Presidente do Conselho dos Oficiais de Justiça

Rec. nº 119/A/95
Proc. :R-1044/95
Data:
Área : A5

ASSUNTO:Administração da Jusitça – Notificação – Ilegalidade.

Sequência:

I
1. Foi-me dirigida queixa devidamente identificada, ao abrigo e para os efeitos do art.o 23°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, na qual se contesta o teor do aviso postal de 05 de Abril de 1995 passado, do 1º Juízo Criminal de Santa Maria da Feira (documento 1, em anexo, no processo da presente recomendação).
1.1. Efectuadas as diligências instrutórias tidas por úteis e necessárias, concluí pela procedência da queixa, pelo que formulo a presente recomendação, nos termos e pelos fundamentos seguintes:

II
2.Dispunha o supra referido aviso que “Por ordem do Meritíssimo Juiz de Direito deste Tribunal, fica notificado para comparecer no Tribunal Judicial da Feira no dia 23 de Abril de 1995, pelas 9,30 horas, a fim de tratar de um assunto judicial sob pena de ser procurado pelas entidades competentes” (cfr. documento 1).
2.1. Solicitados esclarecimentos ao 1° Juízo Criminal de Santa Maria da Feira, apurou-se que a comunicação foi efectuada na sequência de ofício precatório proveniente do 2° Juízo Criminal de Oeiras (v. documento 2, em anexo, no processo da presente recomendação);
2.2. após se ter lavrado certidão negativa, em 5 de Abril de 1995 (v. documento 3, em anexo, no processo da presente recomendação), e face ao despacho judicial proferido na mesma data, o qual determinava: “tente a notificação na morada indicada e se necessário através da entidade policial competente” (cfr. documento 4, em anexo, no processo da presente recomendação).

3.Conforme facilmente se poderá intuir, pretende-se na queixa que me foi dirigida, que a referência, em termos intimidatórios, ao facto de o notificado poder vir a ser procurado pelas entidades competentes, constitui um procedimento inadequado e não permitido por lei.

III
4.Nos termos do art.° 112°, n.° 3, alínea b), do Código de Processo Penal (C.P.P.), a convocação para participar em audiência – sendo que disso se tratava no presente caso (v. documento 2) – deve necessariamente revestir a forma de notificação e indicar a finalidade da convocação.
4.1. Trata-se de uma excepção à regra geral constante do número 1 do artigo citado no parágrafo antecedente, segundo a qual, “a convocação de uma pessoa para comparecer a acto processual pode ser feita por qualquer meio destinado a dar–lhe conhecimento do facto, inclusivamente por via telefónica (…)”
4.2. Assim, e em conformidade com o disposto na lei, determinou a Mma. Juiz respectiva, por despacho datado de 05.04.1995 (v. documento 4, em anexo, no processo da presente recomendação), que se tentasse a notificação, com referência expressa à possibilidade de esta vir a ser realizada com recurso à colaboração da força pública, se necessário.
4.3. Pelo que, fácil se torna concluir, que a funcionária de justiça respectiva, deveria ter tentado a notificação nos termos das alíneas a) e b) do art.° 113° do C.P.P. : via postal, através de carta isenta de porte e expedida com aviso de recepção, numa primeira fase e, não o conseguindo, mediante contacto pessoal com o notificando, no lugar em que fosse encontrado, eventualmente com a colaboração da força pública,
conforme resulta do disposto nos artigos 113°, n.° 2, alínea a), e 115°, n.°1, do C.P.P. .
4.4. Ao invés, não tentou sequer a funcionária de justiça em causa a notificação nas formas referidas – o que se traduz no claro incumprimento do despacho judicial transcrito no ponto 2.2. antecedente – tendo expedido o aviso postal a que se tem vindo a fazer referência (documento 1) e lavrado cota em que dá conta da expedição do mesmo.
4.5. Agindo, supõe-se, ao abrigo e para os efeitos do art.° 234°-A, n.° 1, do Código de Processo Civil.
4.6. Sendo que – mais cumpre chamar a atenção -, já antes havia a funcionária lavrado certidão negativa, um dia após o expediente ter dado entrada no Tribunal de Santa Maria da Feira, sem que tivesse feito referência à realização de quaisquer diligências tendentes à notificação, tendo-se limitado a referir que era do seu conhecimento que o arguido “dificilmente se encontra na sua residência nas horas normais de expediente.” (cfr. documento 3).

5.O normativo supra referido do Código de Processo Civil, introduzido pelo Decreto-Lei n.° 242/85, de 09 de Julho, destina-se, como é bom de ver, a possibilitar as citações nos casos, aliás frequentes, em que as pessoas não se encontram em casa nas horas normais de expediente, dessa forma se evitando deslocações penosas e infrutíferas aos oficiais de justiça (v. a este respeito, a anotação ao artigo citado em Código de Processo Civil Anotado, Abílio Neto, Lisboa, Ediforum, 1993,
11ª ed., pp. 204).
5.1. Aplica-se aos casos de citação pessoal ou, quando muito, de notificação pessoal, por remissão, nestes, do art.° 256° do Código de Processo Civil. Mas, em caso algum se aplica ao Processo Penal.
5.2. É que, conforme se pode ler na nota número 22 ao Parecer da Procuradoria Geral da República publicado no Diário da República, II Série, de 07.02.1990 (Proc. n.° 69/89) – com expressa referência à inaplicabilidade da norma em situação idêntica – “(…) o Código de Processo Penal de 1987 estabeleceu um sistema completo de regras de convocação, sem espaços em branco que justifiquem o apelo subsidiário às normas de processo civil”.
5.3. Pelo que, há que concluir, – como se faz no Parecer citado -, que “não é admissível em face da disciplina legal estabelecida nos artigos 112° e seguintes do Código de Processo Penal de 1987 a convocação de uma pessoa com a finalidade de, na secretaria do Tribunal, lhe ser comunicada a determinação para posterior comparência a acto processual”
5.4. Estou em crer, aliás, que a Mma. Juiz de Direito não desconheceria tal facto, dado que, confrontada com a referida actuação da funcionária de justiça, não invocou qualquer preceito legal que a legitimasse – sendo que havia a Provedoria de Justiça indagado se se tinha por legal e adequado o procedimento descrito -, antes se tendo limitado a referir que se tratava da “( …) forma de dar cumprimento aos ofícios precatórios, que todos os dias entram neste Tribunal” (cfr. documento 5, em anexo, no processo da presente recomendação).
5.5. Desconheço se se trata de prática corrente e generalizada das secretarias dos tribunais criminais. Mas, ainda que a resposta seja afirmativa, tal facto não deverá impedir, creio, a chamada de atenção para a irregularidade que se tem por cometida, no caso concreto.

6. Ao que acresce, finalmente, – haverá que o dizer, tratando–se do ponto directamente focado na queixa que me foi dirigida, conforme referido no parágrafo 3. antecedente – que se partilha da opinião segundo a qual os termos da própria comunicação (referência ao facto de poder ser o notificando procurado pelas entidades competentes) são atentatórios da dignidade das pessoas e eventual causa de receios injustificados e desproporcionados.
6.1. Não podem, de facto, os funcionários de justiça – ou quaisquer outros – intimidar as pessoas no exercício das suas funções. Ainda que, com o pretexto de se tratar da forma de cumprir com as suas obrigações ou de assegurar os objectivos da própria instituição que servem.
6.2. Tal actuação é-lhes absolutamente interdita, não só pelos princípios gerais de direito aplicáveis, como, ainda, pela própria Lei.
6.3. Dispõe, efectivamente, o art.° 11° do Decreto-Lei nº 129/91, de 02 de Abril (institui medidas de melhoria na receptividade dos serviços da Administração Pública aos utentes) que: “na redacção dos documentos e formulários, designadamente ofícios, requerimentos, avisos, convocatórias, certidões e declarações, deve usar-se linguagem simples, clara e significativa, sem expressões reverenciais ou intimidatórias .

IV
Termos em que, pelo exposto se conclui que:

A. A forma de comunicação que foi utilizada não tem suporte legal no âmbito do processo penal, não sendo invocável o artº 234°-A do Código de Processo Civil.
B. A irregularidade cometida foi da iniciativa e responsabilidade da funcionária de justiça respectiva, que não cumpriu despacho judicial legal e competente.

C. A notificação foi redigida em termos intimidatórios, logo, proibidos por lei, atentatórios da dignidade das pessoas, susceptíveis de causar receio desproporcionado e, eventualmente, injustificado.

V
Pelo que, tendo em vista a atribuição constitucional de pugnar pela prevenção e reparação de injustiças, entendo fazer uso dos poderes que me são conferidos pelo artº 20°, nº 1, da Lei nº 9/91, de 09 de Abril e RECOMENDAR :

1° – A adopção, pelo Conselho dos Oficiais de Justiça, das medidas necessárias ao apuramento da responsabilidade disciplinar, nos termos do artº 107°, alínea a), da Lei Orgânica das Secretarias Judiciais e Estatuto dos Funcionários Judiciais, aprovada pelo Decreto-Lei nº 376/87, de 11 de Dezembro.
2° – A adopção, pelo mesmo órgão, de medidas que previnam a ocorrência de situações semelhantes à descrita, designadamente fazendo circular pelas secretarias dos tribunais criminais a presente recomendação, com supressão da identificação da funcionária, do processo judicial e dos tribunais nela referidos ou, em alternativa, a divulgação, por escrito, do seu conteúdo, aos responsáveis das referidas secretarias.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL