Presidente do Conselho Directivo do Centro Nacional de Pensões
Número:44/A/97
Processo:R-2945/92
Data:9.06.1997
Área: A3

Assunto:SEGURANÇA SOCIAL – DIVÓRCIO – DIREITO A ALIMENTOS – PRESTAÇÕES POR MORTE.

Sequência: Não Acatada.

1. Como é do conhecimento desse Conselho Directivo, a Sra… dirigiu-me uma reclamação tendo por objecto o facto de as prestações que auferia por óbito do Sr… terem sido reduzidas em função da atribuição de prestações de igual natureza à Sra…, ex-cônjuge do falecido. De acordo com a reclamante, esta pensionista não reunia as condições legalmente fixadas para a atribuição do subsídio por morte e da pensão de sobrevivência.

2. Instruído o processo aberto com base na aludida reclamação, veio a apurar-se o seguinte:
2.1. Em 16 de Dezembro de 1958, o Sr…, beneficiário do regime geral de segurança social n.º …, celebrou casamento civil com a Sra…, o qual foi dissolvido por divórcio decretado por sentença transitada em julgado em 4 de Janeiro de 1965.
2.2. O aludido beneficiário faleceu em 1 de Junho de 1991, no estado de casado com a Senhora…, desde 20 de Maio de 1985.
2.3. Para além dos dois casamentos referidos, o beneficiário foi ainda casado com as Sras…, tendo ambos os vínculos sido dissolvidos por divórcio.
2.4. Em 6 de Agosto de 1991, a viúva do beneficiário requereu a atribuição de pensão de sobrevivência e de prestação por morte, o que foi deferido.
2.5. Por ofícios desse Centro de 24.7.92 e de 26.10.96, foi comunicado à interessada que a pensão que vinha auferindo no valor de Esc. 44.000$00 seria reduzida, a partir de Setembro de 1992, para Esc. 25.670$00 e que deveria repor 3/4 do subsídio por morte recebido, em virtude de a ex-cônjuge do beneficiário, ter demonstrado reunir condições para atribuição das prestações por morte.
2.6. Tal decisão foi mantida, não obstante a viúva ter formulado diversas reclamações e remetido a esse Centro vários documentos no sentido de demonstrar que à referida ex-cônjuge não assistia o direito às prestações por morte do Sr…
2.7. Nenhuma das restantes ex-cônjuges do falecido requereu a habilitação às referidas prestações.

3. Analisada a pretensão da reclamante, concluí que lhe assistia razão, porquanto a Sra… não reunia as condições previstas no art. 11º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro.

4. Assim, em primeiro lugar, não lhe foi reconhecido judicialmente o direito a pensão de alimentos a pagar pelo seu ex?cônjuge, como passo a demonstrar:
4.1. A deliberação do Centro Nacional de Pensões de atribuição de pensão de sobrevivência à Sra… fundamentou-se em certidão passada pela Secretaria Geral Comum dos Tribunais de Justiça de Lisboa, nos termos da qual, no âmbito dos autos de alimentos provisórios que correram termos na 1ª Secção da 3ª Vara Cível da Comarca de Lisboa com o n.º 1.848, de 1962, foi o requerido condenado a pagar à requerente a pensão de alimentos definitivos no valor de Esc. 800$00.
4.2. Sucede, porém, que esta acção de alimentos, fundamentada no desamparo ou abondono por parte do marido, foi intentada e correu seus termos na pendência do matrimónio entre requerente e requerido, o qual só foi dissolvido por divórcio decretado por sentença transitada em julgado em 4 de Janeiro de 1965.
4.3. Por outro lado, nesta sentença nada se dispõe no que toca a alimentos, donde é forçoso concluir que, enquanto divorciada do beneficiário (qualidade que revestia à data da morte deste), à Senhora… não foi reconhecido judicialmente o direito a alimentos daquele. Ao tempo em que foi proferida a sentença de divórcio, a fixação de alimentos dependia de requerimento judicial por parte do cônjuge que deles carecia, nos termos dos arts. 29º e segs. do Decreto de 3 de Novembro de 1910.

5. Em parecer remetido aos Serviços que dirijo, a Direcção de Serviços Jurídicos e de Contencioso desse Centro Nacional de Pensões defende que as prestações por morte em causa foram atribuídas correctamente, uma vez que o divórcio não envolve a caducidade dos alimentos fixados na constância do matrimónio, cabendo ao obrigado exonerar-se de tal dever. A fundamentação de tal parecer afigura-se, a meu ver, improcedente e até contraditório com outras posições tomadas por esse Centro. Se não, vejamos.
5.1. São totalmente diversas as obrigações alimentícias entre cônjuges e entre ex-cônjuges. Actualmente, de acordo com os arts. 1675º e 2015º do Código Civil, na constância do matrimónio, ambos os cônjuges, em cumprimento do dever de assistência, são reciprocamente obrigados a alimentos. Nos termos do art. 1788º do mesmo Código, o divórcio produz os mesmos efeitos da dissolução por morte, salvas as excepções consagradas na lei. Uma destas excepções é a possibilidade de um dos ex-cônjuges ficar obrigado a prestar alimentos ao outro.

Ora, neste caso, não se trata de uma obrigação recíproca que constitua corolário de um dever existente entre ex-cônjuges, nem de uma relação obrigacional que constitua um efeito necessário do divórcio, porquanto ela só existirá nos casos previstos no art. 2016º do Código Civil. Dispõe este preceito que têm direito a alimentos, no caso de divórcio, o cônjuge não considerado culpado ou principal culpado, o cônjuge réu ou qualquer dos cônjuges, consoante o divórcio tenha sido, respectivamente, decretado com fundamento no art. 1779º e art. 1781º, alíneas a) ou b), no art. 1781º, alínea c) ou no caso de igual culpa ou de divórcio por mútuo consentimento. Do exposto resulta, pois, com suficiente clareza que a obrigação de alimentos que impende sobre os cônjuges, na constância do matrimónio não se mantém necessariamente após o divórcio e, se se mantiver, é porque se encontra verificado um dos pressupostos previstos no art. 2016º.
5.2.Cunha Gonçalves, na citação constante do parecer (a qual não é, contudo, acompanhada da indicação da respectiva referência bibliográfica) explica, em termos inequívocos, que com o divórcio “cessam os deveres recíprocos dos cônjuges”, mas que “pode ficar subsistindo, é certo, o dever de o cônjuge culpado prestar alimentos ao cônjuge inocente ou não culpado”.
5.3. Mas já na altura em que foram proferidas as sentenças de alimentos definitivos e de divórcio, se entendia que se tratava de obrigações distintas. Discutia-se, então, se ao cônjuge culpado pelo divórcio assistia direito a alimentos. Entre os que negavam tal direito, contava-se Cunha Gonçalves que, alegando que “o divórcio não é processo de viver à custa alheia”( ), defendia que a combinação entre os arts. 29º e 32º, n.º 2 do Decreto de 3 de Novembro de 1910 “permite afirmar que o direito aos alimentos só pode ser reconhecido ao ex-cônjuge completamente inocente ou que não foi casado, mas sim vítima dos factos determinantes do divórcio. Assim, não poderá pedir alimentos o adúltero, o que abandonou o domicílio conjugal, o autor de sevícias e injúrias graves; e se ambos os cônjuges tiveram culpas, nenhum deles poderá reclamar alimentos ao outro”( ). Outros autores, reconhecendo, embora, a bondade desta solução, consideravam que ela não tinha estado na mente do legislador do citado Decreto que, a querer abrir alguma excepção à doutrina do art. 29º, tê-lo-ia feito neste preceito( ). De todo o modo, mesmos os defensores desta última tese( ), não hesitavam em reconhecer a autonomia entre “os alimentos pedidos cumulativamente com a acção de divórcio ou posteriormente à autorização deste”, regulados pelos artigos 29º e seguintes do citado decreto e “o direito a alimentos, durante a vigência da sociedade conjugal, e quando não seja invocado conjuntamente com o pedido de divórcio ou de separação”, o qual “resulta ou do n.º 3 do artigo 38º do decreto n.º 1 de 25.12.10, ou da alínea 2ª do § 2º do art. 393º do Código de Processo Civil. São estes artigos que o conferem, e que, portanto determinam os casos em que existe tal direito, e não o art. 29º da lei do divórcio”. Na verdade, a exigência, constante do art. 30º da lei do divórcio, de requerimento dos alimentos, cumulativamente ou posteriormente à acção de divórcio, tornava clara a insubsistência dos alimentos concedidos anteriormente. Também aqui, o circunstancialismo que justificava a atribuição de alimentos à mulher separada se revelava bem diverso daquele que precedia a concessão de alimentos a qualquer dos ex-cônjuges, após o divórcio ou a separação de bens.
5.4. O art. 11º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18.10, faz depender o direito a pensão de sobrevivência do ex?cônjuge do reconhecimento judicial do direito a alimentos. Não basta, por isso, a mera invocação de que se encontravam verificados os requisitos do direito a alimentos, como, aliás, tem sido entendido por esse Centro. Tal reconhecimento judicial diz respeito ao direito a alimentos do ex-cônjuge enquanto tal e não enquanto cônjuge ou separado de facto. O próprio autor do parecer acaba por reconhecê?lo ao salientar que o divórcio se deveu a “exclusiva culpa” do “de cujus”. Com efeito, a existir direito a alimentos da Sra… depois do divórcio, ele resulta daquela circunstância e não do facto de ter sido reconhecido o direito a alimentos na vigência do seu matrimónio. Aliás, a tomar-se como certa a tese constante do parecer de que, mesmo no regime actual, a obrigação de alimentos vigente na pendência do matrimónio se mantém depois do divórcio, seríamos levados a defender que tal sucede em qualquer caso e, portanto, ainda que o cônjuge que deles beneficia venha a ser julgado principal culpado na sentença de divórcio( ), solução que certamente não é pretendida pelo Centro Nacional de Pensões.

6. Acresce ao exposto que, para além de o direito a alimentos não ter sido reconhecido judicialmente, também se não encontra verificado o outro requisito da atribuição das prestações por morte aos divorciados previsto no art. 11º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18.10. É que aqui se exige que o divorciado se encontre, à data da morte, a receber pensão de alimentos do ex-cônjuge. Ora, à requerente não foi exigida prova da verificação deste requisito, sendo de realçar que os elementos recolhidos pelos meus Serviços apontam em sentido exactamente oposto. Na verdade, pelo ofício …. – de que junto cópia -, a Direcção?Geral das Contribuições e Impostos informou que nas declarações de IRS dos anos de 1989 e 1991 do contribuinte não consta qualquer pagamento de pensões.

7. Resulta de todo o exposto que o acto de atribuição à Sra… das prestações por morte do beneficiário – e consequente redução das prestações equivalentes auferidas pela Sra… – é inválido por desrespeitar o disposto no art. 11º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18.10.

8. É certo que, considerando o período de tempo decorrido desde a sua prática, tal acto se tornou, nos termos do art. 140º do Código do Procedimento Administrativo( ), irrevogável com fundamento em invalidade.

9. Todavia, não se encontra vedada a possibilidade de, com fundamento de mérito, se alterar o acto na parte em que não é desfavorável à aludida interessada, nos termos dos arts. 140º, n.º 2, alínea a) e 147º, ou seja, na parte que respeita à redução das prestações por morte da viúva do beneficiário. Não há, com efeito, qualquer razão de mérito que o desaconselhe, porquanto o interesse público é noção que não se opõe necessariamente a interesse particular, antes deverá representar o melhor equilíbrio entre os interesses em presença. Ora, não prosseguir o interesse da reclamante a receber pensão de sobrevivência pelo valor a que tem direito, sem que a tal se oponha qualquer interesse público digno de relevo ou de prevalência sobre aquele, é solução que claramente atenta contra os princípios da proporcionalidade e da prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (arts. 266º, n.ºs. 1 e 2 da CRP e 4º e 5º do CPA).

10. Tal alteração não suscita problemas de ilegalidade. Por um lado, não viola as normas do Código do Procedimento Administrativo sobre revogação de actos constitutivos de direitos. Por outro lado, o facto de a soma das duas pensões de sobrevivência (bem como dos subsídios por morte) ser de montante superior ao previsto na lei não resulta deste segundo acto – que está conforme ao regime legal vigente – mas da circunstância de ter sido atribuída indevidamente pensão de sobrevivência à Sra…, atribuição que já não é revogável. A ilegalidade a existir, é deste e não daquele acto.

11. Só dessa forma se corrige a injustiça que decorre da circunstância de a reclamante ter sido prejudicada pela prática de um acto ilegal por parte desse Centro Nacional de Pensões.

Em face de todo o exposto,RECOMENDO:

No sentido de os actos de atribuição à Sra… das prestações por morte do beneficiário serem alterados de modo a que os respectivos valores coincidam com os inicialmente fixados, sem prejuízo da competente actualização.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel