Secretário de Estado da Administração Educativa
Número:33/A/97
Processo:R-2530/94
Data:29.04.1997
Área: A2

Assunto:RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL – DÍVIDA A PARTICULAR – DEMORA NO PAGAMENTO – JUROS DE MORA.

Sequência:Não Acatada.

I-Dos Factos

O Senhor… solicitou a intervenção do Provedor de Justiça, alegando para tanto que:

a) Em 1993, e depois de instado pelo reclamante, constatou o Ministério da Educação que a situação profissional remuneratória daquele deveria ser corrigida, visto que os montantes que lhe vinham sendo abonados eram inferiores aos devidos, facto imputável a erro dos serviços do Ministério.
b) Nesta conformidade, em Setembro de 1993, foi efectuado o pagamento ao reclamante da quantia de 1.697.943$00, correspondente às diferenças salariais devidas e não pagas e relativas a:
– índice 112, de 1 de Setembro de 1990 a 31 de Dezembro de 1990.
– índice 122, de 1 de Janeiro de 1991 a 31 de Dezembro de 1991.
– índice 130, desde 1 de Janeiro de 1992.
c) Não se deu o reclamante por satisfeito com o pagamento da quantia em singelo, atendendo ao tempo entretanto decorrido e à circunstância de a inexacta execução do contrato se dever a facto que não lhe era imputável.
d) Interpelado o Ministério da Educação a pronunciar-se quanto ao ressarcimento dos prejuízos emergentes da mora (através do pagamento de juros sobre aquelas quantias), tem vindo a negar a existência dessa obrigação.
e) Em ofício de 18 de Julho p.p. (n.º 4252), assinado pela Exma. Chefe de Gabinete de Vossa Excelência, invocava-se a necessidade de o assunto ser “analisado numa perspectiva mais lata, atravessando horizontalmente toda a Administração Pública, atendendo, fundamentalmente, ao facto de a Direcção-Geral da Contabilidade Pública possuir entendimento diverso do preconizado pela Provedoria de Justiça”.

II-Dos Fundamentos

Considero que reconduzindo-se a situação em apreço a um caso de mora no cumprimento de responsabilidade civil contratual, torna-se imperioso atentar no disposto no art. 804º, no art. 805º, n.º 2, al. a), e n.º 3, 1ª parte, e no art. 806º n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil. Destes normativos resulta pressupor a mora a existência de um simples retardamento na prestação (cujo cumprimento se mantém, no entanto, possível), por culpa do devedor. Para que a mora se verifique torna-se ainda necessário que a prestação seja certa (determinada), líquida, (por já estar perfeitamente apurado/fixado o seu montante) e exigível (e.g. por já ter sido o devedor interpelado para o cumprimento). A responsabilidade do devedor pelos danos causados pela mora só fica excluída se este provar que a mesma não lhe é imputável – emergente de causa estranha à sua vontade (caso de força maior), culpa do terceiro ou do próprio credor -, assistindo-se, portanto, a uma presunção, ilidível, de culpa do devedor. O credor terá, assim, direito à prestação devida, acrescida da indemnização moratória que, regra geral, coincidirá com o montante de juros, à taxa legal, contados do momento da constituição em mora e até efectivo e integral pagamento. E não se diga que por mero efeito do disposto no n.º 1 do art. 2º do Decreto-Lei n.º 49 168, de 5 de Agosto de 1969, estão o Estado, seus serviços, estabelecimentos e organismos sempre isentos do pagamento de juros de mora. Efectivamente, urge interpretar tal norma juntamente com a do n.º 1 do art. 1º do mesmo diploma legal, tendo em conta os propósitos que o legislador visou alcançar com a sua publicação. E, feito tal exercício, necessário será concluir que o que se pretendeu com o diploma ora em apreço foi substituir o regime do art. 139º do Decreto-Lei n.º 16 731, de 13 de Abril de 1929, que se reportava apenas aos juros nas dívidas ao Estado e aos corpos administrativos. Nesta conformidade, e surgindo o preceito legal ora em apreço logo após aquele que respeita à incidência, e sem especificar a que dívidas se reporta tal isenção, impõe-se concluir que as isenções ali previstas têm como único objecto os juros de mora relativos às dívidas previstas no artigo precedente e quando sejam credoras as entidades ali enunciadas (Estado, seus serviços ou organismos autónomos e autarquias locais) – neste sentido, vide Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 27/84, de 10 de Maio de 1984. Aliás, a interpretar-se o preceito legal em análise no sentido da total isenção, por parte do Estado e demais entidades públicas, do pagamento de juros de mora, estar-se-ia a contrariar a norma contida no art. 22º da Constituição da República Portuguesa, por tal redundar na sua desresponsabilização pela prática de ilícito extra?contratual. Reportando-me aos factos do caso em apreço, resulta claro que desde o momento em que as prestações devidas se foram vencendo (de 1 de Setembro de 1990 a 31 de Dezembro de 1990 – índice 112; de 1 de Janeiro de 1991 a 31 de Dezembro de 1991 – índice 122; desde 1 de Janeiro de 1992 – índice 130) ficaram reunidos todos os requisitos constitutivos da mora. De facto, naquelas datas a obrigação assumia-se como certa, exigível e líquida, sendo o retardamento da prestação imputável ao devedor, já que, e se é certo que o Ministério da Educação nunca invocou factos susceptíveis de ilidir a presunção legal de o incumprimento lhe ser imputável, não poderá, de igual modo, invocar a atitude culposa dos seus serviços como causa justificativa do incumprimento, já que a tal facto é o credor totalmente alheio. Acresce que, na resposta a uma Recomendação onde se defendia a doutrina aqui expressa, e que se junta, fui informado por Sua Excelência a Secretária de Estado do Orçamento de que o Ministério das Finanças vem seguindo esta orientação, conforme documento que também se anexa, o que parece contrariar o argumento expresso no supra citado ofício n.º 4252, 18 de Julho p.p..

III-Conclusões

São estas motivações, Senhor Secretário de Estado da Administração Educativa, e atendendo a que é exigível ao Estado o uso de toda a diligência e de todos os recursos ao seu alcance por forma a apressar o pagamento das quantias de que é devedor que

RECOMENDO:

Nos termos gerais de Direito, e de acordo com a orientação aceite pelo Ministério das Finanças, seja assumida a responsabilidade pelos danos decorrentes da mora no cumprimento da obrigação que contratualmente assumiu com o reclamante, efectuando o pagamento ao Senhor… dos juros, à taxa legal, a contar desde o vencimento das obrigações e até ao momento em que foi efectuado o pagamento das quantias em dívida.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel