº 4 do EBF
– Art.º 54 nº 2 do EBF
0 art.º 55 do EBF era justamente o único que, até à data da entrada em vigor do DL 187/92, de 25 de Agosto, nada dispunha quanto ao reconhecimento da isenção de Contribuição Autárquica. Tal não pode, num ponto de vista sistemático deixar de se considerar relevante.
Tal como, aliás, a alteração nele introduzida, que passou a referir no nº 2:
“As isenções a que se refere o número anterior serão reconhecidas pelo Chefe de Repartição de Finanças da área da situação dos prédios, mediante requerimento devidamente fundamentado, que deverá ser apresentado pelos sujeitos passivos até 30 de Junho do ano em que terá início a isenção solicitada”.
Ora, a omissão inicial e alteração legislativa não podem ter outro significado que não seja o facto de a isenção ter sido automática ou, pelo menos, dependente de reconhecimento oficioso.
b) Por outro lado, não se pode considerar aplicável ao art.º 55 do EBF o disposto no art.º 4º nº 3 do mesmo, quando refere que nas situações em que não estiver previsto processo para reconhecimento do benefício especial, este deverá ser regulado pelo disposto no art.º 14 a 16º do Estatuto,
É que estes artigos, conforme sublinha Maria Teresa Barbot, in “Estatuto dos Benefícios Fiscais – notas explicativas”, pg. 89, não podem ser aplicados a todos os benefícios fiscais cujo processo de reconhecimento não se encontra especialmente previsto mas apenas àqueles que, estando nestas condições, a sua concessão dependa de reconhecimento não oficioso. O que, por maioria de razão exclui os benefícios fiscais automáticos.
Portanto, questão prévia à aplicação destes artigos é, naturalmente, a qualificação dos benefícios: se resultarem imediatamente da lei ou forem de reconhecimento oficioso, os arte 142 e seguintes do E.H.F. não lhes são aplicáveis; o mesmo não sucederá nas situações em que os benefícios pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento.
E parece claro que a isenção de Contribuição Autárquica para famílias de baixos níveis de rendimento resulta directa e imediatamente da lei.
c) Por outro lado, quando se exige no art.º 15 do EBF que seja sempre apresentado requerimento do interessado para obter o reconhecimento de benefícios não controlados pela Administração, é porque há situações, como a presente, em que o contribuinte não tem o ónus de solicitar o benefício.
Justamente porque a Administração sabe, sem necessidade de intervenção do sujeito passivo, quem pode ou não estar isento de Contribuição Autárquica.
No que respeita ao art.º 55 do EBF já assim não acontecerá, ou seja, o contribuinte deverá tomar a iniciativa de solicitar o beneficio, a reconhecer pela Administração, em todas as situações em que esta não está na posse de elementos para comprovar a verificação dos pressupostos de que depende o benefício. Estão em causa todas as situações em que o contribuinte não apresentou, designadamente por estar dispensado do cumprimento dessa obrigação acessória, a respectiva declaração de rendimentos de IRS. Nestes casos a atribuição da isenção depende de reconhecimento.
Mas vamos agora admitir, para demonstrar que também nessa hipótese o contribuinte tem razão em solicitar o reembolso, que o benefício fiscal previsto no art.º 55 do EBF, estava, antes da alteração trazida pelo DL 187/92, de 25 de
Agosto, dependente de reconhecimento e, assim, submetido no regime definido nos artºs 14º e 16º do Estatuto.
De acordo com o disposto na alínea a) do art.º 16º, o reclamante entregou em 27.09.91 o pedido de isenção de Contribuição Autárquica na Repartição de Finanças competente.
Ora, tendo o despacho de reconhecimento a data de 31.07.92, o pedido não foi apreciado no prazo de 6 meses previsto na lei, nem houve, que se saiba, prorrogação fundamentada do prazo, legalmente exigida.
Por outro lado, não existe qualquer fundamento legal para que o reconhecimento da isenção se limite ao ano de 1992.
Recordemo-nos que o contribuinte solicitou o benefício antes de ser notificado para pagar o imposto dos anos de 1989, 1990 e 1991.
Dispõe a alínea c) do art.º 16º do EBF que o despacho de deferimento da autorização do beneficio fixará as datas do início e do termo do benefício fiscal.
Ora, sendo o art.º 55º deste diploma omisso quanto a este aspecto, e sendo, nesta matéria, proibida a integração analógica de lacunas, pergunta-se porque razão foi o benefício atribuído quanto ao ano de 1992, e não quanto a 1993 ou quanto aos anos de 1989 a 1992.
Sendo como se referiu o art.º 55º omisso quanto a este aspecto, deveria ser aplicado o disposto no art. 114 do EBF, que é claro ao referir que o direito aos mesmos se deverá reportar à data da verificação dos respectivos pressupostos, uma vez que o acto de reconhecimento tem efeitos meramente declarativos e aqueles já existiam no ano de 1989.
Acresce que, ao que saiba, e tendo o despacho do Senhor Chefe da Repartição de Finanças a data de 31.07.92, pelo menos até 12.10.92 ainda o contribuinte não tinha sido notificado desta decisão. Omissão que claramente viola o disposto na alínea d) do art.º 16º do EBF, quando refere que os despachos de deferimento serão sempre notificados ao requerente.
Face ao exposto, considerando que o benefício fiscal previsto no art.º 55º do Estatuto era, até à alteração introduzida pelo DL 187/92, de 25 de Agosto, automático porque decorria de forma directa e imediata da lei e que o Senhor … reunia, desde 1989, os requisitos de que dependia a isenção de Contribuição Autárquica;
Considerando que, mesmo que a Administração Fiscal, por hipótese, admita que se trata de um beneficio fiscal que dependa de reconhecimento, este tem efeitos meramente declarativos, constituindo-se o direito ao beneficio na data da verificação dos respectivos pressupostos, em 1989,RECOMENDO:
Que ao contribuinte Senhor … sejam anuladas as liquidações de Contribuição Autárquica dos anos de 1989, 1990 e 1991, e processados os respectivos reembolsos.
0 PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL