Presidente da Assembleia da República
Rec. nº 76/A/1993
Processo: R.213/91
Data: 02-06-1993
Área: A1
ASSUNTO: FUNÇÃO PÚBLICA – ADMINISTRAÇÃO LOCAL – INELEGIBILIDADE – AGENTE ADMINISTRATIVO – INTERPRETAÇÃO DA LEI
Sequência:
Excelência:
Em resultado do estudo elaborado acerca do problema exposto por um reclamante ao Provedor de Justiça, concluí não ser isento de dúvidas o alcance da norma estatuída na al. c) do nº 1 do artº 4º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro (com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 757/76, de 21 de Outubro), em matéria de inelegibilidade para os órgãos do poder local.
Com efeito, na sua versão originária aquela norma dispunha que não podiam ser eleitos para os órgãos do poder local “os agentes e funcionários da autarquia respectiva”.
Mas essa redacção veio a ser alterada pelo Decreto-Lei nº 757/76, donde resultou que passaram a não poder ser eleitos para os órgãos do poder local “os funcionários dos órgãos representativos das freguesias ou dos municípios”.
Constatando-se, pois, que a primitiva redacção da norma em causa abrangia expressamente os funcionários e agentes da autarquia respectiva, enquanto que a nova letra do mesmo preceito passou a referir-se apenas, e de modo expresso, aos funcionários dos órgãos representativos das freguesias ou dos municípios, poder-se-ia questionar se a supressão do vocábulo agentes na nova redacção da mencionada norma visou, ou não, excluir da inelegibilidade nela prescrita os agentes não funcionários dos órgãos representativos das autarquias locais, restringindo-a aos funcionários daqueles órgãos.
Sobre o assunto já se pronunciou, entretanto, o Tribunal Constitucional, que, havendo analisado a questão da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma vertida na al. c) do nº 1 do artº 4º do Decreto-Lei nº 701-B/76 (na redacção do Decreto-Lei nº 757/76), entendeu, em síntese:
“Que a inelegibilidade estabelecida pelo art. 4º, nº 1, al. c), do Decreto-Lei nº 701-1/76, na redacção do Decreto-Lei nº 757/76, opera unicamente no âmbito da respectiva autarquia, ou seja; respeita unicamente à eleição do órgão autárquico de que o cidadão é “funcionário’; ou de outro órgão da mesma autarquia […]; que essa inelegibilidade abrange apenas os “funcionários” da administração autárquica directa, dela estando excluídos, por conseguinte, os “funcionários” da administração autárquica indirecta […]; mas atinge, nessa zona da administração autárquica, tanto os funcionários em sentido estrito, como os simples agentes com vínculo permanente; que tal inelegibilidade, com o âmbito territorial e pessoal de aplicação acabado de descrever, se explica pelo objectivo de preservar e garantir a “independência” e a imparcialidade do poder local; que este objectivo tem perfeito cabimento e justificação constitucional”. (Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Fevereiro de 1986).
Assim, o Tribunal Constitucional decidiu não declarar a inconstitucionalidade do visado preceito normativo.
Não faltaram, porém, opiniões que, embora não tendo feito vencimento, divergiram do entendimento firmado no aludido Acórdão acerca do âmbito pessoal de aplicação do preceito estatuído na al. c) do nº 1 do artº 4º do Decreto-Lei nº 701-B/76 (na redacção do Decreto-Lei nº 757/76), antes propugnando que ele se refere exclusivamente a funcionários em sentido estrito, ou seja, aos indivíduos que, vinculados a órgãos autárquicos por uma relação jurídica de emprego público, integram os respectivos quadros.
E assim o expenderam considerando que para tanto apontava a história da citada norma legal, cuja versão originária se referia a funcionários e agentes, e cuja redacção, depois de modificada, passou a aludir apenas a funcionários; além disso, o único entendimento capaz de conferir sentido útil à apontada alteração (harmonizando-se com a diversa natureza dos conceitos de funcionário e agente) seria aquele que considera abrangidos pela inelegibilidade em causa tão somente os funcionários e não já os agentes administrativos.
Entretanto, o invocado Acórdão do Tribunal Constitucional, ao entender que a indicada inelegibilidade não atinge apenas os funcionários em sentido estrito, acolheu, porém, uma distinção entre agentes com vinculo permanente e agentes sem vínculo permanente, para concluir que somente os primeiros, e não também os últimos, se acham abrangidos pela inelegibilidade determinada na al.c) do nº 1 do artº 4º do Decreto-Lei nº 701-B/76 (na redacção do Decreto-Lei nº 757/76).
Poder-se-á questionar, todavia, se o objectivo de preservar e garantir a independência e a imparcialidade do poder local – objectivo esse visado pela aludida norma – não se mostrará susceptível de ser colocado em crise, no tocante a certos agentes que não se encontram ligados ao respectivo órgão autárquico por um vínculo profissional de carácter permanente, em termos semelhantes àqueles em que tal poderá ocorrer no que tange a agentes que se acham ligados ao mesmo órgão autárquico por um vínculo daquela natureza.
Trata-se, aliás, de aspecto que também foi abordado numa das declarações de voto constantes do mencionado Acórdão, nela se havendo posto em dúvida, no plano legal, a distinção operada entre agentes com e sem vínculo permanente à autarquia respectiva.
Ora, não cabe ao Provedor de Justiça resolver sobre os precisos contornos do âmbito pessoal de aplicação da inelegibilidade em causa.
Considerando, porém, as dúvidas suscitadas acerca de tal problema, e posto que essas dúvidas não se mostram total e inequivocamente eliminadas pela interpretação que o Tribunal Constitucional deu ao questionado preceito legal, adequada se torna a respectiva clarificação normativa.
Assim, tendo em vista o disposto na al. j) do artº 167º da Constituição, e ao abrigo da competência consignada na al. b) do nº 1 do artº 20º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, tenho por bem submeter o assunto à consideração da Assembleia da República, formulando
RECOMENDAÇÃO
no sentido da clarificação normativa do preceito actualmente contido na al. c) do nº 1 do artº 4º do Decreto-Lei nº 701-B/76 (com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 757/76), v.g. em sede de próxima revisão do quadro jurídico respeitante às eleições dos titulares dos órgãos do poder local.
Agradeço a Vossa Excelência que se digne transmitir-me a resolução que vier a ser tomada sobre a presente Recomendação, para melhor apreciação da qual tenho a honra de enviar, juntamente, cópia do estudo final elaborado acerca da matéria da queixa dirigida pelo interessado ao Provedor de Justiça.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel
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INFORMAÇÃO
1. Na parte final da informação anteriormente exarada no presente processo, a Provedoria de Justiça admitiu poder questionar-se se o Dec-Lei nº 757/76, de 21 de Outubro, ao alterar a redacção da al. c) do nº 1 do artº 4º do Dec-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, visou, ou não, excluir da inelegibilidade nela prescrita os agentes não funcionários dos órgãos representativos das freguesias ou dos municípios, restringindo essa inelegibilidade aos funcionários dos mesmos órgãos.
Isso, considerando que a primitiva redacção da citada al. c) abrangia expressamente os funcionários e agentes da autarquia respectiva, enquanto que a nova letra de tal preceito passou a referir-se apenas, e de modo expresso, aos funcionários dos órgãos representativos das freguesias ou dos municípios.
2. A propósito do assunto veio dizer a D.G. da Administração Autárquica, na sua ulterior informação, que “Sobre esta questão já se pronunciou, no entanto, o Tribunal Constitucional – Acórdão nº 244/85, publicado no D.R. II Série, de 7.2.86, o qual considerou que a nova redacção dada à alínea c) do nº 1 do artº 4º do Dec-Lei nº 701-B/76 pelo Decreto-Lei nº 757/76 quis abranger na sua previsão não só os funcionários no sentido rigoroso do termo, mas também os agentes dos órgãos representativos dos municípios e das freguesias”.
E, a ser assim, pouca margem restaria para a dúvida suscitada à volta do problema da subsunção, ou não, da situação do reclamante à previsão da falada norma legal, visto os membros dos gabinetes de apoio pessoal dos Presidentes das Câmaras Municipais não poderem ser considerados como funcionários, mas poderem ser equiparados a “agentes administrativos”, como defende a mencionada D.G..
De tal sorte, e face ao estatuído na al. a) do nº 1 do artº 9º da Lei nº 87/89, de 9 de Setembro, o impetrante, sendo membro do gabinete de apoio pessoal do Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz, haver-se-ia constituído em situação determinante da perda do seu mandato como Presidente da Junta de Freguesia de Bom Sucesso, daquele concelho, já que os Presidentes das Juntas de Freguesia do Município da Figueira da Foz fazem parte da respectiva Assembleia Municipal (nº 1 do artº 31º do Dec-Lei nº 100/84, de 29 de Março).
3. Não se afigura, porém, que as coisas possam ser encaradas tão inequivocamente à luz do invocado Acórdão do Tribunal Constitucional.
