Ministro das Finanças
Número:20/B/97
Processo:R-1279/96
Data:2.12.1997
Área: A2
Assunto:CONTRIBUIÇOES E IMPOSTOS – IMPOSTO AUTOMÓVEL – ISENÇÃO – VEÍCULO ADQUIRIDO NO ESTRANGEIRO – MILITAR – MISSÃO DE PAZ.
Sequência:Acatada
Por força da pendência, na Provedoria de Justiça, de processos no âmbito dos quais se apreciam questões relacionadas com a atribuição de benefícios fiscais em sede de Imposto Automóvel, tenho vindo a acompanhar parte dos trabalhos de codificação deste imposto. A este respeito, teve Vossa Excelência a amabilidade de remeter à Provedoria de Justiça cópia do Título II do anteprojecto de codificação do Imposto Automóvel, a fim de conhecer a posição destes serviços sobre as soluções ali consagradas. Relativamente ao âmbito da isenção de Imposto Automóvel aplicável a participantes em missões a favor da paz ou de cooperação internacional, o teor do artigo daquele anteprojecto que consagrava a referida isenção suscitou algumas dúvidas, pelo que foram solicitados esclarecimentos complementares ao Gabinete de Vossa Excelência (n/ ofício n.º …). O que então se procurava apurar era o motivo pelo qual a redacção do artigo 73º do citado anteprojecto (actual artigo 74º, ao que julgo saber), ao consagrar a isenção de Imposto Automóvel relativamente a veículos adquiridos no estrangeiro por militares regressados de missões de paz ou cooperação internacional, limitava tal benefício precisamente aos militares, não sendo concedida idêntica prerrogativa aos elementos das forças de segurança participantes nas mesmas missões.
Procurou ainda a Provedoria de Justiça conhecer a posição do Ministério das Finanças quanto à possibilidade de a isenção de Imposto Automóvel a consagrar nesta matéria vir a abranger participantes em missões já ocorridas, os quais, salvo previsão expressa nesse sentido, não poderão beneficiar das isenções que venham a reger, para futuro, esta matéria. Encontram-se nessa situação, nomeadamente, os elementos da Polícia de Segurança Pública que participaram em Missão de Paz no território da ex-Jugoslávia, os quais, através de exposições dirigidas, nomeadamente, ao Gabinete de Vossa Excelência e a este órgão do Estado, têm salientado a importância da consagração legal da isenção em causa, importância já reconhecida por Sua Excelência o Ministro da Administração Interna e por Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. O pedido de esclarecimentos formulado viria a ser respondido pelo ofício n.º …, do Gabinete de Vossa Excelência, a coberto do qual foram remetidos à Provedoria de Justiça os documentos provenientes da Direcção-Geral das Alfândegas e Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC) e da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) sobre o assunto. Muito embora destes documentos resulte esclarecida uma parte da questão, subsistem ainda alguns pontos acerca dos quais creio justificar-se uma reflexão mais aprofundada, objectivo que a presente Recomendação visa alcançar.
I-O Âmbito Pessoal de Aplicação da Isenção
Quanto a esta questão, creio que as alterações entretanto introduzidas no anteprojecto em elaboração se revelam adequadas ao objectivo pretendido, de tratar de igual forma situações que se apresentam, no essencial, idênticas. Verifica-se, de facto, que a redacção agora proposta para os artigos 74º e 75º do anteprojecto de codificação do Imposto Automóvel coloca em plano de igualdade os militares e os elementos das forças de segurança integrados em forças ou missões de paz ou de cooperação internacional. A manter-se esta redacção, creio encontrar-se resolvida pela melhor forma a questão da igualdade de tratamento entre militares e elementos das forças de segurança que participam nas missões em causa, facto que registo com agrado, já que os motivos da concessão de uma isenção desta natureza estão presentes em ambos os casos, não se encontrando motivo para um tratamento diferenciado de situações idênticas.
II-A Aplicação da Isenção no Tempo
Quanto à aplicação da isenção aos participantes em missões já ocorridas, a solução encontrada, no sentido de fazer depender a aplicação do diploma que virá a conter as isenções de Imposto Automóvel da pendência, ou não, de processo no âmbito do qual houvesse sido requerida tal isenção, parece-me insuficiente, desde logo porque a mera referência a processos pendentes, sem qualquer esclarecimento acerca dos exactos contornos desta noção, pode suscitar dúvidas quanto ao âmbito de aplicação do diploma. Por outro lado, e ainda que muitos dos participantes em missões já terminadas tenham requerido a isenção de Imposto Automóvel ao abrigo do regime previsto no Decreto-Lei n.º 56/93, de 1 de Março – por entenderem que as funções desempenhadas no âmbito das missões de paz e cooperação internacional são equiparáveis ao serviço diplomático, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1º do referido Decreto-Lei -, não é seguro que todos o tenham feito, até porque cedo foi conhecida a posição das entidades competentes para a decisão destes pedidos, no sentido de a equiparação pretendida pelos interessados não ser possível, excluindo-os, assim, do âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 56/93, de 1 de Março, e negando-lhes, consequentemente, por falta de base legal, a isenção pretendida. Assim, todos os interessados que, sendo conhecedores desta posição da administração sobre o âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 56/93, de 1 de Março, deixaram de requerer a isenção por saberem, à partida, que a mesma lhes seria negada, estarão impedidos de beneficiar do regime que virá colmatar a lacuna até agora existente no nosso sistema legal sobre esta matéria. Acresce que, mesmo quanto àqueles que solicitaram a isenção de Imposto Automóvel ao abrigo do supra citado Decreto-Lei, a pendência, ou não, dos respectivos processos à data da entrada em vigor do diploma actualmente em preparação sobre a matéria dependerá de factores tão aleatórios como a maior ou menor celeridade na apreciação e decisão dos pedidos de isenção ou como a interposição, ou não, de recurso – administrativo ou contencioso – pelos interessados. A incerteza na definição da situação dos participantes em missões já ocorridas é agravada pelo facto de não ser actualmente conhecida a data aproximada da entrada em vigor do diploma que codificará a legislação automóvel.
A entender-se – como vem sendo entendido – que os participantes em missões a favor da paz e de cooperação internacional não se encontram abrangidos, actualmente, por qualquer isenção de Imposto Automóvel na introdução no consumo de veículos automóveis adquiridos no estrangeiro, difícil se torna encontrar um motivo justificativo do regime diferenciado destes cidadãos relativamente ao regime que já há algum tempo é aplicável a outras categorias de cidadãos nacionais igualmente regressados do estrangeiro, aos quais tem sido garantida isenção de Imposto Automóvel na introdução no consumo dos automóveis adquiridos durante a sua permanência no estrangeiro. Refiro-me, por exemplo, ao caso dos emigrantes que transfiram definitivamente a sua residência de um Estado membro da União Europeia para Portugal (isenção prevista no Decreto-Lei n.º 264/93, de 30 de Julho), aos emigrantes que regressem definitivamente de países terceiros (Decreto-Lei n.º 471/88, de 22 de Dezembro) ou aos funcionários diplomáticos e consulares portugueses ou com funções equiparadas (Decreto-Lei n.º 56/93, de 1 de Março). Em qualquer destes casos, a concessão da isenção de Imposto Automóvel evita que os cidadãos que regressam ao território nacional após terem permanecido no estrangeiro durante determinado período sejam penalizados com o pagamento de um imposto incidente sobre um bem cuja aquisição e utilização no estrangeiro decorreram do facto de aí se terem fixado por um período suficientemente alargado, a ponto de justificar a aquisição de um meio de transporte próprio. Na falta de disposição que expressamente isentasse estes cidadãos do pagamento de Imposto Automóvel, os mesmos ficariam abrangidos pela regra geral da sujeição àquele imposto – como acontece actualmente com os participantes em missões de paz e cooperação internacional, – tornando-se injustificadamente onerosa a introdução no consumo de um bem que o interessado já vinha afectando ao seu uso há algum tempo e que não adquirira no estrangeiro com qualquer fim especulativo ou de evasão fiscal, antes o tendo feito por a isso ter sido levado pela evolução normal da sua vida pessoal ou profissional. Ora, a “ratio” da isenção que beneficia os grupos de cidadãos acima mencionados (ex?emigrantes e funcionários diplomáticos, consulares ou equiparados) está também presente no caso dos participantes em missões a favor da paz ou de cooperação internacional, pelo que só o facto de o legislador não ter previsto esta situação poderá justificar a sua não inclusão, à partida, no conjunto de situações merecedoras do benefício fiscal em causa. Esta lacuna, ainda que não justificada, é compreensível: muito embora a primeira participação de Portugal em missões de paz e humanitárias no âmbito da ONU date de 1958, no Líbano, onde Portugal integrou uma missão de observadores daquela organização internacional, só mais recentemente, em 1989 na Namíbia, e na década de 90 em Angola, Moçambique e no território da ex-Jugoslávia, a participação de Portugal neste tipo de missões se intensificou, quer no que concerne à frequência dessa participação, quer no tocante ao número de portugueses envolvidos.
Natural é, portanto, que só agora se adquira plena consciência da existência de algumas lacunas na regulamentação de questões que, sem a intensificação da participação de Portugal nestas missões, dificilmente se revelariam. Prova de que assim é foi a publicação, em finais de 1996, de diploma legal definidor do estatuto dos militares das Forças Armadas envolvidos neste tipo de missões (Decreto-Lei n.º 233/96, de 7 de Dezembro), assim como a recente consagração de benefícios fiscais em sede de IRS aplicáveis aos militares e elementos das forças de segurança quanto às remunerações auferidas no desempenho das missões a que me venho referindo (artigo 42º – A do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aditado pela Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro). É tempo, pois, de preencher o vazio legislativo ainda existente em sede de isenção de Imposto Automóvel, podendo tal desiderato ser alcançado com a entrada em vigor do diploma de codificação deste imposto, actualmente em elaboração. O que me parece importante assegurar é que a tardia detecção do vazio legislativo em sede de isenção de Imposto Automóvel prejudique o menor número possível de cidadãos, objectivo que julgo poder ser alcançado de forma razoável e com base em critérios objectivos. Da apreciação a que procedi de todos os dados compulsados acerca deste assunto concluí, por um lado, que seria prudente acrescentar à previsão de aplicabilidade do novo regime de isenção aos casos pendentes a expressa menção de que esta noção abrange todos os casos que ainda não foram objecto de decisão final, seja ela de natureza administrativa, seja de natureza judicial, assim se prevenindo eventuais – mas quase certas – dúvidas quanto ao alcance da noção de “caso pendente” para efeitos de aplicação do novo regime. Por outro lado, revela-se de elementar justiça equiparar totalmente o regime aplicável aos participantes em missões de paz ou cooperação internacional ao regime de que já beneficiam, desde pelo menos 1 de Janeiro de 1993, os cidadãos que têm introduzido no consumo veículos automóveis de que são proprietários por ocasião do seu regresso a Portugal, com isenção de Imposto Automóvel.
Com efeito, dos três diplomas a que acima fiz referência, que consagram isenções de imposto Automóvel aplicáveis a ex-emigrantes e a funcionários diplomáticos, consulares e equiparados, dois deles reportam expressamente os seus efeitos àquela data (cfr. artigos 8º e 24º dos Decretos-Lei n.ºs 56/93, de 1 de Março, e 264/93, de 30 de Julho, respectivamente), enquanto o terceiro diploma é de data anterior (Decreto-Lei n.º 471/88, de 22 de Dezembro). A data de 1 de Janeiro de 1993 foi, pois, aquela que serviu de referência à última tentativa de harmonização desta matéria, após uma série de alterações e revogações impostas, não só, mas também, por necessidades de harmonização da legislação nacional com a legislação comunitária neste âmbito. Coincide esta mesma data, sensivelmente, com o período a partir do qual, como acima também já referi, Portugal intensificou a sua participação em missões a favor da paz e de cooperação internacional, pelo que a expressa aplicação da isenção a consagrar no novo diploma em elaboração às situações ocorridas após aquela data se apresenta como a solução que melhor permite repor a situação que existiria se a evolução da legislação nesta área houvesse acompanhado mais de perto a evolução dos factos objecto da mesma. A fixação de uma determinada data a partir da qual a isenção em causa produzirá efeitos apresenta, desde logo, evidentes facilidades de interpretação e aplicação da norma que delimitará o respectivo âmbito de aplicação temporal. A fixação, em concreto, desta data, é aconselhada por razões de equidade e de tratamento tão igualitário quanto possível de situações que, como se viu, se apresentam, no essencial, idênticas.
Este objectivo de tratamento igualitário de situações análogas suscita-me ainda um último comentário relativamente ao âmbito de aplicação temporal desta isenção: caso a aplicação retroactiva da isenção em causa venha a ser consagrada pela forma acima exposta, haverá que atentar nos casos daqueles cidadãos que, embora preenchendo os requisitos materiais de aplicação da isenção, não são parte em qualquer processo pendente, seja porque nunca chegaram a formular qualquer pedido de isenção, seja porque, tendo-o feito, este foi já objecto de decisão final de indeferimento, em sede administrativa ou judicial. Entendo que nenhuma destas circunstâncias deverá impedir os referidos cidadãos de beneficiar da isenção que venha a ser consagrada, já que materialmente a sua situação é idêntica à daqueles que são parte em processos ainda não conclusos. Deverá, pois, ser expressamente fixado um prazo, contado a partir da entrada em vigor do novo diploma de codificação da legislação sobre o Imposto Automóvel, durante o qual qualquer cidadão que reuna os requisitos de aplicação da isenção em causa, possa requerer a respectiva aplicação, independentemente de o seu caso concreto ter ou não sido objecto, no passado, de decisão (administrativa ou judicial) de indeferimento. Nem se diga que uma isenção assim consagrada implicará um alargamento desmesurado e imprevisível do universo dos seus beneficiários, já que a isso obsta, precisamente, a fixação de um prazo considerado razoável para efeitos de requerimento da mesma. As alterações agora sugeridas consubstanciarão, estou certo, uma melhoria considerável em termos de certeza, objectividade e igualdade na definição do âmbito de aplicação da isenção a criar, com as inerentes vantagens em termos de previsibilidade das despesas e de abolição de factores aleatórios na definição do âmbito de aplicação deste benefício.
Pelo exposto,RECOMENDO:
1. Que a isenção a criar no âmbito do diploma que codificará a legislação sobre o Imposto Automóvel, relativamente à introdução no consumo de veículos adquiridos no estrangeiro pelos militares e elementos de forças de segurança integrados em forças ou missões a favor da paz ou de cooperação internacional, reporte os seus efeitos a 1 de Janeiro de 1993;
2. Que a previsão de aplicabilidade do novo diploma aos casos pendentes, já constante do anteprojecto de tal diploma, seja complementada por uma definição clara e inequívoca do que deva entender-se por “caso pendente”, sendo de incluir nesta noção, desde logo, todos os casos que, à data da entrada em vigor deste diploma, não tenham sido ainda objecto de decisão final, seja ela administrativa ou judicial.
3. Que seja fixado um prazo considerado razoável para efeitos de requerimento da mencionada isenção por todos aqueles que, preenchendo os requisitos materiais de aplicação da mesma – com o âmbito definido em 1. -, não sejam, à data da entrada em vigor do novo diploma de codificação da legislação sobre o Imposto Automóvel, parte em qualquer processo pendente sobre esta questão, independentemente de os respectivos casos concretos terem ou não sido objecto, no passado, de decisão (administrativa ou judicial) de indeferimento.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel