Secretário de Estado da Administração Educativa
Rec. nº 28/A/97
Processo: 4330/96
Data: 25.03.1997
Área: A4
Assunto: FUNÇÃO PÚBLICA – CONTRATO A TERMO CERTO – CADUCIDADE – REPOSIÇÃO DE QUANTIA – REVOGAÇÃO DE DESPACHO – DIREITO A COMPENSAÇÃO
1. A Sra…, auxiliar de acção educativa do quadro de vinculação distrital de Castelo Branco, apresentou queixa nesta Provedoria de Justiça contra o despacho exarado por Vossa Excelência, em … de 1996, na Informação … /96, da mesma data, que lhe negou provimento ao recurso hierárquico interposto do despacho do Presidente do Conselho Directivo da Escola Secundária Faria de Vasconcelos, de … de 1995.
2. Este último despacho ordenou a reposição pela queixosa da quantia de 148.887$00 que teria recebido indevidamente em Novembro de 1994, como compensação pela caducidade (do contrato a termo certo para desempenhar as funções de escriturária) operada em … de 1994.
3. Do exame da pertinente documentação, constata-se o seguinte:
a) a queixosa foi contratada a termo certo para exercer as funções de escriturária na Escola Secundária Faria de Vasconcelos, de Castelo Branco, ao abrigo do art.º 9.º do Dec-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho e do Dec-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, tendo permanecido nessa situação, desde … de 1989 até … de 1994, data em que caducou o contrato por iniciativa do Ministério da Educação;
b) em resultado de tal caducidade e ao fim de quase cinco anos na situação de contratada a prazo certo, aquela Escola abonou à queixosa, em Novembro de 1994, uma compensação de 148.887$00, nos termos do que estipula o n.º.3 do artigo 46.º do citado Decreto-Lei n.º 64-A/89;
c) entretanto e precedendo concurso externo, a queixosa foi nomeada, em … de 1994, ajudante de cozinha do quadro distrital de vinculação de Castelo Branco;
d) em … de 1995, a queixosa viu-se confrontada com um ofício do referido estabelecimento de ensino. a ordenar-lhe a reposição da compensação que havia sido atribuída por caducidade do contrato de trabalho a termo certo, a pretexto de que tal abono era indevido;
e) inconformada com tal decisão do Presidente do Conselho Directivo daquela Escola, dela recorreu hierarquicamente para o Senhor Ministro da Educação, em … de 1995, alegando, em resumo, a inexistência de fundamento legal para a reposição dos 148.887$00.
f) considera a queixosa que esta quantia fora paga como compensação pelo termo do contrato a prazo (n.º.3 do artigo 46.º do Dec-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro) e que em nada releva a circunstância de ter sido nomeada, em … de 1994, auxiliar de cozinha do quadro de vinculação distrital de Castelo Branco, por se tratar de regimes completamente distintos e não ser aplicável ao caso o artigo 54.º daquele diploma legal;
g) por despacho de … de 1996, V.ª Ex.ª concordou com a da Informação … /96, da mesma data, na qual se defende o seguinte entendimento:
– a integração da recorrente no quadro distrital de vinculação de pessoal não docente, em … de 1994, na sequência de concurso externo, “inviabilizou a produção dos efeitos da compensação, ficando o vínculo anterior (contrato a termo certo) subsumido na nova nomeação”;
– não assiste à recorrente qualquer razão, “tendo em conta a conjugação do disposto no n.º 3 do artigo 46.º e do n.º 1 do artigo 54.º ambos do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro”;
– “a nomeação para um lugar do quadro tornou inútil a produção dos efeitos que através destas normas se pretendia obter”;
– a quantia recebida indevidamente deverá, por isso, ser reposta nos cofres do Estado.
4. Porque os argumentos invocados na informação que serviu de base ao despacho que negou provimento ao recurso da queixosa se revelaram manifestamente improcedentes, foi submetida à consideração de Vossa Excelência, a coberto do ofício n.º … , de … .96, desta Provedoria de Justiça endereçado ao Chefe de Gabinete de Vossa Excelência, a possibilidade de revogação daquele despacho, nos termos do disposto no artigo 141.º do Código do Procedimento Administrativo, com o reconhecimento à queixosa do direito à compensação de 148.887$00 devida pela caducidade do contrato a termo certo que outorgara com o Ministério da Educação em Novembro de 1989.
5. Respondendo ao mencionado ofício desta Provedoria de Justiça, o Gabinete de Vossa Excelência veio, através do ofício n.º … , de … de 1996, informar que, em todos os casos de caducidade do contrato a termo seguida de provimento em lugar de quadro, foi adoptado o critério de não atribuir a compensação destinada a ressarcir o trabalhador pela quebra do seu vinculo laboral, uma vez que cessou a precaridade do vinculo que o ligava ao Ministério da Educação.
Em defesa de tal posição o documento em questão limitou-se a reeditar, basicamente, os argumentos constantes da Informação … /96, de … .
Acrescentou, porém, que, a ser abonada à queixosa, a pretendida compensação, verificar-se-ia enriquecimento sem causa e que a Direcção-Geral da Administração Pública emitiu, no ofício n.º … /SAG, parecer no sentido de que a caducidade dos contratos de trabalho a termo certo apenas confere ao trabalhador o direito à falada compensação “desde que após a mesma caducidade não se siga a nomeação (ou contratação) do mesmo trabalhador para qualquer outro cargo na Administração Pública”.
6. Tudo ponderado, importará apreciar da legalidade e da justiça da posição assumida por Vossa Excelência, no caso em apreço e nas demais situações análogas.
7. A queixosa foi contratada a termo certo, na vigência do Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, cujos artigos 7.º, n.º 2, b) e 9.º consentiam tal modalidade transitória de desempenho de funções por pessoal a contratar. O contrato em questão foi outorgado para o exercício, pela queixosa, de funções de “escriturária” de um estabelecimento de ensino e persistiu de … de 1989 até … de 1994.
8. De acordo com o regime legal então vigente e com o que lhe sucedeu aprovado pelo Decreto-Lei 427/89, de 7 de Dezembro (artigos 14º, n.ºs.1, b), e 3, 18º e 20º), a celebração desses contratos só é possível a termo certo, estando vedada a celebração de contratos sem termo na Administração Pública (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Março de 1996, in Colectânea de Jurisprudência, Tomo 1 pag. 264 e segs.).
Porém, apesar de algumas especificidades dos contratos a termo na função pública, o certo é que, em sede de caducidade, rege a lei geral sobre os contratos de trabalho a termo certo, ou seja, o artigo 46º do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, por força do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Dec-lei 184/89 e no n.º 3 do artigo 14º do Dec-lei 427/89.
9. O artigo 46º do Decreto-Lei n.º 64A/89 determina, no seu n.º.3, que, operando-se a caducidade do acordo, o trabalhador terá direito a uma compensação correspondente a dois dias da remuneração de base por mês completo de duração, calculada segundo a fórmula do artigo 22 do Decreto-Lei n.º 69-A/87, de 9 de Fevereiro.
10. Atendendo à excepcionalidade do contrato a prazo, reconduzido a instituto de aplicação limitada a situações enumeradas pelo legislador, e à proibição de indevida utilização do mesmo, face ao princípio constitucional da estabilidade e da segurança no emprego, o Decreto-Lei 64-A/89 consagrou, entre outros, mecanismos como os do n.º 3 do seu artigo 46º, visando desincentivar a contratação a prazo (cf. Breve apontamento sobre o regime jurídico do contrato de trabalho a prazo, de José João Abrantes in Direito do Trabalho, Ensaios, pag 2. 98 e segs. Edições Cosmos).
Existe, pois, neste preceito, a par de uma finalidade compensadora do trabalhador outra de índole desmotivadora da entidade empregadora.
A compensação é sempre atribuída ao trabalhador exactamente como o ressarcimento da situação de instabilidade, ou seja, da transitoriedade e precariedade do vínculo laboral em causa. Essa compensação está a cargo da entidade patronal e terá que ser paga, ainda que o trabalhador (ex-contratado a termo certo) venha a ser provido com estabilidade num cargo ou posto de trabalho ao qual correspondiam funções diferentes.
11. Em preceito algum dos Decretos-Leis 64-A/89, 184/89 e 427/89 se consagra, ainda que de forma implícita, a dispensa da entidade empregadora de pagar ao trabalhador a compensação devida por caducidade do contrato a termo certo, designadamente no caso de o trabalhador vir a beneficiar de uma relação de emprego estável com a Administração ou com qualquer entidade privada.
No caso em apreço, sublinhe-se que a estabilidade se ficou a dever a factores aleatórios ligados à iniciativa, da ora queixosa, por um lado, e aos resultados do concurso, por outro.
Não existe, pois, um “reatamento” da relação de emprego, mas, de acordo com o próprio instituto da caducidade, a cessação de um vinculo precário e a constituição de uma nova e distinta relação de serviço com a Administração (Ministério da Educação). Porque o contrato a termo certo caducou, não poderá sustentar-se a respectiva subsunção no novo acto de nomeação proveniente de um concurso,sendo certo que se está perante figuras jurídicas com regimes e objectivos completamente distintos.
A caducidade desencadeia, “ope legis”, o direito do trabalhador à compensação.
E porque de um direito se trata, não poderá invocar-se, com o mínimo de consistência,o surgimento de um caso de enriquecimento sem causa (Código Civil, artigo 473º). É que se tem por causa bastante do recebimento da compensação o direito reconhecido, por lei, ao trabalhador.
12. Assim sendo, não é possível acompanhar, de qualquer modo, a tese sufragada por Vossa Excelência e apoiada como se veio a apurar pela Direcção-Geral da Administração Pública. Acerca do parecer desta sempre se dirá que não passa de um mero juízo opinativo e não vinculativo (cf. Art.º 98.º do C.P.A.).
Nele se ensaia uma interpretação com base num condicionalismo carente de qualquer suporte legal, ou seja, o de que não existe o direito à compensação quando à caducidade de seguir o estabelecimento de um vinculo estável de emprego com a Administração.
Ora, é, precisamente, neste ponto que aquela Direcção-Geral assumiu uma postura que terá visado apenas a contenção de despesas, que não, com certeza, a defesa da legalidade.
A referida Direcção-Geral esqueceu-se que, em sede interpretativa das leis, há regras. E uma delas consagrada pelo artigo 9º n.º 2 do Código Civil, estabelece que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Ora, face ao texto do artigo 46.º, n.º 3, do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro (ou de qualquer dos preceitos do Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, e do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro) não é possível extrair qualquer interpretação capaz de conduzir à dispensa do pagamento da compensação em caso de caducidade, quando a esta sobrevier uma situação profissional estável.
Saliente-se que a norma do artigo 46º do Decreto-Lei 64-A/89 se dirige à tutela dos interesses duma generalidade de pessoas (trabalhadores contratados a termo ou prazo), não podendo por isso, na falta de disposição que,de forma expressa,indique os casos em que não há lugar à compensação, deixar de ser observada.
13. Convirá referir ainda que o artigo 54º (preferência na admissão) do citado Decreto-Lei confere ao trabalhador, em igualdade de condições, preferência na passagem ao quadro permanente sempre que a entidade empregadora proceda ao recrutamento externo para o exercício, com carácter permanente, de funções idênticas àquelas para que foi contratado (n.º 1); e sujeita a entidade empregadora ao pagamento de uma indemnização correspondente a meio mês de remuneração base se não cumprir aquela norma de preferência(n.º 2)
14. Aquele preceito exige, por um lado, um pressuposto o exercício de funções idênticas – que não se verifica no caso em apreço, porque a queixosa passou de escriturária a auxiliar de cozinha; e, por outro, impõe o pagamento, de uma indemnização que não de uma compensação, à entidade empregadora, se esta violar o direito de preferencia.
15. Distintos são, por conseguinte, os objectivos de ambos os preceitos ( artigos 46º e 54.º), sendo certo que, no caso de caducidade do contrato a termo certo, é sempre devida a compensação pela entidade empregadora; e que no de preferência na admissão para o exercício de funções idênticas e com carácter de permanência, só haverá lugar ao pagamento de indemnização se não for respeitada a preferência pela entidade empregadora.
Tanto basta para que não seja viável a pretendida conjugação do n.º 1 do artigo 46º e do n.º 1 do artigo 54.º, ambos do Decreto-Lei n.º 64-A/89.
16. Pelas razões vindas de expor,RECOMENDO:
A Vossa Excelência, que revogue o despacho exarado em … de 1996, na Informação … /96, da mesma data, concedendo provimento ao recurso hierárquico interposto, pela Sra…, do despacho do Presidente do Conselho Directivo da Escola Secundária Faria de Vasconcelos (Castelo Branco) e reconhecendo à mesma o direito à compensação de 148.887$00, devida pela caducidade do contrato a termo certo.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL