Subsecretário de Estado Adjunto da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento
Rec. nº 2A/93
Proc.: R-1435/92
Data:1993-03-17
Área: A 2
Assunto: CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS – IRS.
Sequência:
O nº 4 do art.º 11 da Lei de Autorização Legislativa nº 106/88, de 17 de Setembro, relativa à Reforma Fiscal de 1989, dispunha que:
“Da aplicação das Taxas não poderá resultar para o contribuinte a disponibilidade de um rendimento líquido de imposto inferior ao valor do salário
mínimo nacional”.
De acordo com o estabelecido nesta norma, a redacção inicialmente dada ao art.º 73 do Código do IRS, era a seguinte:
“Da aplicação das taxas estabelecidas no art.º 71 nunca poderá resultar a disponibilidade de um rendimento bruto, líquido de imposto, inferior ao valor anual do salário mínimo nacional”.
Não obstante a infeliz redacção – o rendimento disponível não é o rendimento bruto – procurava-se, e muito bem, subtrair à tributação em IRS o montante do rendimento – qualquer que fosse a sua natureza ou categoria -, correspondente, em termos líquidos, ao valor do salário mínimo nacional, considerado como o limiar que permitisse a disponibilidade de um rendimento mínimo, abaixo do qual não existe capacidade contributiva.
Acontece que esse normativo nunca chegou a ser aplicado, pois logo a Lei n° 114/88, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 1989, alterou a sua redacção nos termos seguintes:
“Da aplicação das taxas estabelecidas no art. 71 não poderá resultar, para os titulares de rendimentos predominantemente originados em trabalho dependente, a disponibilidade de um rendimento líquido de imposto inferior ao valor do salário mínimo nacional”.
Escusado se torna referir que esta alteração introduzida no art.º 73º do Código do IRS desvirtuou por completo o sentido e a extensão da lei de autorização legislativa, para além de ter ofendido o que, na sua feliz expressão, o professor Nuno Sá Gomes, in “Teoria Geral dos Benefícios Fiscais”, Ciência e Técnica Fiscal, nº 359, pg. 115, designa por “imunidade constitucional fiscal”.
E repare-se que a alteração legislativa introduzida no art.º 73 do Código do IRS veio atingir – ainda o mesmo se não encontrava em vigor -, uma das principais estruturas em que deveria assentar a reforma da tributação do rendimento – o princípio da equidade ou da justiça tributária.
Na verdade, o que a alteração introduzida no art.º 73 do Código do IRS veio a consagrar foi uma situação em que a isenção, ou melhor, a não tributação nesse imposto de modo a salvaguardar a disponibilidade de um rendimento que possibilite viver com um mínimo de dignidade, dependa, não do montante do rendimento, mas da sua natureza.
0 que permite, por exemplo, que seja exigido o pagamento de IRS a contribuintes cujo vencimento anual seja metade do salário mínimo nacional.
Ou que, como também sucede, dois contribuintes com o mesmo rendimento, a não tributação de um e a tributação do outro.
Reconhecendo que tinha feito tábua rasa dos princípios constitucionais da igualdade e capacidade tributárias, a própria Lei n° 114/78, de 30 de Dezembro, que alterou o art. 73 do Código do IRS, autorizou o Governo, no nº 3 do art.º 24, a “Aprovar as medidas legais necessárias para assegurar aos contribuintes que não aufiram predominantemente rendimentos de trabalho dependente um mínimo de existência em condições não susceptíveis de propiciar evasão fiscal”.
Por não ter sido utilizada, esta autorização legislativa – cujos termos tão vagos levaram o professor Teixeira Ribeiro a considerá-la inconstitucional – cfr. A Reforma Fiscal, Coimbra Editora, Limitada, pg. 245 – caducou.
Contudo, veio a ser novamente concedida, agora em termos mais precisos e mais limitados, na alínea a) do n° 3 do art.º 24 da Lei 101/89, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 1990).
Ao seu abrigo foi publicado o Decreto-Lei nº 206/90, de 26 de junho, que alterou a redacção do nº 1 do art.º 2º do Código do IRS, de modo a considerar também rendimentos do trabalho dependente os originados pelo “Trabalho prestado ao abrigo de contrato de aquisição de serviços ou outro de idêntica natureza, sob a autoridade e a direcção da pessoa ou entidade que ocupa a posição de sujeito activo na relação jurídica dele resultante”.
E explicam-se no preâmbulo deste diploma as razões que ditaram a alteração legislativa:
“A inclusão expressa na categoria A dos rendimentos derivados dos contratos de aquisição de serviços e outros de idêntica natureza, quando subjacente a tais contratos se encontre uma realidade muito mais próxima do contrato individual de trabalho do que um verdadeiro contrato de requisição de serviços, é ditada por evidentes razões de justiça social, porquanto pretendendo-se a neutralidade das normas fiscais face às decisões dos agentes económicos, não pode, todavia, permitir-se que, perante uma certa permissividade da lei, a realidade seja desvirtuada, em prejuízo evidente da parte colocada em posição menos favorável”.
É caso para dizer que, com essa alteração legislativa, a única realidade desvirtuada parece ser o texto constitucional: só os trabalhadores titulares de rendimentos do trabalho dependente têm direito à não tributação do mínimo de existência e admite-se, para que alguns outros trabalhadores também possam beneficiar desse regime, que sejam considerados trabalhadores dependentes.
Ora, tenho sérias dúvidas que exista um único contribuinte titular de rendimentos da categoria B que, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do art.º 2 do Código do IRS, tenha sido considerado trabalhador dependente.
E tiro esta conclusão ao verificar a inexequibilidade prática da redacção dada ao artigo pelo DL 206/90, de 26 de Junho:
– Alguma vez a DGCI deu aos contribuintes ou às entidades patronais conhecimento desta possibilidade?
– Alguma vez, nas campanhas de recepção das declarações de IRS, os contribuintes foram informados deste direito?
– Acaso as instruções de preenchimento das declarações Mod. 1 e 2 do IRS chamam a atenção para esta situação?
Neste âmbito basta observar que, tal como em relação aos anos anteriores, as instruções de preenchimento da declaração Mod. 1 do IRS para 1992, referem que a
declaração deverá ser apresentada “por quem tenha auferido, exclusivamente, rendimentos do trabalho dependente e ou de pensões – categorias A e H”.
Isto é, são de todo omissas quanto à possibilidade de certos rendimentos da categoria B poderem ser considerados da categoria A.
0 mesmo se diga quanto às instruções de preenchimento da declaração Mod. 2 do IRS:
“A declaração Mod. 2 deve ser apresentada por quem tenha auferido rendimentos que não sejam provenientes, exclusivamente, de trabalho dependente e ou de pensões.
Caso um contribuinte pretendesse aproveitar o disposto na alínea b) do nº 1 do art.º 2 do Código do IRS, como lhe deveria ser feita a retenção na fonte? De acordo com as tabelas mensais – categoria A -, ou pelo valor de 15% – categoria B?
Como poderia o trabalhador estar dispensado de apresentar a declaração de rendimentos – se fossem considerados da categoria A -, e, simultaneamente, obrigado a proceder à sua apresentação – sendo da categoria B?
– E que entidade e em que termos iria apreciar a autonomia e subordinação hierárquica da relação laboral e a natureza da actividade desenvolvida?
– Como poderia ser considerado trabalhador dependente aquele cujo modelo 10 preenchido pela entidade patronal qualifica de modo diverso a natureza do rendimento?
Excelência:
Torna-se claro que a alteração introduzida na originária redacção do art. 73 do Código do IRS é inconstitucional. Entre outros – protecção da família, direito à vida e à dignidade social, direito a uma existência condigna, direito ao salário mínimo nacional – viola os princípios da igualdade e capacidade tributárias, legitimadores do imposto sobre o rendimento.
Interpretação defendida, aliás, por reconhecidos fiscalistas, v.g., professor Teixeira Ribeiro, in “A Reforma Fiscal” pg. 244/245; Dr. Saldanha Sanches, in “Princípios Estruturantes da Reforma Fiscal”, pg. 133; professor Nuno Sá Gomes, in obra citada, pgs. 50/53.e 113/117.
Institucionalidade evidente quando se percebe que o direito a um valor do rendimento disponível compatível com um mínimo de existência foi praticamente abolido com a redacção dada ao art.º 73 do Código do IRS pela Lei nº 114/88, de 30 de Dezembro, que o veio tornar objecto de incidência tributária sempre que estejam em causa rendimentos do trabalho independente, comerciais, industriais, agrícolas, de capitais, prediais de mais-valias e de pensões.
Por outro lado, quando através da alteração introduzida no art. 2 n° 1 Código de IRS, pelo DL 260/90, de 26 de junho, se pretendeu estender o regime de não tributação a certos rendimentos da categoria B, foi encontrado um processo sem qualquer aplicação prática.
Conforme refere Saldanha Sanches na obra referida, a não-tributação do mínimo de existência constitui um elemento essencial da tributação segundo o princípio da capacidade contributiva, como expressão do imperativo de não privação, através do imposto, de rendimentos abaixo de certos níveis, uma vez que, sujeito a uma amputação fiscal, deixariam o seu titular em grande situação de penúria”.
Nestes termos, RECOMENDO a V.Exª., ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do art.º 20 da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, que seja proposta a alteração do art.º 73 do Código do IRS, de modo a garantir, independentemente da categoria dos rendimentos em causa, a não tributação do mínimo de existência constitucionalmente garantido.
Para o efeito basta consagrar a originária redacção daquele artigo.
0 PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL