Ministro das Finanças
Número:25/B/97
Processos:R-704/95; R-2906/97;R-3281/97; R-4409/97
Data:31.12.1997
Área:A2
Assunto:ASSOCIAÇÕES – TÉCNICO OFICIAL DE CONTAS – INSCRIÇÃO NA ASSOCIAÇÃO – CONCURSO – FORMAÇÃO – REGULARIZAÇÃO – MEDIDA LEGISLATIVA.
Sequência:Não Acatada
I-Exposição de Motivos
Conforme é do conhecimento de Vossa Excelência, tenho vindo a acompanhar de perto o assunto que se prende com a regularização da situação dos Técnicos Oficiais de Contas ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro, tendo formulado em 4 de Dezembro último a Recomendação n.º 75/A/97, na qual se previa uma tomada de posição definitiva sobre as reclamações que me foram apresentadas até ao final do ano em curso. A análise do assunto foi precedido da prévia audição da entidade visada, de acordo com o disposto no art.º 34º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, bem como de um estudo comparativo dos argumentos aduzidos pelas diferentes entidades interessadas na definição de questões essenciais que, desde cedo, se revelaram polémicas. Conforme resulta do teor do documento a que se fez referência, e que aqui recordo, entendi recomendar, em síntese, a suspensão do processo excepcional de candidatura à inscrição na Associação dos Técnicos Oficiais de Contas, criado pelo Despacho n.º 8470/97, de 1 de Outubro e bem assim, a manutenção da suspensão da eficácia do Despacho n.º 155/97 XIII, de 25 de Março (ou seja, a prorrogação do disposto no n.º 2 do Despacho de Vossa Excelência n.º 3961/97, de 15 de Julho), até ao completo esclarecimento da situação, por forma a possibilitar o exercício efectivo da profissão, mediante a assinatura das declarações fiscalmente relevantes, a todos os técnicos que actualmente exerçam essas funções, mas não tenham conseguido regularizar a sua inscrição na Associação dos Técnicos Oficiais de Contas. Tal não pretendeu ser mais do que um contributo para o início do esclarecimento das questões em aberto a propósito do modelo de regularização escolhido, no sentido de o optimizar, ponderando as objecções várias de que tem sido alvo.
Entendo que é dever do Provedor de Justiça avançar com todos os contributos que considere válidos para a melhor resolução de processos desta natureza. Parece-me claro decorrer da citada Recomendação que não pretendo, neste momento, questionar a opção legislativa de fundo efectuada pelo Governo. Mas, como aí também se afirmou, o próprio Governo reconhece que importará criar um regime transitório que acautele as situações constituídas, permitindo conciliar os objectivos prosseguidos pela reforma legislativa em causa com os interesses legítimos dos profissionais actualmente em funções. Aliás, a ponderação de várias questões que, como se referiu, desde o início se revelaram controversas, a discussão pública de que foi objecto o Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro, bem como o teor dos Despachos de Vossa Excelência desde então publicados, são, sem margem para dúvidas, elementos a ter em linha de conta na Recomendação que me parece dever dirigir de novo a Vossa Excelência, sem prejuízo da aguardada resposta quanto ao teor da Recomendação anteriormente formulada, n.º 75/A/97, datada de 4 de Dezembro de 1997.
Neste contexto, urge discutir uma das questões que maior debate têm gerado no âmbito do problema global aludido na minha Recomendação n.º 75/A/97 – independentemente de vir ainda a pronunciar-me sobre os restantes temas, também aí enunciados -, a saber: a apreciação dos direitos adquiridos pelos profissionais que, à data da publicação do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro, não reuniam as condições legais para se inscreverem na Associação, designadamente por :
a) Não se encontrarem inscritos na DGCI;
b)Não possuírem as habilitações mínimas (curso secundário completo ou 12º ano de escolaridade); ou,
c)Não fazerem prova de experiência mínima de três anos em serviço de contabilidade.
II-Breve referência aos trabalhos que precederam à publicação do DL 265/95, de 17 de Outubro
No âmbito, quer do Projecto de Lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, quer do diploma que chegou a ser aprovado, em 18 de Julho de 1995 (publicado no Boletim do Contribuinte, suplemento ao n.º 17, 1ª Quinzena de Setembro de 1995), os quais previam, quanto a esta matéria, um regime menos restritivo do que aquele que efectivamente acabou por ser consagrado pelo Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro, criavam-se condições para que os profissionais que não estivessem inscritos na Direcção Geral das Contribuições e Impostos nem possuíssem as habilitações exigidas nos artigos 9º e 10º do Estatuto, pudessem, apesar de tudo, vir ainda a inscrever-se como Técnicos Oficiais de Contas, desde que, com pequenas alterações entre os documentos referidos, reunissem os seguintes requisitos:
a)Possuíssem, pelo menos, habilitações iguais ou equivalentes ao 9º ano de escolaridade;
b)Cumprissem os demais requisitos estabelecidos no n.º 1 do art. 8º do Estatuto.
c) Obtivessem aprovação em exame adequado.
Aos profissionais inscritos na então Direcção-Geral das Contribuições e Impostos bastaria requerer a inscrição, que esta se encontraria automaticamente garantida. O Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro, por seu turno, reservou igual tratamento para os técnicos inscritos na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, aos quais basta requerer a sua inclusão na Lista dos Técnicos Oficiais de Contas (art. 6º, n.º 1, do Decreto-Lei). A situação dos profissionais não inscritos, porém, não vem agora contemplada com qualquer especificidade, pelo que não poderão inscrever-se na Associação sem respeitarem as condições gerais de inscrição fixadas no Estatuto.
III-Colocação do Problema
Da descrição das fases por que passou, até à publicação, a aprovação do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas resulta já justificada, em parte, a presente Recomendação. Como acima se fez referência, as questões que maior polémica têm levantado situam-se ao nível da inexistência de um regime transitório que garanta minimamente os direitos dos profissionais que não se encontram inscritos na DGCI e não possuem as habilitações académicas (12º de escolaridade) nem a experiência mínima de três anos, exigidas pelos art.ºs 9º, d), e 10º, n.º 2 do Estatuto, não reunindo, por conseguinte, à data da publicação do mesmo as condições legais necessárias para se inscreverem na Associação.
No que concerne às habilitações mínimas requeridas, o problema assume particular gravidade, porquanto a ausência na lei de um regime transitório que salvaguarde, no âmbito da nova realidade, aqueles profissionais que desempenham a actividade contabilístico-fiscal, muito embora não sejam formalmente Técnicos Oficiais de Contas nem como tal se encontrem inscritos na DGCI, e que possuem um “currículum” feito ao longo de muitos anos e habilitações literárias que na época eram consideradas ideais ou suficientes para o exercício da função, impede centenas de técnicos, subitamente, de exercerem a sua profissão. Dispunha a Portaria n.º 420/76, de 14 de Julho, na sua versão original, que se poderiam inscrever na DGCI como Técnicos de Contas as pessoas singulares com as habilitações previstas nos n.ºs. 2 e 3 da citada Portaria (licenciaturas, bacharelatos, cursos complementares de Contabilidade e Administração das Escolas do Ensino Secundário) e, ainda, aqueles profissionais que, não possuindo as habilitações indicadas nos n.ºs 2 e 3, satisfizessem, designadamente, as condições de serem, à data da Portaria, responsáveis de facto pela escrita de contribuinte tributado pelo Grupo A da Contribuição Industrial, ou responsáveis pela escrita regularmente organizada de contribuinte tributado pelo Grupo B, prevendo-se a sua inclusão no Grupo A.
Ou seja, verificadas as condições referidas, não se exigiam as habilitações dos n.ºs 2 e 3 nem quaisquer habilitações literárias. Mesmo anteriormente, e até 89, era dispensável a intervenção na escrita de um Técnico de Contas inscrito na DGCI, bastando a intervenção do responsável pela Contabilidade, ao qual não era exigida qualquer habilitação literária específica, como é do conhecimento de Vossa Excelência. Profissionais a quem não eram exigidas quaisquer habilitações e outros que possuíam as suficientes para se inscreverem na DGCI e que, por razões várias, nomeadamente pelo facto de a lei não exigir essa inscrição para o exercício da actividade contabilístico-fiscal, não o fizeram, encontram-se agora impedidos de exercer a sua actividade. Não posso compreender que se inscrevam automaticamente os profissionais inscritos na DGCI, independentemente das habilitações literárias e até do exercício efectivo da actividade, sem que a sua capacidade técnica tenha sido alguma vez formalmente testada, vedando-se a inscrição àqueles que exercem a actividade sem que o seu profissionalismo alguma vez tenha sido posto em causa, designadamente pela Administração Fiscal, perante a qual se responsabilizaram assinando documentos exigidos em sede do IVA, IRS ou IRC. Se até 1989, independentemente de possuírem ou não contabilidade organizada, só aos contribuintes do Grupo A era exigido que as suas contas fossem assinadas por um Técnico de Contas inscrito na DGCI, sendo certo que aos contribuintes do Grupo B, mesmo sujeitos a contabilidade organizada, essa exigência não era feita, podendo os responsáveis pela escrita destes beneficiar ainda de um amplo mercado relativamente aos outros grupos a quem não era exigida contabilidade organizada, não parece aceitável a distinção de tratamento agora introduzida entre os Técnicos de Contas anteriormente inscritos na DGCI e os profissionais que passaram a ter os mesmos deveres e direitos a partir de 1989 mesmo sem essa inscrição.
Recorda-se que, com a revogação do Código da Contribuição Industrial e o desaparecimento dos Grupos A, B e C, deixou de ser obrigatório para qualquer regime tributário (IRC ou IRS) Técnico de Contas inscrito na DGCI, pelo que a não inscrição não resulta de qualquer falta de habilitações ou requisitos mas, pura e simplesmente, da sua inutilidade. Julgo assim que se justifica a criação de um regime provisório, sendo a aprovação em exame adequado condição suficiente para a inscrição como Técnico Oficial de Contas. Em 15.7.97, é publicado no Diário da República, n.º 161, II Série, o Despacho de Vossa Excelência n.º 3961/97, determinando a constituição de um grupo de trabalho com representantes da Comissão Instaladora e da Comissão de Inscrição da ATOC e da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, para análise das situações de candidatos a Técnicos Oficiais de Contas que não possuíssem requisitos para tal, situações que pudessem ser considerados de injustiça flagrante por omissões da própria lei, bem como para a definição dos termos e condições especiais em que a inscrição destes candidatos poderia ser admitida. Foi ainda suspensa, por determinação de Vossa Excelência, a eficácia do Despacho 155/97 XIII, de 25.3.97. Apesar das intenções manifestadas através do referido Despacho, é certamente do conhecimento de Vossa Excelência que nenhuma inventariação de casos individuais foi realizada, de molde a encontrar-se para os mesmos, por razões de equidade, uma resolução específica e excepcional. Tão pouco se atenderam situações de injustiça flagrante por omissões de própria lei. E conforme tive já oportunidade de assinalar na minha Recomendação n.º 75/A/97, o regime de excepção constante do Despacho n.º 8470/97, de 1 de Outubro, deixa ainda por tutelar situações de exercício da profissão que julgo deverem ser tratadas excepcionalmente, à luz dos parâmetros acabados de enunciar.
IV-Apreciação da Questão
Conclusões
Como Vossa Excelência certamente concorda, haverá que mitigar a operação de aplicação da lei, sobretudo em casos como o presente, em que se verifica uma alteração substancial e brusca do regime legal, com a aplicação de regras de justiça, equidade e boa fé. Precisamente porque nem sempre através de uma aplicação rigorosa da lei se obtém a solução mais justa, atribui a alínea a) do n.º 1 do art.º 20º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, ao Provedor de Justiça competência para: “Dirigir recomendações aos órgãos competentes com vista à correcção de actos ilegais ou injustos dos poderes públicos…” Como julgo ter ficado demonstrado, as soluções legislativas encontradas não consagram um regime justo nem tão pouco adequado a tutelar as situações descritas. Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 20º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, compete ainda ao Provedor de Justiça: “Assinalar as deficiências de legislação que verificar, emitindo recomendações para a sua interpretação, alteração ou revogação, ou sugestões para a elaboração de nova legislação (…)”. É o que me parece que se justifica no caso presente.
Assim,RECOMENDO:
a) Que se crie um regime transitório no âmbito do Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro, que aprova o Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, com vista a salvaguardar minimamente a situação dos profissionais que não se encontram inscritos na DGCI pelos motivos acima apontados;
b) Que esse regime transitório passe pela introdução de um preceito no Decreto-Lei que aprova o Estatuto, à semelhança daquele que constava do diploma aprovado em 13 de Julho de 1995 (art. 6º, n.º 1), e que acabou por ser retirado do texto final, cuja redacção me limito a sugerir, no âmbito das minhas competências:
“1.Os profissionais que não estejam inscritos na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, nem possuam as habilitações exigidas nos artigos 9º e 10º do Estatuto, mas que sejam, à data da publicação deste Estatuto, responsáveis de facto ou de direito pela execução da contabilidade de entidades abrangidas pelo n.º 1, do art.º 2º, podem vir a inscrever-se como Técnicos Oficiais de Contas no prazo de cento e oitenta dias a contar da data (da publicação da alteração legislativa que ora se propõe, para as situações pendentes), desde que comuniquem à Associação esse efectivo desempenho, confirmando-o por declarações das entidades a quem prestem serviços, e por declaração emitida pelo Centro Regional de Segurança Social confirmando as contribuições efectuadas nos últimos doze meses anteriores à publicação do presente diploma.
2. Os candidatos referidos no número anterior devem:
a) Satisfazer as condições de inscrição previstas nas alíneas a) a d), do n.º 1, e do n.º 2, do art. 8º, do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro.
b) Obter aprovação em exame que reúna condições adequadas de isenção, transparência e recurso.”
Como Vossa Excelência certamente compreenderá, o não acatamento desta minha Recomendação é susceptível de gerar graves prejuízos para a actividade profissional de centenas de técnicos nas circunstâncias aludidas, para os quais esta representa o único ou o principal meio de subsistência.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel