Directora do Departamento de Gestão de Recursos Educativos
Número: 127/A/95
Processo: R-1586/94
Data: 26.10.95
Área: A1

Assunto: EDUCAÇÃO E ENSINO – ACORDO CULTURAL PORTUGAL-BRASIL – EQUIVALÊNCIA HABILITAÇÕES LITERÁRIAS.

Sequência: Acatada.

I – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

1. Foi apresentada na Provedoria de Justiça pelo Senhor O…, cidadão brasileiro licenciado em Educação Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, uma queixa em que alegava ter sido excluído do concurso de professores para o ano lectivo de 1994/95 por não possuir equivalência de habilitações.

2. Questionado o Departamento de Gestão de Recursos Educativos sobre a fundamentação daquela decisão de exclusão, à luz do art. XIV do Acordo Cultural entre Portugal e o Brasil, aprovado pelo Decreto-Lei nº 47 863, de 26 de Agosto de 1967, foi recebido em resposta, após insistências, o ofício nº … , de 24.04.1995, que se limita a confirmar os factos alegados pelo Reclamante e nada aduz quanto à fundamentação da alegada necessidade de obtenção da equivalência de habilitações.

3. Nos termos do art. XIV do referido Acordo Cultural entre Portugal e o Brasil, cada Parte Contratante reconhecerá, para efeito de exercício de profissão no seu território, os diplomas e títulos profissionais idóneos expedidos por institutos de ensino da outra Parte, desde que devidamente legalizados e emitidos em favor de nacionais de uma ou de outra parte.

4. A idoneidade do título profissional resulta, tão só, da sua concessão por entidades reconhecidas e habilitadas para licenciar, naquele país, o exercício da profissão em causa. Não é concedida a qualquer das partes a possibilidade de apreciar o mérito dos títulos profissionais concedidos por institutos de ensino da outra parte. Apenas há que reconhecer a validade dos títulos profissionais em causa, os quais, caso estejam devidamente legalizados, valem em Portugal nos mesmos termos que valem no Brasil.

5. Verifica-se, assim, que a norma contida no art. XIV do Acordo Cultural entre Portugal e o Brasil não concede às Partes qualquer margem de discricionariedade na apreciação dos títulos profissionais: basta que sejam idóneos, que tenham sido emitidos por institutos de ensino da outra Parte e estejam devidamente legalizados.

6. Exigir, como faz o Departamento de Gestão dos Recursos Educativos, que o Reclamante obtenha a equivalência ao grau de licenciado, nos termos previstos no Decreto-Lei nº 283/83, de 21 de Junho, implica submeter o título profissional em causa a uma apreciação de mérito, como resulta claramente do disposto nos arts. 11º e 13º daquele diploma legal, que condicionam a atribuição das equivalências a deliberação positiva do conselho científico da escola que ministre o ensino conducente à atribuição do grau ou diploma do ensino superior português equivalente, podendo até a concessão da equivalência ser condicionada à aprovação em exames ad hoc ou outro tipo de provas a determinar pelo conselho científico (art. 13º, nº 4).

7. Ora, tal exigência viola o disposto no art. XIV do Acordo Cultural entre Portugal e o Brasil, que, como vimos, prevê o reconhecimento automático dos títulos profissionais idóneos emitidos por institutos de ensino da outra parte, e devidamente legalizados, detidos pelos nacionais de qualquer das partes.

8. O Acordo Cultural entre Portugal e o Brasil foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 47 863, de 26 de Agosto de 1967, ratificado por Portugal em 10 de Março de 1968 e pelo Brasil em 4 de Setembro de 1969, tendo entrado em vigor nesta última data.

9. O Acordo mantém-se em vigor, vinculando as partes, nos termos do art. 26º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados, uma vez que não foi denunciado por nenhuma delas, nem foi invocado qualquer vício do seu consentimento a estarem vinculadas, nem qualquer motivo superveniente de cessação da vigência da convenção.

10. Uma vez que o Acordo Cultural entre Portugal e o Brasil foi regularmente ratificado e publicado, e continua a vincular internacionalmente o Estado Português, as suas normas vigoram na ordem interna portuguesa, nos termos do art. 8º, nº 2, da Constituição, e prevalecem sobre as normas de direito interno de grau infraconstitucional, pois “(…) a lei interna, anterior ou posterior, que contrarie uma convenção internacional, para além de constituir o Estado português (…) em responsabilidade internacional, é ineficaz” (ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA / FAUSTO DE QUADROS, Manual de Direito Internacional Público, 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 123).

11. Assim sendo, tem de considerar-se que o regime instituído pelo Decreto-Lei nº 283/83 não é aplicável aos cidadãos brasileiros munidos de título profissional idóneo, emitido por instituto de ensino brasileiro, e devidamente legalizado, que gozarão do regime – mais favorável – previsto no art. XIV do Acordo Cultural entre Portugal e o Brasil.

II – CONCLUSÕES

De acordo com o exposto e no uso dos poderes que me são conferidos no art. 20º, nº 1, al. a), do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei nº 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO

1º Que não seja exigida ao Senhor O… a obtenção de equivalência ao grau de licenciado para aceder a concursos de professores que venham a ser abertos, reconhecendo como suficientes as habilitações literárias por aquele possuídas.

2º Que em situações futuras em que cidadãos brasileiros, munidos de título profissional idóneo, emitido por instituto de ensino brasileiro, e devidamente legalizado, se pretendam apresentar a concursos de professores, não lhes seja condicionado o acesso à obtenção de equivalência a graus e diplomas de idêntica natureza obtidos em estabelecimentos de ensino superior português.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL