Director-Geral dos Serviços Prisionais
C/c: Ministro da Justiça
Número:74/A/97
Processo:R-2767/95
Data:3.12.1997
Área: A4

Assunto:FUNÇÃO PÚBLICA -VIGILANTE ASSALARIADO – RESCISÃO DO CONTRATO – INOBSERVÂNCIA DA LEI – PREJUÍZO – INDEMNIZAÇÃO.

Sequência: Não acatada.

Os Factos

1. No processo acima referenciado, instaurado neste Órgão de Estado com base em queixa apresentada pela ex-vigilante assalariada, do Estabelecimento Prisional Regional de Ponta Delgada, apurou-se em síntese, o seguinte:
1.1. A queixosa foi recrutada em regime de assalariamento, ao abrigo do disposto no artigo 9º (n.º 1, alínea a) e n.º 39 do Decreto-Lei n.º 49040 de 4 de Junho de 1969, assalariamento que não lhe conferiu qualquer vínculo à Administração.
1.2. Mantendo-se tal situação jurídico-laboral quando foi publicado o Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, essa Direcção-Geral não tomou as iniciativas de carácter regularizador previstas neste diploma, conquanto a vigilante assalariada em causa, reunisse condições para, de harmonia com o disposto no n.º 2 do respectivo artigo 39º, ser considerada contratada em regime de contrato administrativo de provimento, independentemente de quaisquer formalidades, entendimento que foi, de resto, sustentado pela Direcção-Geral da Administração Pública. (vid. cópias do ofício dessa Direcção-Geral n.º …, e do Parecer da D.G.A.P. n.º …, em anexo).
1.3. E sendo assim, em 12.12.1989, a vigilante em causa adquiriu o direito à celebração do contrato administrativo de provimento por força do disposto no artigo 5º do Decreto-Lei n.º 407/91, de 17 de Outubro, que deu nova redacção à algumas das disposições do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro.
1.4. Por outro lado, ao pessoal nas condições da queixosa foram aplicáveis, temporalmente, as disposições do artigo 38º do Decreto-Lei n.º 427/89 de 7 de Dezembro, no que diz particularmente respeito aos procedimentos regularizadores e de vinculação, incluíndo a obrigatoriedade de sujeição ao primeiro concurso aberto no serviço para a sua categoria (artigo 38º, n.º 2 do citado diploma), estando os serviços e organismos da Administração Pública autorizados a abrir concursos de regularização, mesmo sem haver vagas nos quadros, até Setembro de 1992, prazo de caducidade estabelecido na Lei n.º 19/92, de 13 de Agosto.
1.5. Porém, não obstante o enquadramento legal atrás delineado, essa Direcção-Geral não abriu qualquer concurso interno em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 38º do citado diploma, dentro do mencionado prazo de caducidade, resultando dessa omissão procedimental a impossibilidade para a queixosa de vinculação à Administração, nos termos estabelecidos no mesmo diploma.
1.6. Finalmente, a mencionada assalariada cessou as funções que vinha desempenhando, há cerca de oito anos, em 14.07.95, por determinação do então Director-Geral dos Serviços Prisionais, comunicada pelo ofício n.º … ao Director do Estabelecimento Prisional Regional de Ponta Delgada, executada em data imprecisa do mês de Julho de 1995, e dada a conhecer à queixosa em tempo oportuno. (vid. cópia do mencionado ofício em anexo).

Apreciação Jurídica

2. O enunciado dos factos relevantes apurados no processo, legitimam, a nosso ver, duas conclusões de ordem essencial: a primeira, a de que a actuação omissiva da Administração, nos termos atrás descritos, se deve considerar ilícita por violar as normas legais e os princípios gerais aplicáveis, e a segunda, que o Órgão da Administração em causa, incorreu em responsabilidade civil extracontratual, pela prática de actos de gestão pública culposos, dos quais advieram, através de nexo de causalidade adequada, prejuízos e danos indemnizáveis, nos termos da lei aplicável.

3. Decorre, com efeito, do nosso ordenamento jurídico que, na responsabilidade civil-extracontratual dos entes públicos, a culpa dos titulares dos seus órgãos e agentes se liga directamente à omissão, ou ao facto criador do dano, aferindo-se de harmonia com o disposto no artigo 4º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, e no artigo 487º do Código Civil.

4. No caso em apreço, verificou-se culpa funcional já que os actos ou factos ilícitos violadores da lei, e princípios aplicáveis, foram praticados por causa do desempenho do cargo de Director-Geral dos Serviços Prisionais, titular do Órgão da Administração, e dentro dos limites das suas competências e funções.

5. A demonstração da ilicitude da actividade praticada pelo titular do órgão administrativo, traduz-se, na maioria dos casos, na verificação de mera culpa funcional, suficiente para preencher o respectivo pressuposto, a menos que se imponha a verificação da existência de culpa grave, ou de dolo. (cfr. neste sentido, Ac. do S.T.A. de 21.03.96 (Processo …) citado in “Cadernos de Justiça Administrativa”, Separata do n.º 1, Janeiro/Fevereiro de 1997).

6. Actividade ilícita, e culpa funcional que são claramente imputáveis ao então Director-Geral dos Serviços Prisionais, por ter omitido no caso, os procedimentos regularizadores e de vinculação que o Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro lhe impôs, revelando negligência, falta de zelo, e bem assim, de conhecimento das regras de ordem técnica e de natureza prudencial que deviam, mas não foram tidas em consideração. (v. artigo 487º (n.º 6) do Código Civil, artigo 6º do Decreto-Lei n.º 48051 de 21 de Novembro de 1967 e Parecer n.º 86/92 da Procuradoria-Geral da República, publicado no D.R. II Série n.º 226, de 25.09.1993).

7. Tal actividade omissiva, e nessa medida ilícita, integra também, noutra perspectiva igualmente relevante, o n.º 2 do artigo 43º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, já que a mesma se traduziu, em clara e inequívoca violação das respectivas disposições regularizadoras, fazendo incorrer a Administração, por essa via, “em responsabilidade civil e disciplinar que ao caso couber”.

8. Também igualmente são reunidos, no caso, os demais pressupostos para a verificação da responsabilidade extra-contratual, como sejam, o prejuízo ou dano, e o nexo de causalidade adequada, ou seja, que este último seja consequência do facto ilícito, devendo estabelecer-se uma relação de causalidade entre um e outro.

9. Quanto ao pressuposto ligado ao prejuízo ou dano, resulta do disposto nos artigos 2º e 3º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1961 – e das disposições que regem esta matéria no Código Civil, por força do artigo 10º – que, são indemnizáveis todos os prejuízos que se traduzam na ofensa de direitos subjectivos, ou das disposições legais destinadas a proteger interesses dos particulares, danos ressarcíveis que incluem tanto o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, (Ac. do S.T.A. de 21.03.96 (Pr. 35909) cit. in “Cadernos de Justiça Administrativa” Separata ao n.º 1, Janeiro/Fevereiro de 1997).

10. No caso, os danos emergentes, da actividade ilícita da Administração são de natureza não patrimonial – frustação, em termos de carreira profissional resultante da não vinculação à Administração, além de outros -, pelo que, nos termos da doutrina e jurisprudência dominantes, devem dar lugar a uma compensação, e não à reconstituição integral hipotética. (v. Ac. do S.T.A. de 20.06.96 in “Cadernos” … já cits. pág. 24).

11. Verifica-se também nexo de causalidade adequada entre os factos ilícitos e os danos, já que estes não existiriam se outra tivesse sido a conduta da Administração, isto é, pautada pela observância da lei imperativa aplicável, (princípio de legalidade), e pela salvaguarda dos interesses legalmente protegidos da trabalhadora em causa. (artigos 3º do Código de Procedimento Administrativo, e artigo 266º da Constituição).

12. Nesta conformidade, essa Direcção-Geral, através do respectivo titular, incorreu em responsabilidade civil extra-contratual por se acharem verificados os respectivos pressupostos, e por via dela, no dever de indemnizar a trabalhadora lesada pelos prejuízos e danos causados, em montante a acordar com esta através de negociação extra-judicial.

13. Resta finalmente ponderar, se a rescisão unilateral do assalariamento, de estrutura contratual, determinativa da cessação de funções da queixosa em 14.07.95, se conformou, nas circunstâncias em que ocorreu, com a lei aplicável.

14. Quanto à causa justificativa da cessação de funções para que aponta o ofício do então Director-Geral dos Serviços Prisionais cuja cópia se anexa, não procedem, de todo, as razões jusificativas aí invocadas.

15. Desde logo, porque não tendo sido aberto o concurso previsto no n.º 3 do artigo 38º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, não poderia aplicar-se à reclamante o regime de rescisão dos que não se candidataram a concurso aberto, ou que tendo-se candidatado a concurso, não ficaram aprovados.

16. Entendimento diferente, põe em causa a boa fé e a transparência que devem presidir à actuação da Administração que, no fundo, transferiu para a queixosa as consequências adversas de uma omissão sua.

17. Por outro lado, não faz sentido, e não é juridicamente sustentável, tornar extensivo à queixosa, os efeitos negativos da recusa do visto do Tribunal de Contas (art.º 15º do Decreto-Lei n.º 146-C/80, de 22 de Maio), nos processos submetidos a fiscalização prévia relativas a outras vigilantes assalariadas, mas que foram opositoras a concurso interno geral de ingresso, por manifesto erro técnico da Administração, uma vez que as candidatas não possuíam qualquer vínculo à função pública. (v. artigo 6º, n.º 3, alínea a) do Decreto-Lei n.º 498/88, de 30 de Dezembro).

18. Com efeito, as candidatas ao mencionado concurso e no mesmo aprovadas, foram nomeadas escriturárias dactilógrafas, pelo que teve justificação legal a cessação de funções determinada ao abrigo do artigo 15º do Decreto-Lei n.º 146-C/80, de 22 de Maio, pelo Tribunal de Contas, efeito negativo que não pode ser aplicado a quem não foi opositor nem a esse, nem a qualquer outro concurso, como se mostra evidente.

19. Assim sendo, é forçoso reconhecer que, a cessação de funções determinada no caso, sem justificação plausível, equivaleu, a um despedimento ilícito, ou sem justa causa, pois não foi precedido do processo respectivo, nem efectuado com a antecedência devida. (v. artigo 12º, n.º 1, alínea a) e 50º, n.º 1 ambos do Decreto-Lei n.º 64-A/89 acerca do regime da cessação do contrato individual do trabalho, invocável como lei geral na matéria).

20. Mesmo que se entenda, numa acepção muito rigorosa, que o assalariamento eventual em causa, não tem estrutura contratual, nem é, tão pouco, assimilável ao contrato de prestação de serviços de natureza civil, regulado nos artigos 1154º e seguintes do Código Civil, por revestir a forma de um “assalariamento administrativo” com disciplina própria, (cfr. neste sentido, Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 26/86, publicado no D.R. II Série, n.º 258, de 8.11.1988), deve reconhecer-se que, o Decreto-Lei n.º 49397, de 24 de Novembro de 1969, temporalmente aplicável à situação, determinou quanto ao assalariamento, e outras formas de recrutamento previstas no artigo 2º, n.º 1 que, a respectiva denúncia devia ser efectuada com a antecedência mínima de sessenta dias. (artigo 3º, n.º 2, alínea c) do mesmo diploma).

21. De todo o modo, parece óbvia e imperativa a conclusão de que, sendo comunicada à queixosa a cessação de funções, com efeitos a partir de 14.07.95, com uma antecedência de poucos dias, como resulta dos dados disponíveis, esta não foi a antecedência conveniente, constituindo a Administração no dever de indemnizar a trabalhadora pelo prejuízo sofrido .(vid. neste sentido, o citado Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 26/86 publicado no D.R., II Série n.º 258, de 8.11.1988).

22. Nesta conformidade, para além da responsabilidade imputável a essa Direcção-Geral, nos termos atrás mencionados, pela descrita conduta omissiva violadora das disposições regularizadoras e de vinculação, previstas no citado Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, deve ainda atribuir à trabalhadora em causa uma indemnização pelo despedimento ilícito, nos termos das disposições, conjugadas, do artigo 12º (n.º 1) e 13º (n.º 1), ambos do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, aplicável, com as devidas adaptações, à situação vertente.

23. De harmonia com os dados informativos prestados pela Direcção de Serviços de Gestão Financeira e Patrimonial, e pela trabalhadora em causa, (vid. cópias em anexo), as remunerações relativas aos anos de 1995 a 1997 seriam, basicamente, as correspondentes à categoria de guarda prisional de 2ª classe, as quais se discriminam, na seguinte forma:

Ano de 1995 – Índice remuneratório 110

Vencimento 97.900$00
Suplemento de serviço 97.900$00
Subsídio de renda de casa 14.200$00
Subsídio de fardamento 1.250$00
Subsídio de alimentação 10.000$00

Ano de 1996 – Índice remuneratório 110

Vencimento 102.000$00
Suplemento de serviço 14.800$00
Subsídio de renda de casa 15.300$00
Subsídio de fardamento 1.250$00
Subsídio de alimentação 10.000$00

Ano de 1997 – Índice remuneratório 110

Vencimento 105.100$00
Suplemento de serviço 15.300$00
Subsídio de renda de casa 15.760$00
Subsídio de fardamento 1.250$00
Subsídio de alimentação 17.000$00

Dos subsídios indicados, a mencionada trabalhadora não beneficiou dos subsídios de fardamento, de renda de casa, e de alimentação, tendo-lhe sido, outrossim, atribuído, nas respectivas anuidades, os subsídios de Natal e de férias.

24. Como iniciou o desempenho das aludidas funções de vigilante em 15 de Julho, de 1995, as remunerações que lhe caberiam, com inclusão dos subsídios de Natal e de férias, seriam as seguintes, com arrendamento:

a) Ano de 1995 897.520$00
b) Ano de 1996 2.006.900$00
c) Ano de 1997 1.786.110$00

O que perfaz a importância global de Esc. 4.690.530$00, correspondente ao rendimento do trabalho perdido, em resultado do despedimento ilícito, constituindo a base do cálculo indemnizatório que melhor se ajusta à reconstituição da situação hipotética que existiria se não tivesse ocorrido o facto lesivo.

25. No entanto, a trabalhadora sofreu ainda, tal como já anotámos atrás, danos não patrimoniais, na ponderação dos quais se deverá atender, principalmente, à frustração de ordem profissional, e pessoal, resultantes da sua não vinculação ao quadro dessa Direcção-Geral, com a consequente estabilidade profissional, e progressão profissional, sendo certo, noutra perspectiva, que a mesma se manteve desempregada desde a data da cessação de funções, até agora, tendo a seu cargo um filho menor, subsistindo o seu agregado familiar à custa de uma magra reforma atribuída ao seu companheiro, já com 72 anos de idade.

26. Danos morais, que a trabalhadora lesada estima em Esc. 2.000.000$00. (vid. cópia da comunicação da queixosa entrada em 6.11.1997, em anexo)

27. O pagamento extra-judicial à queixosa da indemnização a que nos reportamos, só prestigiaria a Administração, cuja actuação se deve nortear sempre no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, e pelos princípios constitucionais da justiça, da proporcionalidade, e da boa-fé, também invocáveis no caso (cfr. art.º 266º (n.ºs 1 e 2) da Constituição).

28. Em face do precedentemente exposto,RECOMENDO

A Vossa Excelência o pagamento de uma indemnização à queixosa no valor global de Esc. 6.690.600$00 a qual corresponde, mediante arredondamento, à soma das seguintes parcelas:
a) Esc. 4.690.600$00 – pelos prejuízos de ordem patrimonial respeitantes aos rendimentos do trabalho perdido.
b) Esc. 2.000.000$00 pelos danos não patrimoniais de natureza pessoal e profissional.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel