Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira
Número:38/A/97
Processo:R-3301/93
Data:5.05.1997
Área: A1

Assunto:URBANISMO E OBRAS – OBRAS PARTICULARES – LICENCIAMENTO – REGULAMENTO GERAL DAS EDIFICAÇÕES URBANAS.

Sequência:Não Acatada.

1. Na sequência da exposição apresentada pelo Sr… na Procuradoria Geral da República, posteriormente remetida à Provedoria de Justiça, conclui ser a mesma procedente com fundamentos nos argumentos a seguir enunciados.

2. Em 29 de Outubro de 1993, o reclamante ao circular na EN n.º 326, ao Km 8.9, concelho de Santa Maria da Feira, colidiu com o seu veículo num obstáculo colocado sobre uma caixa de saneamento, donde resultaram danos materiais.

3. Alega o condutor que a colisão em causa se deveu à ausência de indicação das obras em curso e concomitantemente, à deficiente iluminação de carácter permanente do local.

4. As obras efectuadas nas vias públicas correlacionavam-se com o assentamento da rede de abastecimento de água, adjudicada pelos Serviços Municipalizados de Santa Maria da Feira à empresa Fundágua – Sondagens e Prospecção Geológica, Lda.

5. Os Serviços Municipalizados integram a orgânica funcional da autarquia, com autonomia administrativa e financeira, mas sem personalidade jurídica.

6. As vias públicas devem ser convenientemente sinalizadas nos pontos em que o trânsito esteja vedado ou sujeito a restrições e onde existam obstáculos que imponham aos condutores precauções especiais, conforme preceitua o n.º 1 do art.º 5.º do Código da Estrada.

7. Os obstáculos eventuais devem ser sinalizados por aqueles que lhes der causa, por forma bem visível e a uma distância que permita aos demais utentes da via tomar as precauções necessárias para evitar acidentes, diz-nos o n.º 2 do art.º 5.º do Código da Estrada.

8. Todas as obras e obstáculos ocasionais na via pública devem ser delimitados por sinalização temporária, com o intuito de prevenir os utentes do perigo (art.º 1.º, do Decreto-Regulamentar n.º 33/88, de 12 de Setembro).

9. A sinalização de carácter temporário compete à Junta Autónoma de Estradas e às Câmaras Municipais, nos termos definidos para a sinalização de carácter permanente (vg. art.º 2.º do diploma legal citado no ponto 8), estando todavia a competência da Junta Autónoma das Estradas, no presente caso, excluída, porquanto por Diploma de Licença n.º 261.º/Proc.º. n.º 121/91, os Serviços Municipalizados foram de acordo com o Estatuto das Estradas Nacionais – Lei n.º 2037, de 19 de Agosto de 1949, Decreto-Lei n.º 34593.º, de 11 de Março de 1945 e Decreto-Lei n.º 13/71, de 23.01.71 – licenciados para as obras de assentamento da rede de abastecimento de água, com transferência de responsabilidade por todos os prejuízos supervenientes causados ao Estado e/ou a terceiros.

10. Atendendo ao teor da cláusula 14 do Diploma de Licença, a JAE estipulou que deveriam ser colocadas placas com dimensões regulamentares, com a indicação da entidade superintendente das obras, nome do adjudicatário, prazo de execução e número da licença. Estipulou ainda que deveria ser efectuado depósito ou garantia bancária no valor de 30.200 contos. Pelo exposto, verifica-se, inequivocamente, a impossibilidade de imputação de qualquer tipo de responsabilidade à Junta Autónoma das Estradas.

11. A lei exige, sempre que as obras durem mais de 30 dias ou em casos específicos, a existência de projectos de sinalização (n.º 2 do art.º 2.º, do Decreto-Regulamentar n.º 33/88, de 12 de Setembro). No caso em análise, houve incumprimento desta norma imperativa, pela falta de existência de projecto de sinalização.

12. A lei, pelo art.º 3.º, n.º 1 do Decreto-Regulamentar n.º 33/88, de 12 de Setembro, prevê que os contratos de adjudicação de obras na via pública que envolvem necessidade de colocação de sinalização temporária, devem prever, quando a implementação da sinalização figura a cargo do adjudicatário, sanções aplicáveis a este, desde que ocorra incumprimento das disposições do Regulamento de Sinalização de Carácter Temporário de Obras e Obstáculos na Via Pública.

13. O contrato de empreitada celebrado entre os Serviços Municipalizados de Santa Maria da Feira e a Fundágua Lda. não fez impender o ónus da sinalização das obras sobre o adjudicatário, pelo que tal obrigação continua a recair sobre a Câmara, considerando que os Serviços Municipalizados não estão por lei habilitados ao ordenamento do trânsito.

14. As autarquias locais respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições locais destinadas a proteger os seus interesses resultantes de actos ilícitos (art.ºs. 366.º e 367.º do Código Administrativo, na redacção do art.º 10.º do DL n.º 48051, de 21.11.67).

15. Atendendo ao consignado no art.º 486.º do Código Civil, as omissões dão lugar à obrigatoriedade da reparação do dano.

16. A omissão de um dever legal (não sinalização das obras) por parte da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, traduz-se em acto jurídico ilícito.

17. Tanto a doutrina (Pessoa Jorge, Pressupostos da Responsabilidade Civil, pag. 69, Fausto de Quadros, Responsabilidade Civil Extra-Contratual da Administração Pública) como a jurisprudência (Ac. de 25 de Junho de 1985, Ano XXV, n.º 289, a fls. 30, Ac. de 8 de Fevereiro de 1989, Ano XXIX, n.º 338, a fls. 161 e Ac. de 19 de Novembro de 1991, Ano XXXI, n.º 364, a fls. 480 – Acórdãos Doutrinais do S.T.A.) são unânimes em que, verificada a ilicitude do acto danoso, está apurada a culpa do ente público.

18. Assim,Recomendo:

Que se proceda ao ressarcimento dos custos materiais, resultantes do acidente de viação, suportados pelo reclamante.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel