Presidente da Câmara Municipal de Matosinhos
Número:51/A/97
Processo:R.2974/95
Data:8.07.1997
Área: A2

Assunto:AUTARQUIAS LOCAIS – MAU ESTADO DA VIA PÚBLICA – ACIDENTE DE AUTOMÓVEL – DANO – RESPONSABILIDADE CIVIL – INDEMNIZAÇÃO.

Sequência:Não Acatada

I

O Ex.º Sr… sofreu um acidente de viação, em 1 de Janeiro de 95, quando conduzia o seu veículo automóvel, na Av. Vila…, em Matosinhos, no sentido poente?nascente, junto à fonte luminosa. O referido acidente causou danos na viatura, no montante de 252 458$00 (duzentos e cinquenta e dois mil, quatrocentos e cinquenta e oito escudos), conforme documentação já enviada a essa Câmara pelo reclamante. A Exma. Sra…, tendo apresentado em Fevereiro de 95, junto da Câmara Municipal de Matosinhos, uma reclamação no interesse do seu filho acima identificado, recebeu resposta negativa ao seu pedido, datada de 8.11.95, pelo que solicitou a minha intervenção junto de V.ª Ex.ª no sentido de o lesado em apreço vir a ser ressarcido do valor dos danos sofridos em consequência do acidente. O acidente descrito teve origem numa lacada situada no centro da via, que não se encontrava devidamente sinalizada, e cuja largura e profundidade provocaram directamente os danos a que se aludiu. O condutor do veículo foi submetido ao teste de alcoolémia, tendo o resultado sido negativo. Efectuadas chamadas telefónicas para os serviços da Câmara Municipal, com o objectivo de realizarem obras na via, as mesmas não foram atendidas, conforme é referido na participação do acidente de viação elaborada pela Divisão de Trânsito de Matosinhos, igualmente remetida a esses serviços pela reclamante. Houve, assim, perfeito conhecimento e consciência do perigo que constituía tal irregularidade. Pedidos os esclarecimentos necessários em 9.01.96, recebeu a Provedoria de Justiça a resposta ao seu pedido, através do ofício n.º 05292, de 19.03.96, assinado pelo Exmo. Senhor Vereador…, o qual informava que o Município apenas aceitaria a responsabilidade que lhe viesse a ser assacada em sede judicial “… competindo o ónus probatório à munícipe acima identificada”. A Câmara Municipal não assumiu, assim, a sua responsabilidade de indemnização dos danos causados ao veículo automóvel em virtude do mau estado da via pública, remetendo o assunto para a via judicial. Não posso concordar com tal decisão pois, cabendo à Câmara Municipal a que V.ª Ex.ª preside zelar pelo bom estado de conservação e utilização das vias públicas, a responsabilidade da autarquia não necessita de decisão judicial para ser reconhecida e assumida.

II

Importa analisar a responsabilidade extra-contratual da Câmara Municipal de Matosinhos, por danos decorrentes da deficiente conservação das estradas pertencentes ao património municipal. De acordo com os artigos 1º e 2º do Decreto-Lei n.º 40051, de 21 de Novembro de 1967, artigo 366º do Código Administrativo e artigo 90º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março (L.A.L), as autarquias locais são civilmente responsáveis perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos praticados pelos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício. Sendo atribuição das Câmaras Municipais a conservação das estradas e caminhos municipais, conforme o art. 2º da Lei 2110, de 19 de Agosto de 1961 – REGULAMENTO GERAL DAS ESTRADAS E CAMINHOS MUNICIPAIS -, cabe-lhes a competência para, através dos seus serviços, promover e conservar tais estradas (artigos 2º da Lei 2110 e 51º, n.º 4, al. d) e i), da Lei das Autarquias Locais). Para que exista responsabilidade civil por actos de gestão pública das autarquias locais não basta a ocorrência dos danos, é necessária, também, a verificação dos outros pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, o nexo de causalidade, a ilicitude e a culpa, conforme decorre do disposto pelos artigos 563º do Código Civil, 2º, 6º e 4º do Decreto-Lei n.º 48 051, 366º, n.º 1, do Código Administrativo e 90º, n.º2, da Lei das Autarquias Locais. O nexo de causalidade (art. 563º do Código Civil) existe quando o acto ou omissão, praticado pelos agentes ou órgãos administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício, seja causa do dano. Quanto à ilicitude, uma vez que se trata de actos materiais, depende da infracção das normas legais e regulamentares e dos princípios gerais aplicáveis, ou das regras de ordem técnica e de prudência comum, a que se reporta o art. 6º do Decreto-Lei n.º 48 051. Relativamente à culpa, deve ser aferida, de acordo com o disposto no artigo 4º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48 051, nos termos do art. 487º do Código Civil, em função de um padrão técnico de diligência e zelo adequados às exigências técnicas do caso concreto. No caso em apreço, entendo encontrarem-se verificados os elementos acabados de referir. E não se diga que cabe ao lesado efectuar a prova da culpa, ou seja, a prova de que os órgãos ou agentes municipais conheciam, ou não podiam legitimamente deixar de conhecer, a existência do mau estado de conservação da via, causador do acidente. O art. 487, n.º 1, do Código Civil, ao dispor que incumbe ao lesado provar a culpa, parece querer significar que a conduta do autor da lesão não poderá ser considerada culposa se os factos apurados não permitirem concluir que este agiu com negligência. Naturalmente que o lesado apenas pode alegar os factos que conhece. Os factos que porventura poderão descaracterizar a culpa do lesante só por este poderão ser alegados e provados. Na esteira daquela que tem sido a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal Administrativo, assinala-se que os factos dados como provados, no que concerne à violação do dever de conservação da via pública, são suficientes para concluir pela negligência da omissão, não sendo exigível, nem tão pouco razoável, que o lesado seja obrigado a alegar e provar factos que, pela força das circunstâncias, raramente poderá conhecer. Ora, a culpa do lesante ocorreria sempre que fosse possível estabelecer a ponte entre os factos provados, a que se aludiu, e o disposto no art. 493º, n.º 1, do Código Civil, isto é, sempre que não fosse ilidida a presunção de culpa estabelecida por aquele artigo, não provando a Câmara que nenhuma culpa houvera da sua parte, nem que os danos se teriam produzido ainda que não houvesse culpa sua. A tese acabada de enunciar tem assento em abundante jurisprudência do STA, como se referiu, designadamente no Acórdão de 18 de Maio de 1993, no qual se pode ler:
“A impugnação do recorrente dirige-se, essencialmente, contra esta construção jurídica que faz onerar o lesante com uma presunção de culpa, no domínio da responsabilidade civil extracontratual por actos ilícitos de gestão pública. E daí que, fazendo operar a regra do art. 487º, n.º 1, 1ª parte, do Código Civil (ao lesado incumbe provar a culpa do autor da lesão), a recorrente realce, desde logo, o facto de a A. não ter alegado nem provado que o obstáculo se encontrava na via pública há tempo, que a Câmara conhecia ou devia conhecer a situação e que ela não tivesse diligenciado no sentido da sua remoção ou sinalização. Ao esgrimir contra a tese acolhida na sentença impugnada, a recorrente afronta uma jurisprudência esmagadora deste STA no sentido da aplicação do citado artigo 493º, n.º 1, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, por facto ilícito. Citam-se, a título de exemplo, os Acórdãos de 4.6.81,in Acordãos Doutrinais, n.º 305, pág. 624; 12.2.87, in “Apêndices…”, pág. 797; 7.11.89, Processo n.º 26.149; 20.2.90, in Acordãos Doutrinais, n.º 374, pág. 125…”
E prossegue o mesmo Acórdão:
“… no âmbito da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por acto ilícito de gestão pública, será ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal. Mas esta presunção será não só a que eventualmente vier expressa no Decreto-Lei n.º 48.051, como a que constar do Código Civil, em matéria não regulada por aquele diploma e não colidente com os princípios nele acolhidos. Uma das situações que o Decreto-Lei n.º 48.051 não prevê é precisamente a contemplada no art. 493º, º 1, do Código Civil, onde se estabelece uma presunção de culpa do lesante. Não aplicar este preceito aos casos de responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, suscitaria sempre o reparo de se não ver razão para desigual tratamento em matéria de prova, relativamente aos danos causados por coisas móveis ou imóveis que entes públicos ou privados têm em seu poder com o dever de as vigiar. Na verdade, conforme o decidido nos Acórdãos de 20.10.87 e 17.5.88, in B.M.J., n.ºs 370, pág. 392 e 377, pág. 315, respectivamente, a culpa dos titulares dos órgãos ou agentes liga-se directamente à omissão ou ao facto criador do dano e afere-se, de acordo com o disposto no art. 4º, n.º 1, do Decreto-Lei 48.051, nos termos do art. 487º do Código Civil; será pois, culposa, a conduta dos titulares do órgão ou agente quando a conduta comissiva ou omissiva não corresponda à que seja exigível e esperada de um funcionário zeloso e cumpridor. Poderá ainda dizer-se que a alegada indefinição de fronteiras entre o ilícito e a culpa implica, numa outra perspectiva, adoptada no Acórdão de 29.3.90 – Processo n.º 27.655, que a prova de factos ilícitos por violação de normas legais ou regulamentares arrasta uma presunção judicial de negligência que obriga à contra-prova do lesante no sentido da demonstração de que não houve culpa da sua parte, o que a recorrente não fez com êxito”.
Ou seja, diz esta “jurisprudência esmagadora”, provada a ilicitude deve ter-se como provada também a culpa, a não ser que o lesante alegue e prove factos que a descaracterizem.

III

Encontrando-se reunidos todos os elementos descritos, pode e deve concluir-se que houve omissão do cumprimento do dever de conservação da via pública e, na consequência de tal omissão, criou-se uma situação de perigo que levou ao acidente descrito, o qual provocou danos que ascenderam a 252 458$00 (duzentos e cinquenta e dois mil, quatrocentos e cinquenta e oito escudos), conforme comprovam os documentos entregues oportunamente pela reclamante junto dessa Câmara.
Perante a situação enunciada,RECOMENDO:

Que o Senhor… seja indemnizado dos danos provocados pelo acidente de que foi vítima.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel