Presidente da Câmara Municipal da Horta
Número:81/A/97
Processo:R-2146/97
Data:22.12.1997
Área: Açores

Assunto:URBANISMO – OBRAS PARTICULARES – INEXISTÊNCIA DE LICENCIAMENTO – CONTRA-ORDENAÇÃO.

Sequência: Acatada

I-Exposição de Motivos

A Reclamação

1. Na sequência de uma reclamação dirigida ao Provedor de Justiça, relativa a obras particulares realizadas no edifício sito no n.º … da Rua ……, na Horta, foi aberto processo neste Órgão do Estado (Extensão da Região Autónoma dos Açores).

2. Nos termos da queixa, não obstante encontrar-se afixado o aviso de que a obra não se encontrava licenciada, os trabalhos estavam, em Maio de 1997, praticamente concluídos.

3. A Câmara Municipal da Horta tem conhecimento, pelo menos desde Abril p.p., da realização daqueles trabalhos de construção civil, uma vez que o Senhor J… comunicou a V.Exa. aqueles factos (cfr. ofício de …).

4. Em resposta, V.Exa. informou o queixoso “que (dera) entrada (na) Câmara o respectivo projecto de arquitectura” (cfr. ofício n.º …).

5. Em 27/05/97, através do ofício n.º …, a Direcção Regional dos Assuntos Culturais esclarecia que “o referido projecto não foi aprovado por estes serviços, devendo o mesmo ser reformulado e a obra em execução ser alterada, conforme (fora comunicado) à Câmara Municipal da Horta, através do (…) ofício n.º …”.

6. No âmbito da instrução do processo na Provedoria de Justiça, foram pedidos esclarecimentos à Câmara Municipal da Horta relativamente:
-às características da obra em curso no edifício sito no n.º … da Rua de …, na Horta;
-ao pedido de licenciamento camarário e emissão do respectivo alvará;
-à data de início dos trabalhos;
-aos procedimentos tomados em ordem à reposição da legalidade urbanística;
-ao parecer da Direcção Regional dos Assuntos Culturais;
-aos imóveis classificados existentes na área, bem como das respectivas áreas de protecção.

7. Em …, V.Exa. prestou as seguintes informações com relevância para a presente instrução:
-a obra reclamada consistia na ampliação e remodelação de edifício habitacional sito no n.º … da Rua de …, na Horta;
-a obra foi licenciada em 26/09/97;
-o edifício em questão situa-se na zona de protecção do edifício do Colégio dos Jesuítas.

8. Face a estes esclarecimentos, mais uma vez se questionou a Câmara Municipal da Horta, em especial sobre a instauração de procedimento contra-ordenacional, em virtude da obra ter sido iniciada sem o necessário licenciamento.

9. A resposta de V.Exa., constante do ofício n.º … (“- Não foi instaurado processo de contra-ordenação; – Tem sido opção desta Câmara intervir junto dos munícipes mais a nível pedagógico, colaborando na legalização das situações e aconselhando quanto ao respeito pelas normas gerais de construção”) motivou a formulação da presente Recomendação.

O Direito

10. O Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, que aprovou o Regime Jurídico do Licenciamento das Obras Particulares e cuja redacção actual foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, define que carecem de licenciamento municipal todas as obras de construção civil, designadamente a construção e a reconstrução de novos edifícios, a ampliação, alteração, reparação ou demolição de edificações (cfr. arts. 1º, n.º 1 e 3º, n.º 1, alínea a), do diploma referido).

11. Da mesma forma, o Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951, que aprovou o Regulamento Geral das Edificações Urbanas, impõe a prévia licença camarária daquelas obras de construção civil (cfr. art. 2º).

12. Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 54º do Decreto-Lei n.º 445/91, constitui contra-ordenação a execução das obras mencionadas sem alvará de licença de construção (alínea a)) ou em desacordo com o projecto aprovado (alínea b)).

13. Acresce que as contra-ordenações em causa são puníveis com coimas graduadas de 100.000$00 até 20.000.000$00 (ou 50.000.000$00, no caso das obras serem promovidas por pessoa colectiva), nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do art. 54º do Regime Jurídico do Licenciamento das Obras Particulares, e graduadas de 50.000$00 até 20.000.000$00 (ou 50.000.000$00, para as pessoas colectivas), se no âmbito da previsão da alínea b) da mesma norma.

14. Nos termos do disposto no art. 57º do Regime do Licenciamento das Obras Particulares e no art. 165º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, a competência para decretar o embargo das obras executadas sem licença camarária ou em desconformidade com os seus termos pertence ao Presidente da Câmara.

15. O art. 58º do Decreto-Lei n.º 445/91 e o art. 165º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, prevêem, igualmente, a faculdade de ser ordenada a demolição das obras executadas ilegalmente.

16. Nos termos do disposto no art. 59º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, constitui crime de desobediência “o desrespeito dos actos administrativos que determinem o embargo, a demolição, a reposição do terreno na situação anterior à infracção ou a entrega do alvará de licença de construção”.

17. A posição da Câmara Municipal da Horta, expressa no ofício n.º …, integra uma situação de renúncia de competência.

18. Com efeito, o art. 51º do Regime Jurídico do Licenciamento das Obras Particulares determina que compete à câmara municipal, com a colaboração das autoridades administrativas e policiais, a fiscalização do cumprimento das suas disposições; da mesma forma, o art. 2º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas dispõe que incumbe às câmaras municipais a fiscalização do cumprimento da sua disciplina jurídica.

19. A competência para instaurar procedimentos contra-ordenacionais é, nos termos do disposto no n.º 10 do art. 55º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro e no art. 161º do Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951, da Câmara Municipal.

20. Ao não determinar a instauração de procedimento contra-ordenacional, a Câmara Municipal da Horta recusa o exercício da sua competência própria de fiscalização do Regime Jurídico do Licenciamento das Obras Particulares.

21. Nos termos do disposto no art. 29º do Código do Procedimento Administrativo, a competência é irrenunciável e inalienável, sendo nulo todo o acto que tenha por objecto a renúncia ao exercício da competência legalmente conferida.

22. Devo, acrescidamente, chamar a atenção de V.Exa. para a disciplina contida na Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, relativa aos crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos cometidos no exercício das suas funções.

23. Nos termos do disposto no art. 12º, epigrafado “denegação de justiça”, “o titular do cargo político que no exercício das suas funções se negar a administrar a justiça ou a aplicar o direito que, nos termos da sua competência, lhe cabem e lhe foram requeridos será punido com prisão até dezoito meses e multa até 50 dias”.

24. Permito-me, ainda, manifestar a minha estranheza pelo facto da circunstância da obra em causa decorrer em zona de protecção de edifício classificado não ter levado a Câmara Municipal da Horta a ponderar, senão o embargo dos trabalhos, pelo menos a instauração de procedimento contra-ordenacional

25. Porquanto, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 17º “ex vi” alínea a) do art. 27º, ambos do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (que disciplina o ilícito de mera ordenação social), com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro e pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Dezembro, o procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição quando hajam decorrido dois anos, desde o momento em que o agente actuou (V. art. 5.º) e uma vez que a obra apenas foi licenciada em 26/09/97, a Câmara Municipal está em tempo para instaurar processo contra-ordenacional.

Pelas razões expostas,RECOMENDO:

Que a Câmara Municipal da Horta instaure processo contra-ordenacional, em virtude da realização de trabalhos de remodelação e ampliação do edifício sito no n.º … da Rua …, na Horta, antes do necessário licenciamento municipal.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel