Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas
Número:73/A/97(1)
Processo:R-1088/96
Data:28.11.1997
Área: A1

Assunto:CAÇA E PESCA – CRIMES DE CAÇA – CARTA DE CAÇADOR – APREENSÃO – (VER TAMBÉM RECOMENDAÇÃO N.º 2A/97).

Sequência:Não Acatada.

I-Exposição de Motivos

1. Foi apresentada na Provedoria de Justiça pelo Senhor… uma queixa na qual alegava que, tendo a infracção de caça que cometeu sido amnistiada ao abrigo do art. 1º, al. b), da Lei n.º 23/91, de 4 de Julho, a sua carta de caçador não lhe fora devolvida, não obstante o Tribunal Judicial de Arraiolos ter comunicado a amnistia da infracção à Direcção-Geral das Florestas.

2. Contactada a Direcção-Geral das Florestas, foi a instrução do processo esclarecida, através do ofício n.º 87530, de 04.06.96, informando-se que a carta de caçador do Reclamante caducara com o trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do disposto nos arts. 7º da Lei n.º 30/86, de 27 de Agosto, e 11º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 274?A/88, de 3 de Agosto, não podendo voltar a produzir efeitos com a amnistia.

3. Mais adiantou a Direcção-Geral que a imposição legal da realização de exame para concessão de carta de caçador, decorrente da sua caducidade resultante de condenação por infracção de caça, não pode configurar-se como uma pena acessória, mas como um mero pressuposto de concessão da nova carta de caçador.

4. Nos termos do art. 11º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 274-A/88, de 3 de Agosto – em vigor à data da prática dos factos, e cuja disciplina foi mantida, neste aspecto, pelo Decreto-Lei n.º 136/96, de 14 de Agosto -, quando o titular de carta de caçador seja condenado por crime de caça, aquela caduca, devendo ser apreendida por qualquer autoridade ou agente de autoridade com poderes de polícia e fiscalização de caça.

5. Resulta claro que estamos perante uma pena acessória ou, se se quiser, perante um efeito acessório da pena: a caducidade da carta de caçador resulta da condenação numa determinada pena pela prática de um crime de caça; à pena principal acrescerá, acessoriamente, a caducidade da carta de caçador.

6. No art. 126º, n.º 1, do Código Penal dispunha-se, antes das alterações introduzidas com a publicação do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que a amnistia extinguia o procedimento criminal e, no caso de ter havido já condenação, faria cessar a execução, tanto da pena principal, como das penas acessórias.

7. Assim sendo, por efeito da aplicação do disposto no art. 1º, al. b), da Lei n.º 23/91, à infracção de caça praticada pelo Reclamante, a execução da pena acessória (ou do efeito da pena, se se quiser) deverá cessar. No caso vertente, a amnistia atingiu a caducidade da carta de caçador, pelo que a mesma foi restabelecida.

8. Poderia pretender-se estarmos perante uma medida de segurança, e não perante uma pena acessória ou um efeito da pena, por se entender que a caducidade da carta de caçador, com a consequente necessidade de submissão a exame para obtenção de novo título, visaria determinar se o infractor mantinha as qualidades necessárias para o exercício da caça.

9. Não parece que assim seja. Não resulta da lei qualquer indício que aponte estar em causa a determinação da perigosidade do agente. No entanto, se assim se considerasse, o que se admite por mera hipótese, nem por isso a medida de segurança deixaria de ser amnistiada.

10. Apesar de o disposto no art. 126º, n.º 1, do Código Penal (na redacção vigente quando da publicação da lei de amnistia em questão) se referir apenas às penas principais e penas acessórias, a doutrina pronunciava-se no sentido de estender os efeitos das amnistias também às medidas de segurança, até porque o procedimento que conduz à aplicação de uma medida de segurança é, tal como no caso das penas acessórias, o procedimento criminal (cfr., por todos, J. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, II, Coimbra, 1993, § 1122).

11. Este entendimento veio a ser consagrado em letra de lei pela revisão do Código Penal efectuada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, dispondo-se agora no art. 128º, n.º 2, que a amnistia extingue o procedimento criminal e que, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução, tanto da pena e dos seus efeitos, como da medida de segurança.

12. Desta forma, a caducidade da licença de caçador em virtude de condenação por infracção de caça, quer seja considerada pena acessória ou efeito da pena, quer seja considerada medida de segurança (o que apenas se admite por mera hipótese), não poderá subsistir quando a infracção de caça que a determinou seja amnistiada. Desde que a pena (ou a medida de segurança) não esteja executada, a amnistia fá-la cessar, nos termos em que ainda esteja a decorrer.

13. Há que ter bem presente que a caducidade da carta de caçador resulta do decurso de um processo judicial que culmina na condenação ao cumprimento de uma pena pela prática de um determinado facto ilícito criminal – um crime de caça. Ora, se a amnistia vem extinguir os processos judiciais que ainda se encontram a decorrer e, relativamente aos que já se encontram findos e resultaram em condenação, extingue todos os seus efeitos que ainda não se executaram, a caducidade da carta de caçador, como efeito da condenação, não poderá deixar de sofrer essa sorte.

14. No presente caso, não se tendo o Reclamante submetido a exame e obtido novo título, não poderia deixar de lhe ser devolvida a sua carta de caçador.

15. Alcançadas estas conclusões na instrução do processo, formulei ao Senhor Director-Geral das Florestas a Recomendação n.º 2/A/97, em 13 de Janeiro p. p. – da qual se anexa cópia – com vista à restituição ao Sr… da carta de caçador que lhe fora apreendida.

16. A essa Recomendação veio o Senhor Director-Geral das Florestas responder em 22 de Abril p. p., através do ofício n.º 72990 – de que se anexa igualmente cópia -, referindo ser impossível acatar a Recomendação, uma vez que a caducidade da carta de caçador operara por imposição de norma legal.

17. A argumentação expendida pela Direcção-Geral das Florestas na resposta à referida Recomendação demonstra que aquele órgão não tomou em consideração os fundamentos jurídicos da posição que entendi tomar.

18. Com efeito, nada é adiantado que infirme as conclusões alcançadas, limitando-se a Direcção-Geral das Florestas a afirmar ser a caducidade da carta de caçador um efeito jurídico que se produz instantaneamente com a condenação, pelo que não pode ser destruído retroactivamente por posterior lei de amnistia. Ora, esse entendimento fora antecipadamente refutado nos pontos 7, 12 e 13, da Recomendação, pelo que seria necessário, para o sustentar, apresentar uma adequada fundamentação, o que a Direcção-Geral das Florestas não faz de todo.

19. A caducidade da carta de caçador resultou da condenação por crime de caça, que veio a ser amnistiado, fazendo cessar todos os efeitos da condenação. Um dos efeitos da condenação foi a caducidade da carta de caçador, que originou que o Reclamante ficasse privado do exercício da actividade venatória. Ora, por força da aplicação da amnistia, haverá que repor a situação nos termos anteriores à condenação, o que implica o restabelecimento e devolução da carta de caçador apreendida.

20. Pelos motivos acima explicitados, e por considerar que o não acatamento da Recomendação n.º 2/A/97 pela Direcção-Geral das Florestas é manifestamente infundamentado, não cumprindo com o disposto no art. 38º, n.º 3, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, renovo junto de Vossa Excelência a posição que tomei na referida Recomendação, com vista à correcção de um acto ilegal da Administração Pública.

Em face do exposto,RECOMENDO

A Vossa Excelência que providencie, junto do Senhor Director-Geral das Florestas, pela restituição ao Senhor… da carta de caçador que lhe foi apreendida.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel

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(1) Ver também Rec. n.º 2/A/97 :Recomendação não acatada