Ex.mo Senhor


Presidente da Câmara Municipal


Av. da Liberdade


3701-956 São João da Madeira


 


 


 


Vª Ref.ª Vª Comunicação Fax 14.Jan.2010 Nossa Ref.ªProc. R-5637/09(A1)17/11/2010


Assunto: medições acústicas – depósito de caução


 


RECOMENDAÇÃO N.º 13 /A/2010


1. Tenho presente o teor dos elementos obtidos junto dos serviços municipais, a respeito da queixa motivada por se abster o município de São João da Madeira de exercer os poderes de fiscalização e controlo do ruído nocturno imputado ao estabelecimento de diversão sito à Rua….


2. É-nos esclarecido que o ensaio de medição, segundo regulamento municipal, fica condicionado pelo depósito de uma caução em numerário, no valor de € 500, 00 (artigo 48.º do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação).


3. Considera este órgão do Estado não poder o regulamento municipal determinar essa condição. Mostra-se injusta e mostra-se ilegal, nos termos que passo a enunciar.


Em primeiro lugar,


4. Porque pressupõe uma equívoca qualificação do interesse dos moradores. Não se trata de um conflito puramente privado, aquele que opõe moradores e empresário em torno do ruído.


5. O cumprimento dos parâmetros máximos de ruído, segundo o Regulamento Geral, aprovado pelo Decreto-lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro, deixa claro que o ruído – como forma de poluição – respeita ao ambiente e saúde pública, atribuições que não são alheias, antes pelo contrário, aos municípios (artigo 26.º, alíneas b) e d)).


6. Uma das razões que justifica o licenciamento municipal da utilização, como antes dela, das obras de construção ou de alteração, é justamente cuidar do isolamento e saber se é compatível a actividade ruidosa estabelecida com o local.


7. E o município não intervém, nem poderia intervir, como um tribunal ou sequer como um árbitro. Está comprometido com o interesse público e este é, antes de mais, fazer cumprir a lei.


8. É certo que, ao mesmo tempo há uma relação jurídica privada entre os moradores e o empresário – ora no plano das relações jurídicas reais (artigos 1346.º e seg. do Código Civil), ora no plano dos direitos de personalidade (artigos 70.º e segs.), mas esta relação não apaga a relação jurídica administrativa entre as autoridades municipais e o proprietário do estabelecimento.


9. Podem os tribunais cíveis decidir a favor dos moradores por usarem de maior rigor em face das contingências, como podem empregar critérios menos exigentes, posto que não lhes cumpre aplicar o Regulamento Geral do Ruído, mas tão-só o direito civil e, em especial, resolver, nos termos do artigo 335.º a colisão de direitos.


10. Porém, não é de excluir que venha o morador lesado a recorrer aos tribunais administrativos, accionando directamente o Município. Os municípios, quando se trate de actividades ruidosas sujeitas a licenciamento dos seus órgãos, encontram-se investidos de um específico dever de garantia e é justamente quando essa garantia não é exercida que o município passa a partilhar com o agente poluidor a responsabilidade civil extracontratual pelos danos causados a terceiros, podendo ser demandado junto das pertinentes instâncias judiciais.


11. As autoridades públicas, a começar pelas autoridades municipais, exercem os seus poderes tendo como fim o interesse público, definido abstractamente na lei e a concretizar pelo apuramento do grau de incomodidade imputado ao ruído: a ordem pública ambiental.


12. De ordem pública são também as competências dos órgãos administrativos que, por isso, não podem simplesmente repudiar o seu exercício como se de uma herança com ónus ou encargos se tratasse (artigo 29.º do Código do Procedimento Administrativo).


Em segundo lugar,


13. Queira V.Ex.a. observar como é socialmente injusto fazer reverter para os administrados o custo da medição, ainda que na expectativa da sua restituição.


14. Os mais desfavorecidos, impedidos por razões económicas de depositar a caução exigida, seriam também mais desfavorecidos do ponto de vista ambiental, no gozo do seu direito ao repouso.


15. E, nesta linha de considerações, por uma questão de coerência, teríamos de reconhecer ad absurdum que a quantia arrecadada pelo município na aplicação de coimas por infracção aos limites de ruído para terceiros devesse reverter para os lesados, posto que nenhum interesse verdadeiramente municipal justificasse a fiscalização e controlo pelos serviços autárquicos.


16. Não se compreende que algumas câmaras municipais continuem a não dispor de um sonómetro e de pessoal com formação ou que, pelo menos, estabeleçam acordos de cooperação com outros municípios vizinhos. É uma solução porventura bem mais ajustada aos tempos de contenção e que evita o recurso sistemático à aquisição de serviços junto das empresas acreditadas no sector. Isto, porque a medição do ruído, como tarefa pública municipal, remonta, pelo menos, à entrada em vigor do Decreto-lei n.º 251/87, de 24 de Junho.


17. Nem se diga que deveria ser a Administração Central a assegurar integralmente a polícia do ruído. Desde logo, é uma opção do legislador e que muito provavelmente se apresenta como exigência dos princípios constitucionais da subsidariedade e da descentralização administrativa de tarefas públicas. Se a razão de ser do poder local encontra a raiz na proximidade territorial e populacional dos centros de decisão, como identificar o controlo do ruído fora do núcleo essencial das atribuições municipais.


18. Em todo o caso, a lei é esta e dispuseram os municípios, através da Administração Central e com fundos da Comunidade Europeia, de apoios financeiros e de formação para dotarem os seus serviços de meios e recursos humanos com aptidão para proceder a medições e interpretar os seus resultados em confronto com os requisitos legais.


Em terceiro lugar,


19. Importa ver que, em tempos, o depósito de caução chegou a ser objecto de regulamento nacional: a Portaria n.º 326/95, de 4 de Outubro (2ª Série), mas que o Decreto-lei n.º 292/2000, de 14 de Novembro, expressa e inequivocamente revogou dos seus preceitos esta condição para levar a cabo medições. De resto, no preâmbulo do citado decreto, o legislador reporta-se às orientações perfilhadas pelo Provedor de Justiça, no sentido de a prestação de caução dever caber aos agentes económicos que desenvolvam actividades potencialmente ruidosas, a devolver na eventualidade de não surgirem queixas ou de estas se mostrarem improcedentes. No artigo 26.º do R.G.R. (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro) mantém-se idêntica estatuição.


20. Parece bem de ver que não pode o município de São João da Madeira restaurar por regulamento uma condição que desapareceu de um regulamento de nível superior e, para mais, através de acto legislativo. Aquela revogação significa, sem dúvida, que, desde então, o depósito de caução constitui uma condição ilegal para todos os aplicadores do Regulamento Geral do Ruído, ainda que possa vir a admitir-se a estipulação de sanções para denúncias abusivas, caluniosas ou, por qualquer outro modo, contrárias ao princípio da boa fé.


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Em face do que vem exposto, e no exercício do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,


Recomendo a V.Ex.a. que dê cumprimento aos poderes de fiscalização e controlo atribuídos às autoridades municipais e determine sobre a actividade do estabelecimento identificado a fiscalização do cumprimento no artigo 13.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro, assim como,


Recomendo seja adoptada iniciativa para revisão do regulamento municipal de São João da Madeira, de modo a dele expurgar a prestação de caução por quem denuncia infracções ao citado preceito do Regulamento Geral do Ruído.


Dispõe V.Ex.a, nos termos do artigo 38.º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, do prazo máximo de 60 dias para me comunicar a posição assumida a respeito da presente Recomendação.


Com os melhores cumprimentos,


O PROVEDOR DE JUSTIÇA,


 


(Alfredo José de Sousa)