Com efeito, apreciando a questão da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma da al. c) do nº 1 do artº 4º do Dec-Lei nº 701-B/76, na redacção que lhe foi dada pelo Dec-Lei nº 757/76, entendeu, em síntese, o referido Tribunal:
“Que a inelegibilidade estabelecida pelo art. 4º, nº 1, al. c), do Decreto-Lei nº 701-B/76, na redacção do Decreto-Lei nº 757/76, opera unicamente no âmbito da respectiva autarquia, ou seja: respeita unicamente à eleição do órgão autárquico de que o cidadão é “funcionário”, ou de outro órgão da mesma autarquia […]; que essa inelegibilidade abrange apenas os “funcionários” da administração autárquica directa, dela estando excluídos, por conseguinte, os “funcionários” da administração autárquica indirecta [ …]; mas atinge, nessa zona da administração autárquica, tanto os funcionários em sentido estrito, como os simples agentes com vinculo permanente; que tal inelegibilidade, com o âmbito territorial e pessoal de aplicação acabado de descrever, se explica pelo objectivo de preservar e garantir a “independência” e a imparcialidade do poder local; que este objectivo tem perfeito cabimento e justificação constitucional”. (Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Fevereiro de 1986).
Assim, o Tribunal Constitucional decidiu não declarar a inconstitucionalidade do visado preceito normativo.
4. Não faltaram, porém, opiniões que, embora não tendo feito vencimento, divergiram do entendimento firmado no referido Acórdão acerca do âmbito pessoal de aplicação da norma vertida na al. c) do nº 1 do artº 4º do Dec-Lei nº 701-B/76, na redacção do Dec-Lei nº 757/76, antes propugnando que ela se refere exclusivamente a funcionários em sentido estrito, ou seja, aos indivíduos que, vinculados a órgãos autárquicos por uma relação jurídica de emprego público, integram os respectivos quadros.
E assim o expenderam considerando (como alvitrou a Provedoria de Justiça na sua aludida informação) que para tanto aponta a história do citado preceito legal, cujo texto originário se referia a funcionários e agentes e cuja redacção, depois de modificada, passou a falar apenas em funcionários; além de que o único entendimento capaz de conferir sentido útil à mencionada alteração literal, harmonizando-se com a diversa natureza dos conceitos de funcionário e agente, será aquele que considera abrangidos na norma em causa apenas os funcionários, e não já os agentes administrativos.
5. Mas, como quer que se vejam as coisas, ocorrerá sublinhar que o aludido Acórdão do Tribunal Constitucional, ao entender que a discutida inelegibilidade não atinge somente os funcionários em sentido estrito, acolheu, no entanto, uma distinção entre agentes com vinculo permanente e agentes sem vínculo permanente, para concluir que apenas os primeiros, e não também os últimos, se acham abrangidos pela inelegibilidade prescrita na norma legal acima indicada.
Ora, os membros dos gabinetes de apoio pessoal dos Presidentes das Câmaras Municipais, a que se refere o artº 8º do Dec-Lei nº 116/84, de 6 de Abril (na redacção da Lei nº 44/85, de 13 de Setembro), são livremente nomeados e exonerados pelo Presidente da respectiva Câmara Municipal, cessando funções com o termo do mandato daquele, e exercem os seus cargos em regime de comissão de serviço.
Como disse a D.G. da Administração Autárquica, trata-se de agentes “que exercem funções públicas de confiança política sem carácter de profissionalidade sendo, por isso, livremente amovíveis e que se encontram sujeitos ao regime de direito público”.
Assim, difícil parece classificar o reclamante (enquanto membro do gabinete de apoio pessoal do Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz) como agente com vínculo permanente e enquadrá-lo, por consequência, no âmbito da inelegibilidade em foco, com o âmbito de aplicação pessoal que lhe foi assinalado no referido Acórdão.
6. Poder-se-á questionar, naturalmente, se o objectivo de preservar e garantir a independência e a imparcialidade do poder local (objectivo esse visado pela norma da al. c) do nº 1 do artº 4º do Dec-Lei nº 701-B/76, na redacção do Dec-Lei nº 757/76) não se mostrará susceptível de ser colocado em crise, no tocante a certos agentes que não se encontram ligados ao respectivo órgão autárquico por um vínculo profissional de carácter permanente, em termos semelhantes àqueles em que tal possa ocorrer no que tange aos agentes que se acham ligados ao mesmo órgão autárquico por um vínculo da descrita natureza
[De notar, a propósito, que uma das declarações de voto constantes do mencionado Acórdão do Tribunal Constitucional, para além de considerar abrangidos pela norma em apreço apenas os funcionários em sentido estrito, e não também os agentes administrativos, pôs em dúvida, no plano legal, a distinção operada no dito Acórdão entre agentes com e sem vínculo permanente].
Mas, como é evidente, não compete à Provedoria de Justiça resolver sobre os precisos contornos do âmbito pessoal de aplicação da discutida inelegibilidade, para concluir, em última análise, do enquadramento ou não enquadramento da situação do reclamante no âmbito dos preceitos consignados na al. c) do nº 1 do artº 4º do Dec-Lei nº 701-B/76, com a redacção do Dec-Lei nº 757/76, e na al. a) do nº 1 do artº 9º da Lei nº 87/89, de 9 de Setembro (onde se determina que perdem o mandato os membros dos órgãos autárquicos que “Após a eleição, sejam colocados em situação que os torne inelegíveis…”).
Tal enquadramento não se revela inequívoco à luz da actual redacção da al. c) do nº 1 do artº 4º do Dec-Lei nº 701-B/76 e do alcance que lhe foi emprestado pelo Tribunal Constitucional.
De qualquer forma, e consoante se frisou na precedente informação da Provedoria de Justiça, cabendo ao competente órgão autárquico deliberar sobre a perda do mandato daquele dos seus membros em relação ao qual se verifique a situação contemplada na al. a) do nº 1 do artº 9º da Lei nº 87/89 (cfr. o nº 3 do artº 10º do mesmo diploma), restará ao impetrante socorrer-se da via contenciosa para reagir contra a deliberação autárquica que porventura venha a resolver (ou haja resolvido) no sentido da perda do mandato do interessado como Presidente da Junta de Freguesia de Bom Sucesso – o que não se alcança dos autos que tenha sucedido.
7. Se as considerações que agora se finalizam merecerem concordância superior, nesse sentido se oficiará ao reclamante e à D. G. da Administração Autárquica.
Superiormente se resolverá, também, sobre a oportunidade de expor o assunto à Assembleia da República, ao abrigo do preceituado na al. b) do nº 1 do artº 20º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, formulando Recomendação no sentido da clarificação normativa da matéria em foco, v.g. em sede de próxima revisão do quadro jurídico respeitante às eleições dos titulares dos órgãos do poder local (v. artº 167º, al. j), da Constituição), considerando que a actual redacção da al. c) do nº 1 do artº 4º do Dec-Lei nº 701-B/76 suscita dúvidas de aplicação, dúvidas essas que tão pouco se revelam cabal e inequivocamente eliminadas pela interpretação que do falado preceito fez o Acórdão nº 244/85, do Tribunal Constitucional.
17.11.92
ASS: O ASSESSOR
Concordo com a actuação proposta, oficiando-se à DGAA e ao reclamante e formulando-se Recomendação à Assembleia da República.
Ao Exmº Provedor Adjunto
20.11.92
ASS: O COORDENADOR
Concordo.
Pelas razões que vêm proficientemente expostas, é de oficiar à DGAA e ao reclamante e de formular recomendação à AR (tudo nos termos propostos).
E, ficando com tais diligências esgotadas as possibilidades de intervenção do P.J., é de, do mesmo passo, arquivar o presente processo.
24.11.92
ASS: O PROVEDOR ADJUNTO
1. O Acórdão do Tribunal Constitucional não resolveu todos os aspectos da questão, na medida em que considerou que a norma que estabelece a inelegibilidade para os órgãos do poder local dos “funcionários dos órgãos representativos das freguesias e municípios” (alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Dec-Lei nº 701-B/76, de 29-9, na redacção dada pelo artigo 1º do Dec-Lei nº 757/76, de 21-10] não era inconstitucional (com cinco votos de vencido).
Considerou, igualmente, que essa norma era aplicável não só aos funcionários, em sentido estrito, mas também aos agentes com vinculo permanente.
2. O reclamante não tem vínculo permanente à Câmara Municipal da Figueira da Foz pelo que não estaria abrangido pela inelegibilidade, embora possa objectar-se que os fundamentos que conduziram àquela interpretação abrangente do Tribunal Constitucional se verificam também para os agentes sem vínculo permanente, como é o caso do reclamante.
3. Para que não subsistam dúvidas quanto ao âmbito da aplicação daquele preceito dê-se conhecimento do problema suscitado à Direcção Geral da Administração Autárquica, na medida em que esta considera (fls. 50) que aquele Acórdão do Tribunal Constitucional resolveu definitivamente o assunto.
4. Exponha-se, como vem sugerido, o assunto à Assembleia da República, formulando-se recomendação no sentido da clarificação normativa da matéria em causa.
5. Volte com o projecto de recomendação que assinarei (directamente do Senhor Assessor para mim).
15.3.93
O PROVEDOR DE JUSTIÇA