Ministro das Finanças
Número:19/B/97
Processo:R.4907/96
Data:2.10.1997
Área: A3

Assunto:SEGURANÇA SOCIAL – FUNCIONÁRIO DAS EX-COLÓNIAS – CONTAGEM DO TEMPO DE SERVIÇO – EXERCÍCIO DE FUNÇÕES APÓS A INDEPENDÊNCIA – ESTATUTO DO COOPERANTE.

Sequência: Sem Resposta.

1. O Sr… dirigiu-me uma reclamação na qual questiona o facto de não lhe ter sido considerado, para efeitos de aposentação, o período em que exerceu funções, como funcionário público, em Angola, após a independência deste território.

2. De facto, a Caixa Geral de Aposentações, em resposta à solicitação do exponente para que lhe fosse contado, para efeitos de aposentação, o tempo de serviço que havia prestado em Angola, após a respectiva independência, veio a comunicar-lhe o seguinte: “O tempo de serviço prestado por funcionários públicos nos países de língua oficial portuguesa só é contável, para efeitos de aposentação, desde que prestado ao abrigo de contratos de cooperação previstos na lei e assinados com a autorização do Governo Português. Relativamente a Angola, embora tenha sido publicado no Boletim Oficial, I Série, n.º 224, de 75.09.25, um Acordo de Cooperante, o mesmo nunca chegou a entrar em vigor, por incumprimento do estipulado nos seus artigos 29º e 30º (troca dos instrumentos de ratificação)”.

3. O exponente exerceu funções em Angola, como funcionário público, no período compreendido entre Maio de 1969 e 30 de Junho de 1976, data em que ingressou no Quadro Geral de Adidos. Esse lapso de tempo inclui um período posterior à independência daquele território – 11 de Novembro de 1975 a 30 de Junho de 1976.

4. A permanência de funcionários naquele país no período imediatamente subsequente à independência envolveu, certamente, interesses portugueses e angolanos. Tanto assim foi, que o Decreto-Lei n.º 23/75, de 22 de Janeiro, se referiu expressamente aos funcionários nessas circunstâncias e foi publicado o Acordo de Cooperante acima referido.

5. Efectivamente, o art.º 1º, n.º4, daquele diploma legal previa que a situação dos servidores que tivessem continuado a prestar serviço nos territórios que tinham ascendido à independência, seria regulada “…por acordos de cooperação técnica a negociar com os governos desses novos Estados, nos quais se contemplem, nomeadamente, a possibilidade de transferência para Portugal de parte de remunerações que lhes sejam atribuídas, a regulamentação do processo relativo à aposentação e o regime de férias.”.

6. O Decreto-Lei n.º 23/75 veio, assim, legitimar a permanência dos servidores do Estado naqueles territórios, tendo-lhes, simultaneamente, criado uma fortíssima expectativa jurídica quanto à definição dos direitos decorrentes dessa situação.

7. Essa expectativa ter-se-á, aliás, consolidado face ao facto de a situação paralela dos funcionários públicos portugueses que permaneceram em Moçambique, ter sido acautelada no âmbito do Decreto n.º 692/75, de 12 de Dezembro, que aprovou o Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Popular de Moçambique (cfr., em especial, o art.º12º, al. d)).

8. É, aliás, de admitir que se o reclamante tivesse sabido que aquele tempo não seria contado, teria, provavelmente, requerido o ingresso no Quadro Geral de Adidos mais cedo.

9. As relações de cooperação entre o Estado Português e os novos Estados de expressão oficial portuguesa, todavia, apenas vieram a ser regulamentadas através do Decreto-Lei n.º180/76, de 9 de Março.

10. Sendo certo, porém, que as situações de facto em causa eram diferentes e, nessa medida, foram regulamentadas numa perspectiva e em moldes insusceptíveis de aplicação às situações do tipo que temos vindo a referir. Por outro lado, essa legislação foi omissa quanto ao preenchimento e efectivação da previsão constante no referido art.º 1º,n.º 4, do Decreto-Lei n.º 23/75.

11. Essas situações ficaram assim por regulamentar, apesar da responsabilidade assumida pelo Estado Português nesse sentido, a qual não deixou de existir por força de um eventual incumprimento de compromissos por qualquer das outras partes.

12. É neste contexto que nos parece justa a pretensão do exponente. Note-se, aliás, que no âmbito do instituto da cooperação, foi salvaguardada a contagem do tempo de serviço para efeitos de aposentação, nos termos do art.º 6º, n.º 1,al. b), n.º3, al. a), n.º 4 e, posteriormente, nos termos do art.º 13º e 17º, n.º4, do Decreto-Lei n.º 363/85, de 10 de Setembro.

13. Reconhece-se, porém, que não é hoje possível compensar integralmente a falta de regulamentação, atento o lapso de tempo entretanto decorrido. Contudo, o tempo decorrido não deve nem pode obstar à realização da justiça, na parte em que seja possível e tenha efeito útil, como sucede com a contagem daquele tempo de serviço para aposentação.

14. Efectivamente, na abordagem desta questão, não pode esquecer-se que a não concretização da previsão do art.º 1º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 23/75, de 22 de Janeiro, é, apenas e tão só, imputável ao Estado, não sendo aceitável que este agora se escude numa sua própria omissão. Aliás, faz-se notar , a título exemplificativo, que o decurso do tempo não obstou a que o Estado, bastantes anos depois, tivesse:
-reconhecido os períodos contributivos verificados nas caixas de previdência de inscrição obrigatória dos territórios das ex-colónias portuguesas até à independência desses territórios – Decreto-Lei n.º 335/90, de 29 de Outubro;
-ou, salvaguardado os direitos dos funcionários e agentes que exerceram funções em território de Timor Leste sob administração portuguesa – Lei n.º 1/95, de 14 de Janeiro.

15. Nem se diga que se tratou de serviço prestado a Estados estrangeiros sem cobertura da legislação portuguesa. Em primeiro lugar, porque , conforme referido, o primeiro facto não impediu que, no âmbito do instituto da cooperação, esse serviço tenha sido valorado pelo Estado Português. Em segundo lugar, porque, atentas as circunstâncias referidas, a ausência de regulamentação é, como se disse e antes de mais, omissão imputável ao Estado Português.

Em face do exposto,RECOMENDO:

A Vossa Excelência a criação de uma medida legislativa que venha suprir a lacuna regulamentar relativa à situação dos servidores do Estado Português que se mantiveram ao serviço nos antigos territórios ultramarinos após a sua independência, no período compreendido entre a data em que esta se tenha verificado e a data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 180/76, de 9 de Março, no que respeita à contagem desse tempo para efeitos de aposentação.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel