Número: 3/B/2009
Data: 27-05-2009
Entidade visada: Reitor da Universidade de Évora
Assunto: Incumprimento do prazo de pagamento de propinas. Juros de mora.
Processo: R-2278/09 (A6)
Recomendação n.º 3 /B/2009
[art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]
1. Foi recebida uma exposição no interesse do aluno da Universidade de Évora do curso de Educação Física e Desporto, XX, com o n.º Y, a quem alegadamente os Serviços Académicos dessa Universidade terão negado a emissão de documento comprovativo da respectiva situação escolar, destinado a instruir procedimento de concessão de bolsa de estudo a favor de uma irmã, igualmente aluna da Universidade de Évora.
Escuso-me a reproduzir aqui, por desnecessário, os detalhes da situação, atento o conhecimento que V.ª Ex.ª terá já da situação, objecto que foi de reclamação no competente livro de reclamações, bem como de requerimento escrito junto dessa instituição de ensino superior.
2. Analisados os termos da exposição que me foi endereçada, são dois os aspectos que suscitam a minha atenção.
2.1. O primeiro concerne à circunstância de ao aluno em apreço ter sido negada a obtenção de documento comprovativo da respectiva situação escolar, com fundamento no facto de o mesmo ser devedor da quantia de € 24,30, devida a título de juros de mora pelo pagamento fora do prazo fixado, da 3.ª prestação das propinas (devida no mês de Março).
Sendo certo não ser idêntica a situação de incumprimento no pagamento das propinas e a de incumprimento no pagamento de juros (encontrando-se, todavia, neste caso, regularizado o débito relativo ao montante da propina), considero merecedora de diferente ponderação a “sanção” pelo comportamento omissivo em causa, não se me afigurando porventura razoável, na presente factualidade, a não emissão do documento pretendido, com base no fundamento invocado. Se o aluno não tivesse efectuado o pagamento de propinas à data do pedido de certificação, nada teria a opor; estando em causa, não o pagamento das mesmas, mas sim de quantia diminuta, parece-me desproporcionada a conduta assumida.
Razão pela qual sugiro, desde já, que o assunto possa merecer a reflexão de V.ª Ex.ª, no sentido de uma composição mais equilibrada dos distintos interesses em causa, não apenas no caso concreto, mas também antecipando situações análogas que, no futuro, possam ocorrer.
2.2. O segundo aspecto a merecer a minha atenção respeita ao teor das determinações constantes do Despacho de V.ª Ex.ª, com o n.º 92/2008, de 27 de Agosto, no que tange ao pagamento fora de prazo das propinas de formação inicial 2008/2009 e cujos termos aqui reproduzo:
I. Valor e Prazo de Pagamento
O pagamento das propinas fora de prazo fixado estará sujeito ao pagamento de uma quantia adicional, calculada sobre o montante em dívida, para todos os casos, nos seguintes termos:
a) O pagamento de cada prestação inicia-se no 6.º dia após o fim do prazo fixado para cada uma das prestações e é onerado em 10% sobre o montante em dívida da respectiva prestação e de 20% sobre o montante em dívida das anteriores.
b) O pagamento de cada prestação só poderá ser efectuado se todas as anteriores estiverem regularizadas, ou caso isso não aconteça, em simultâneo com a liquidação do montante total em dívida.
c) O pagamento após 31 de Julho e até 31 de Agosto de 2009 é acrescido, em todos os casos, de 20% sobre o montante em dívida.
d) A partir de 1 de Setembro, início do novo ano escolar, o montante em dívida será acrescido de 30%.
Começo por prevenir que não é a primeira vez que sou chamado a pronunciar-me sobre a questão do alcance da penalização pecuniária por incumprimento do prazo de pagamento de propinas . Assim, como tive oportunidade de referir noutra ocasião a este propósito:
Importa notar que a Lei n.º 37/2003, de 22 de Agosto, no seu art.º 29.º, estabelece, em caso de incumprimento de pagamento da propina, para além da nulidade de todos os actos curriculares praticados, a “suspensão da matrícula e da inscrição anual (…) até à regularização dos débitos, acrescidos dos respectivos juros, no mesmo ano lectivo em que ocorreu o incumprimento da obrigação.”
Este normativo sancionatório não é isento de dúvidas em vários aspectos, o que tenho apontado ao Governo, para adequada correcção. Entre essas dúvidas encontra-se a ausência de fixação expressa de uma taxa de juro, o que, a suceder, evitaria incertezas e contribuiria para fazer cessar esquemas sancionatórios ainda vigentes em várias instituições, herdeiras de soluções legais diferentes, como era a da responsabilidade contra-ordenacional, prevista pela Lei 20/92, de 14 de Agosto.
Na verdade, a lei, hoje, não permite a construção de qualquer figura contra-ordenacional, com o estabelecimento de coimas, e muito menos o recurso à figura da multa, aliás extinta recentemente fora do âmbito penal.
Para além de efeitos no plano meramente jurídico, de cominação de nulidade para certos actos, a sanção hoje possível é do âmbito civil, reduzindo-se ao recebimento de juros. (…)
Nesse sentido dispõe o citado Despacho n.º 92/2008, ao conter determinação sobre o “pagamento de uma quantia adicional”, devida pelo não pagamento atempado das propinas, o que, ninguém duvidará, consubstancia a fixação de taxas de juros moratórios.
Não se questiona, obviamente, no plano das obrigações de juros, os efeitos da mora nas obrigações pecuniárias, atentos os princípios informadores do nosso ordenamento jurídico. Sem embargo, não posso deixar de expressar a minha perplexidade em face da solução constante do mencionado Despacho reitoral, considerando as distintas percentagens previstas, para efeitos do cálculo dos juros de mora, a cobrar aos estudantes inadimplentes.
Na verdade, tal como me expressei já a propósito de caso com contornos análogos:
(…) não pondo em causa a possibilidade e mesmo a necessidade de se estabelecerem sanções pecuniárias para situações (…) de atrasos no pagamento de propinas, não creio que a concretização desta norma regulamentar (…) suporte o confronto com as taxas de juro hoje legalmente previstas, para os fins mais diversos.
No ensinamento do Professor Antunes Varela, o «montante [dos juros] varia em função de três factores, que são: a) o valor do capital devido; b) o tempo durante o qual se mantém a privação deste por parte do credor; c) a taxa de remuneração fixada por lei ou estipulada pelas partes» (VARELA, João de Matos Antunes. Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª ed., Coimbra: Almedina, 2005, p. 870). Versando ainda sobre a taxa de juros, refere o Autor que a mesma «exprime-se normalmente numa percentagem sobre o capital, por determinado período de tempo (usualmente um ano). Nada impede, porém, que a taxa se exprima por outra forma e se reporte a um período diverso de tempo», para logo acrescentar o seguinte: «[o] que a partes não podem, por imperativo legal inspirado em razões de moralidade pública, é exceder certos limites, na fixação dessa taxa. Desde há muitos séculos que as leis combatem a usura: primeiro, proibindo pura e simplesmente o vencimento de juros, a pretexto de que o dinheiro não frutificava por si (…); mais tarde, estabelecendo limites rígidos à taxa estipulada pelas partes, sob a cominação de sanções severas, que abrangiam as diversas formas pelas quais os interessados têm pretendido defraudar as regras estabelecidas. O Código [Civil] vigente não só estabeleceu os limites máximos que separam o mútuo oneroso (lícito) dos negócios usurários, como fixou a taxa dos juros legais, a qual vale supletivamente para os próprios juros voluntários (estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo)» (in ob. cit., pp. 871-872).
A esta luz, tomando como referência a taxa anual dos juros legais e dos estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo, fixada em 4% através da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, ao abrigo do disposto no art.º 559.º, n.º 1, do Código Civil, não posso, por conseguinte, deixar de considerar absolutamente desproporcionados os valores fixados no Despacho n.º 92/2008.
Não será excessivo afirmar que os valores em causa levariam, no âmbito civil, à aplicação do disposto nos art.os 559.º-A e 1146.º do Código Civil, sobre juros usurários; num outro contexto e comprovados outros elementos tipificados na lei, o credor de semelhantes juros poderia certamente recair sob a alçada do art.º 226.º do Código Penal, relativo ao crime de usura.
Resulta, pois, do exposto que as taxas contestadas excedem, de facto, em muito o valor da taxa de juro legal, para a qual aponta, no meu entendimento, a Lei n.º 37/2003, cujo art.º 29.º vem, de resto, reproduzido no ponto V-5 do Despacho n.º 78/2008, de 25 de Julho, subscrito igualmente por V.ª Ex.ª.
Na verdade, segundo tem sido minha firme convicção:
(…) num caso que não pode deixar de se considerar mais grave do que a simples mora, isto é, quando há fraude em declarações prestadas com vista a obter apoio da acção social escolar, o art.º 31.º da Lei n.º 37/2003 obriga à reposição das verbas indevidamente recebidas, apenas às mesmas acrescendo juros de mora, de acordo com a taxa legal em vigor (hoje, a acima apontada de 4%) e não qualquer outra mais desfavorável ao aluno. Se assim é em caso de fraude, tem-se mais um motivo para descortinar a solução pretendida pela Lei n.º 37/2003, numa hierarquização de valores indiscutível.
Poderá argumentar-se com a eficácia dissuasória que uma taxa de 4% ao ano terá ou não em comportamentos omissivos. Estou em crer que, para a esmagadora maioria dos alunos, a regularidade da sua situação escolar é motivo bem mais premente para a regularização dos pagamentos em causa do que a ameaça pecuniária.
Contudo, mesmo que assim não seja, uma argumentação neste plano, por mais atendível que fosse, não pode seguramente comportar soluções como as vertidas no mencionado Despacho n.º 92/2008, sem a mínima correspondência com a lei, cujo estrito respeito se impõe a essa Universidade.
3. Em face de todo o exposto, a par da ponderação sugerida no ponto 2.1. desta minha iniciativa e sem prejuízo das reformas em curso em matéria do regime jurídico das instituições de ensino superior, designadamente, no que ao regime de propinas nas instituições de ensino superior públicas concerne (v. art.º 9.º, n.º 5, alínea h), da Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro), recomendo a V.ª Ex.ª, ao abrigo do disposto no art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,
que seja adoptada solução normativa diversa, desde já devendo ser corrigidas as situações pendentes, em matéria de penalização pelo incumprimento do prazo no pagamento das propinas, aplicando-se a taxa de juro legal, fixada na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
Na expectativa do que o que acima fica exposto venha a merecer o acolhimento que se me afigura desejável, muito agradeço a V.ª Ex.ª que oportunamente me transmita o que houver por conveniente a respeito do teor da presente Recomendação.
O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues
Data: 27-05-2009
Entidade visada: Reitor da Universidade de Évora
Assunto: Incumprimento do prazo de pagamento de propinas. Juros de mora.
Processo: R-2278/09 (A6)
Recomendação n.º 3 /B/2009
[art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]
1. Foi recebida uma exposição no interesse do aluno da Universidade de Évora do curso de Educação Física e Desporto, XX, com o n.º Y, a quem alegadamente os Serviços Académicos dessa Universidade terão negado a emissão de documento comprovativo da respectiva situação escolar, destinado a instruir procedimento de concessão de bolsa de estudo a favor de uma irmã, igualmente aluna da Universidade de Évora.
Escuso-me a reproduzir aqui, por desnecessário, os detalhes da situação, atento o conhecimento que V.ª Ex.ª terá já da situação, objecto que foi de reclamação no competente livro de reclamações, bem como de requerimento escrito junto dessa instituição de ensino superior.
2. Analisados os termos da exposição que me foi endereçada, são dois os aspectos que suscitam a minha atenção.
2.1. O primeiro concerne à circunstância de ao aluno em apreço ter sido negada a obtenção de documento comprovativo da respectiva situação escolar, com fundamento no facto de o mesmo ser devedor da quantia de € 24,30, devida a título de juros de mora pelo pagamento fora do prazo fixado, da 3.ª prestação das propinas (devida no mês de Março).
Sendo certo não ser idêntica a situação de incumprimento no pagamento das propinas e a de incumprimento no pagamento de juros (encontrando-se, todavia, neste caso, regularizado o débito relativo ao montante da propina), considero merecedora de diferente ponderação a “sanção” pelo comportamento omissivo em causa, não se me afigurando porventura razoável, na presente factualidade, a não emissão do documento pretendido, com base no fundamento invocado. Se o aluno não tivesse efectuado o pagamento de propinas à data do pedido de certificação, nada teria a opor; estando em causa, não o pagamento das mesmas, mas sim de quantia diminuta, parece-me desproporcionada a conduta assumida.
Razão pela qual sugiro, desde já, que o assunto possa merecer a reflexão de V.ª Ex.ª, no sentido de uma composição mais equilibrada dos distintos interesses em causa, não apenas no caso concreto, mas também antecipando situações análogas que, no futuro, possam ocorrer.
2.2. O segundo aspecto a merecer a minha atenção respeita ao teor das determinações constantes do Despacho de V.ª Ex.ª, com o n.º 92/2008, de 27 de Agosto, no que tange ao pagamento fora de prazo das propinas de formação inicial 2008/2009 e cujos termos aqui reproduzo:
I. Valor e Prazo de Pagamento
O pagamento das propinas fora de prazo fixado estará sujeito ao pagamento de uma quantia adicional, calculada sobre o montante em dívida, para todos os casos, nos seguintes termos:
a) O pagamento de cada prestação inicia-se no 6.º dia após o fim do prazo fixado para cada uma das prestações e é onerado em 10% sobre o montante em dívida da respectiva prestação e de 20% sobre o montante em dívida das anteriores.
b) O pagamento de cada prestação só poderá ser efectuado se todas as anteriores estiverem regularizadas, ou caso isso não aconteça, em simultâneo com a liquidação do montante total em dívida.
c) O pagamento após 31 de Julho e até 31 de Agosto de 2009 é acrescido, em todos os casos, de 20% sobre o montante em dívida.
d) A partir de 1 de Setembro, início do novo ano escolar, o montante em dívida será acrescido de 30%.
Começo por prevenir que não é a primeira vez que sou chamado a pronunciar-me sobre a questão do alcance da penalização pecuniária por incumprimento do prazo de pagamento de propinas . Assim, como tive oportunidade de referir noutra ocasião a este propósito:
Importa notar que a Lei n.º 37/2003, de 22 de Agosto, no seu art.º 29.º, estabelece, em caso de incumprimento de pagamento da propina, para além da nulidade de todos os actos curriculares praticados, a “suspensão da matrícula e da inscrição anual (…) até à regularização dos débitos, acrescidos dos respectivos juros, no mesmo ano lectivo em que ocorreu o incumprimento da obrigação.”
Este normativo sancionatório não é isento de dúvidas em vários aspectos, o que tenho apontado ao Governo, para adequada correcção. Entre essas dúvidas encontra-se a ausência de fixação expressa de uma taxa de juro, o que, a suceder, evitaria incertezas e contribuiria para fazer cessar esquemas sancionatórios ainda vigentes em várias instituições, herdeiras de soluções legais diferentes, como era a da responsabilidade contra-ordenacional, prevista pela Lei 20/92, de 14 de Agosto.
Na verdade, a lei, hoje, não permite a construção de qualquer figura contra-ordenacional, com o estabelecimento de coimas, e muito menos o recurso à figura da multa, aliás extinta recentemente fora do âmbito penal.
Para além de efeitos no plano meramente jurídico, de cominação de nulidade para certos actos, a sanção hoje possível é do âmbito civil, reduzindo-se ao recebimento de juros. (…)
Nesse sentido dispõe o citado Despacho n.º 92/2008, ao conter determinação sobre o “pagamento de uma quantia adicional”, devida pelo não pagamento atempado das propinas, o que, ninguém duvidará, consubstancia a fixação de taxas de juros moratórios.
Não se questiona, obviamente, no plano das obrigações de juros, os efeitos da mora nas obrigações pecuniárias, atentos os princípios informadores do nosso ordenamento jurídico. Sem embargo, não posso deixar de expressar a minha perplexidade em face da solução constante do mencionado Despacho reitoral, considerando as distintas percentagens previstas, para efeitos do cálculo dos juros de mora, a cobrar aos estudantes inadimplentes.
Na verdade, tal como me expressei já a propósito de caso com contornos análogos:
(…) não pondo em causa a possibilidade e mesmo a necessidade de se estabelecerem sanções pecuniárias para situações (…) de atrasos no pagamento de propinas, não creio que a concretização desta norma regulamentar (…) suporte o confronto com as taxas de juro hoje legalmente previstas, para os fins mais diversos.
No ensinamento do Professor Antunes Varela, o «montante [dos juros] varia em função de três factores, que são: a) o valor do capital devido; b) o tempo durante o qual se mantém a privação deste por parte do credor; c) a taxa de remuneração fixada por lei ou estipulada pelas partes» (VARELA, João de Matos Antunes. Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª ed., Coimbra: Almedina, 2005, p. 870). Versando ainda sobre a taxa de juros, refere o Autor que a mesma «exprime-se normalmente numa percentagem sobre o capital, por determinado período de tempo (usualmente um ano). Nada impede, porém, que a taxa se exprima por outra forma e se reporte a um período diverso de tempo», para logo acrescentar o seguinte: «[o] que a partes não podem, por imperativo legal inspirado em razões de moralidade pública, é exceder certos limites, na fixação dessa taxa. Desde há muitos séculos que as leis combatem a usura: primeiro, proibindo pura e simplesmente o vencimento de juros, a pretexto de que o dinheiro não frutificava por si (…); mais tarde, estabelecendo limites rígidos à taxa estipulada pelas partes, sob a cominação de sanções severas, que abrangiam as diversas formas pelas quais os interessados têm pretendido defraudar as regras estabelecidas. O Código [Civil] vigente não só estabeleceu os limites máximos que separam o mútuo oneroso (lícito) dos negócios usurários, como fixou a taxa dos juros legais, a qual vale supletivamente para os próprios juros voluntários (estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo)» (in ob. cit., pp. 871-872).
A esta luz, tomando como referência a taxa anual dos juros legais e dos estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo, fixada em 4% através da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, ao abrigo do disposto no art.º 559.º, n.º 1, do Código Civil, não posso, por conseguinte, deixar de considerar absolutamente desproporcionados os valores fixados no Despacho n.º 92/2008.
Não será excessivo afirmar que os valores em causa levariam, no âmbito civil, à aplicação do disposto nos art.os 559.º-A e 1146.º do Código Civil, sobre juros usurários; num outro contexto e comprovados outros elementos tipificados na lei, o credor de semelhantes juros poderia certamente recair sob a alçada do art.º 226.º do Código Penal, relativo ao crime de usura.
Resulta, pois, do exposto que as taxas contestadas excedem, de facto, em muito o valor da taxa de juro legal, para a qual aponta, no meu entendimento, a Lei n.º 37/2003, cujo art.º 29.º vem, de resto, reproduzido no ponto V-5 do Despacho n.º 78/2008, de 25 de Julho, subscrito igualmente por V.ª Ex.ª.
Na verdade, segundo tem sido minha firme convicção:
(…) num caso que não pode deixar de se considerar mais grave do que a simples mora, isto é, quando há fraude em declarações prestadas com vista a obter apoio da acção social escolar, o art.º 31.º da Lei n.º 37/2003 obriga à reposição das verbas indevidamente recebidas, apenas às mesmas acrescendo juros de mora, de acordo com a taxa legal em vigor (hoje, a acima apontada de 4%) e não qualquer outra mais desfavorável ao aluno. Se assim é em caso de fraude, tem-se mais um motivo para descortinar a solução pretendida pela Lei n.º 37/2003, numa hierarquização de valores indiscutível.
Poderá argumentar-se com a eficácia dissuasória que uma taxa de 4% ao ano terá ou não em comportamentos omissivos. Estou em crer que, para a esmagadora maioria dos alunos, a regularidade da sua situação escolar é motivo bem mais premente para a regularização dos pagamentos em causa do que a ameaça pecuniária.
Contudo, mesmo que assim não seja, uma argumentação neste plano, por mais atendível que fosse, não pode seguramente comportar soluções como as vertidas no mencionado Despacho n.º 92/2008, sem a mínima correspondência com a lei, cujo estrito respeito se impõe a essa Universidade.
3. Em face de todo o exposto, a par da ponderação sugerida no ponto 2.1. desta minha iniciativa e sem prejuízo das reformas em curso em matéria do regime jurídico das instituições de ensino superior, designadamente, no que ao regime de propinas nas instituições de ensino superior públicas concerne (v. art.º 9.º, n.º 5, alínea h), da Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro), recomendo a V.ª Ex.ª, ao abrigo do disposto no art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,
que seja adoptada solução normativa diversa, desde já devendo ser corrigidas as situações pendentes, em matéria de penalização pelo incumprimento do prazo no pagamento das propinas, aplicando-se a taxa de juro legal, fixada na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
Na expectativa do que o que acima fica exposto venha a merecer o acolhimento que se me afigura desejável, muito agradeço a V.ª Ex.ª que oportunamente me transmita o que houver por conveniente a respeito do teor da presente Recomendação.
O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues