Exm.º Senhor Presidente do Instituto Nacional de Habitação
Número:28/A/96
Processo:R-1878/94
Data:31.01.1996
Área: A2
Assunto:CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS – TRANSFERÊNCIA DE DÍVIDA – JUROS DE MORA
Sequência:Não Acatada.
1. A Cooperativa de Construção e Habitação MÃOS À OBRA, CRL, com sede no Lugar do Forno (Rio Tinto) solicitou a minha intervenção no sentido de fazer valer o direito que entende deve assistir aos seus associados em serem reembolsados do valor de juros que pagaram a esse Instituto nas condições e circunstâncias que se passam a descrever.
2. A Cooperativa reclamante, tal como outras cooperativas e associações de moradores, contraiu um avultado empréstimo com o ex-Fundo de Fomento de Habitação, destinado à construção de habitações para os seus associados.
O esforço financeiro do volume do empréstimo e dos juros aplicáveis, da responsabilidade da Cooperativa, em breve se manifestou incomportável já que, em última análise, era suportado por sócios, de fracos recursos financeiros.
A Cooperativa entrou em mora e a dívida subiu em flecha.
3. Entretanto, o Fundo de Fomento de Habitação foi extinto e as suas atribuições foram transferidas para a Direcção Geral do Tesouro e para o Instituto Nacional de Habitação (INH), como mandatária daquela (Dec.Lei n.º 410/87, de 31 de Dezembro – art.ºs. 6.º e 7.º, fís. 130), a substituir o Estado na sua relação com a Cooperativa.
4. Dando-se conta da situação de extrema dificuldade das cooperativas de habitação (e associações de moradores), na regularização dos seus débitos (idem, art.º 7.º), foram procuradas soluções que se traduziram em:
� transferência dos débitos das cooperativas para os respectivos associados, na proporção do capital aplicado na construção da casa atribuída a cada um (Decreto-Lei 37/88, de 5 de Fevereiro, e Decreto-Lei 77/ 89, de 3 de Março);
� perdão dos juros de mora (despacho ministerial conjunto de 30.11.89).
5. Na sequência dos diplomas legais citados, veio a proceder-se a um “acordo” entre a Cooperativa MÃOS À OBRA e o Estado, segundo o qual:
� foram perdoados os juros em dívida, no montante de Esc. 110.014.763$00;
� a dívida total foi fixada em Esc. 811.870.653$00;
� este valor seria, de seguida, transferido para os associados, na proporção dos valores das habitações adquiridas à Cooperativa, mediante celebração de escritura pública que, simultaneamente, operaria a transferência da propriedade do fogo para o adquirente e a obrigação deste responder, perante o Estado (Direcção Geral do Tesouro e Instituto Nacional de Habitação), pelo pagamento do valor do mesmo, dentro do prazo e conforme a taxa de juro fixada na escritura pública.
6. Deste modo, a soma dos valores de todos os fogos vendidos pela cooperativa aos seus associados, integraria o valor da dívida ao Estado, fixado, como se referiu, em Esc. 811.870.653$00.
7. Em cumprimento deste acordo, os associados fizeram entrega, no INH, dos documentos necessários com vista à celebração das escrituras públicas em causa.
8. Inexplicavelmente, o Instituto Nacional de Habitação decidiu aplicar uma taxa de juro, pelo período de tempo que mediou entre a data de entrega daqueles documentos e a data das assinaturas das respectivas escrituras públicas, o que traduziu, para cada um dos associados da Cooperativa, o desembolso, variável, de centenas de contos, a que esse Instituto chamou de juros remuneratórios.
9. É nosso parecer que o Instituto Nacional de Habitação não tem razão na posição assumida e na cobrança que exige dos juros em causa, porque quando se determinou, legalmente, a transferência da dívida das cooperativas para os seus associados e, simultaneamente, se concedeu o perdão pelos juros de mora no atraso que se vinha verificando e acumulando no pagamento da dívida, duas conclusões se impõem imediatamente:
a)- a primeira tem que ver com o facto de, enquanto a dívida não se transferisse para terceiro (associado em vez da cooperativa), o responsável pela sua liquidação era a Cooperativa e não o associado;
b) – o associado só assume a responsabilidade legal da parte da dívida que lhe cabe, a partir do momento em que é celebrada a respectiva escritura pública, e isto é tanto mais assim quanto é certo que a fixação da data da assinatura da escritura, competia ao INH e não ao associado;
c)- assim, e até à data da celebração da escritura em causa, a dívida existente continua titulada pela cooperativa, que não tem que responder por juros de mora em dívida, que lhe foram perdoados.
10. No fundo, o que o despacho ministerial operou, com o seu perdão, paralelamente à fixação do valor da dívida, acompanhada da faculdade legal da sua transferência, da Cooperativa para os seus associados, foi uma verdadeira suspensão da cobrança da dívida, que só passou a “correr” de novo, e contra o novo devedor, a partir da data em que este celebrou a respectiva escritura pública.
11. Aliás o perdão dos juros de mora já decretado pelo despacho ministerial referido no n.º 4 (acima), foi reforçado com a emissão de novo despacho ministerial que repete este perdão (D.M. de 12.Junho.92).
12. Assim, só após a transferência da dívida, é que esta passa a vencer os juros, de acordo com o estipulado na respectiva escritura pública, que fixou também o prazo de amortização do capital mutuado.
Em face do exposto e ao abrigo do disposto no art.º 20.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,RECOMENDO:
Que por terem sido exigidos sem fundamento legal os juros cobrados aos associados da Cooperativa de Construção e Habitação Mãos à Obra (CRL), sejam devolvidos aos interessados, dos dinheiros entregues a coberto desse título e respeitantes ao período de tempo anterior à celebração da escritura pública de transferência do débito da cooperativa para os seus associados.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel