Presidente da Câmara Municipal de Pedrógão Grande
Número:82/A/97
Processo:R-634/97
Data:22.12.1997
Área :A1

Assunto:EXPROPRIAÇÃO E REQUISIÇÃO DE BENS – OBRAS PÚBLICAS – ESTRADA MUNICIPAL – PROPRIEDADE PRIVADA – EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA – CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (DECRETO-LEI N.º 438/91, DE 9 DE NOVEMBRO)

Sequência: Não acatada

I-Exposição de Motivos

Dos Factos

1. A Senhora…, proprietária da Quinta da Torre das Donas, apresentou ao Provedor de Justiça uma queixa na qual alegava que a Câmara Municipal de Pedrógão Grande construíra uma estrada municipal num terreno de que é proprietária, sem que para o efeito tivesse sido contactada para a aquisição do terreno, ou notificada de qualquer procedimento expropriatório.

2. Referia a Reclamante que, além da apropriação de parte do terreno, os serviços municipais demoliram parte de um paredão em pedra e derrubaram videiras, castanheiros e pinheiros.

3. Inquirida a Câmara Municipal de Pedrógão Grande, foi recebido em resposta o ofício n.º … que se limitava a remeter para um ofício enviado à Inspecção-Geral da Administração do Território sobre o assunto, o qual nada adiantava de substantivo quanto ao fundo da questão.

4. Novamente inquirida a Câmara Municipal, foi confirmada, através do ofício n.º …, a apropriação de parte do terreno da Reclamante para a construção da estrada, e foi referido que dessa construção resultara a valorização patrimonial dos prédios rústicos na zona existentes, que viram a sua acessibilidade aumentada.

Da Violação do Direito de Propriedade Privada

5. O art. 62º, n.º 1, da Constituição, consagra o direito de propriedade privada, o qual compreende, no seu conteúdo, segundo J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, quatro componentes principais: “(a) o direito de adquirir bens; (b) o direito de usar e fruir dos bens de que se é proprietário; (c) o direito de os transmitir; (d) o direito de não ser privado deles” (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 332).

6. O direito de não ser privado dos bens dos quais se seja proprietário não pode ser entendido, naturalmente, em termos absolutos, mas há-de compreender, segundo os autores acima citados, o direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade e de ser indemnizado em caso de desapropriação (cfr. Constituição cit., pp. 333-334). Com efeito, em todas as hipóteses de desapropriação previstas ou admitidas pela Constituição, avulta a necessidade de um procedimento previamente definido por lei, acompanhado do pagamento de uma indemnização.

7. Assumindo o direito de propriedade natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, pelo menos naquela parte do seu conteúdo que reveste a natureza de liberdade ou direito de defesa perante o Estado (cfr., por todos, JORGE MIRANDA, Direito Constitucional, IV, 2ª ed., Coimbra, 1993, pp. 143 e 466), goza do respectivo regime constitucional específico, em toda a sua extensão, conforme se depreende do art. 17º da Constituição.

8. Como aspectos essenciais deste regime, há a salientar, no que ao caso vertente importa, a vinculação das entidades públicas (art. 18º, n.º 1, da Constituição) e a responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrém (art. 22º da Constituição).

9. Concretizando a disposição constitucional que salvaguarda a propriedade privada, no art. 1305º do Código Civil dispõe-se que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem (desde que dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas).

10. No Código Civil dispõe-se ainda no art. 1308º, que ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade, se não nos casos previstos na lei, estabelecendo quer a possibilidade de o proprietário exigir judicialmente de qualquer detentor ou possuidor da coisa o reconhecimento do seu direito e a consequente restituição do que lhe pertence, como ainda admite a sua defesa por acção directa (cfr. arts. 1311º e ss. do Código Civil).

11. Assim, deve concluir-se que, se a Administração Pública pode apropriar-se de bens que são propriedade de particulares, quando deles necessite para a prossecução das atribuições que lhe estão cometidas, terá sempre que cumprir com as garantias previstas na Constituição: aquela apropriação terá que se realizar no âmbito de um procedimento pré?definido por lei, que garanta o respeito pelos direitos dos particulares envolvidos (maxime, o direito à indemnização).

12. A transmissão da propriedade de bens dos particulares para a Administração pode fazer-se com recurso a um de dois meios: ou a Administração se socorre dos meios de direito privado (compra e venda, doação) ou recorre à expropriação por utilidade pública.

13. Nos termos do art. 2º, n.º 1, do Código das Expropriações, a expropriação só pode ter lugar após esgotada a possibilidade de aquisição por via do direito privado, salvo nos casos em que seja reconhecido carácter de urgência à expropriação (caso em que o respectivo processo terá as vicissitudes que constam do art. 13º do Código), ou quando se verifiquem as situações previstas no art. 39º, n.º 2 do mesmo Código – calamidade pública, exigências de segurança interna e de defesa nacional. Para comprovação da exaustão das possibilidades de aquisição por via do direito privado, o Código das Expropriações exige mesmo que o requerimento para a declaração da utilidade pública dirigido ao Ministro competente seja acompanhado de documento onde sejam indicadas as razões da falta de sucesso da tentativa de aquisição (art. 12º, n.º 2, al. g)).

14. No caso vertente, a Câmara Municipal de Pedrógão Grande não recorreu a qualquer dos procedimentos acima referidos, limitando-se a ocupar, sem mais, os terrenos da Reclamante, aí construindo a estrada municipal em causa.

15. A alegada valorização dos terrenos da Reclamante, devido ao aumento da sua acessibilidade propiciada pela construção da estrada, em nada contende com o que atrás ficou exposto.

16. Ainda que essa valorização se tenha verificado, não poderá daí retirar a Câmara Municipal de Pedrogão Grande qualquer consequência no que respeita ao procedimento de apropriação e, sobretudo ao direito da proprietária a uma justa indemnização.

17. A Constituição e o Código das Expropriações não deixam dúvidas a este respeito, como vimos atrás, ao estabelecerem um procedimento pré-definido para proceder à transferência da titularidade dos bens dos particulares, incluindo o cálculo da indemnização devida.

18. Pretender fazer substituir a indemnização devida pela valorização do prédio, consubstanciaria, além do mais, uma injusta repartição dos encargos públicos, ao sobrecarregar a Reclamante relativamente aos proprietários de outros prédios situados na zona e que não foram atravessados pela estrada municipal: embora a acessibilidade e, consequentemente, o valor desses prédios também tenha aumentado com a construção da estrada, da mesma não resultou qualquer diminuição da sua área, ao contrário do que sucedeu com o prédio da Reclamante.

19. Não pode, pois, deixar de considerar-se que a Câmara Municipal de Pedrógão Grande se apropriou, sem título, de uma parcela de terreno propriedade da Reclamante, situação contrária ao direito e que urge reparar, pois a prossecução do interesse público terá sempre de fazer-se no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (art. 266º, n.º 1, da Constituição).
De acordo com o exposto,RECOMENDO

1. Que a Câmara Municipal de Pedrógão Grande adquira à Reclamante a parcela de terreno ocupada pela construção da estrada municipal, através da celebração, por escritura pública, de contrato de compra e venda, tendo em vista o valor do terreno, do muro, das árvores e das culturas aí existentes aquando da execução da obra;
2. Caso não seja possível chegar a acordo com a Reclamante quanto à aquisição do terreno ocupado, que a Câmara Municipal de Pedrógão Grande exproprie aquela parcela, nos termos definidos no Código das Expropriações.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel