RECOMENDAÇÃO N.º 4/A/2002
(Artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)


Entidade visada: Administrador-Delegado do Centro Nacional de Pensões
Nossa Ref.ª – Proc.º: R – 4263/01
Data: 2002/03/19
Área: A3


Assunto: Atribuição indevida de pensão por velhice; falta de prazo de garantia; revogação de acto administrativo de atribuição de prestações continuadas inválido; reposição das quantias indevidamente pagas.


 


– Enunciado –


1. A beneficiária n.º XXXXXX – MC – solicitou a intervenção da Provedoria de Justiça, na sequência da decisão desse Centro Nacional de Pensões de suspensão, com efeitos a partir de Julho de 2001, dos pagamentos relativos à sua pensão por velhice e consequente necessidade de reposição das pensões recebidas indevidamente, no valor de Esc. 749 310$00 (euro 3737).


2. Verifica-se que a reclamante – de 67 anos de idade – exerceu actividade profissional como trabalhadora independente (esteticista) e tendo sido informada pelos Serviços de Segurança Social do Porto, de que reunia as condições para atribuição da pensão por velhice, apresentou o respectivo requerimento, em 5.01.2000.


3. Em 13.04.2000 foi informada, pelo Centro Nacional de Pensões, do deferimento da pensão provisória de velhice, com efeitos reportados a 5.01.2001. Concluído assim o processo de reforma, cessou a sua actividade profissional no Porto, encerrou o respectivo estabelecimento e transferiu a sua residência para Lisboa.


4. Por ofício datado de 21.06.2001, esse Centro comunica à reclamante que feita a revisão à sua pensão provisória de velhice, se concluiu que à data da sua concessão, não estavam reunidas as condições para a sua atribuição, em especial, o prazo de garantia. Com efeito, veio a apurar-se que a carreira contributiva da beneficiária é de apenas 13 anos.


5. Com vista a melhor esclarecer os factos, este órgão do Estado auscultou o Centro Nacional de Pensões, tendo obtido a resposta constante do ofício n.º 35087, de 1.09.2001, cuja cópia junto em anexo para mais fácil localização e sobre o qual recairá a apreciação que farei de seguida.


– Apreciação –


I. Pensão Provisória de Velhice


Pode ler-se no ofício aqui causa a seguinte afirmação “dado o carácter provisório da pensão da beneficiária este Centro Nacional de Pensões estava em condições de exigir o indevidamente recebido”.


Salvo melhor opinião, o carácter provisório das pensões de velhice não pode fundamentar a possibilidade de revogação, sem mais, de actos de atribuição de pensão e, menos ainda, a reposição dos montantes indevidamente recebidos.


Com efeito, as pensões de velhice só poderão, nos termos da lei, ser provisórias quanto ao seu montante e nunca quanto ao reconhecimento do próprio direito, sob pena de desrespeito pelo artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro, o qual dispõe que a atribuição da pensão provisória de velhice depende de os beneficiários satisfazerem, à data do requerimento, as condições de atribuição da pensão de velhice.


Trata-se, portanto, de uma contradição insanável dizer-se que é possível revogar livremente o acto de atribuição de uma pensão provisória de velhice – até à sua conversão em definitiva – com o fundamento de que o beneficiário não dispunha de prazo de garantia.


Ora, se o prazo de garantia é condição de atribuição da pensão de velhice ao abrigo do artigo 21.º do mesmo diploma, não se vislumbra como é possível atribuir uma pensão de velhice de carácter provisório, sem ofender directa e inexoravelmente o já mencionado artigo 70.º.


Nestes termos, o acto de atribuição de uma pensão provisória de velhice revestirá sempre a natureza de acto administrativo definitivo e não, como parece ser o entendimento desse Centro, de acto administrativo provisório.


Esta conclusão tem evidentes e importantes reflexos no regime de revogação das pensões provisórias de velhice, revelando-se abusivo afirmar em casos como o presente que os prazos de revogação se contam desde a data da decisão definitiva, sendo que não se chegou a verificar a passagem da pensão provisória a definitiva.


Refira-se a este propósito que o período de tempo que medeia entre a data de atribuição da pensão provisória de velhice e a passagem da mesma a pensão definitiva, não consubstancia, nem poderá consubstanciar, um prazo para verificação das condições de atribuição da pensão, uma vez que a pensão provisória de velhice já as pressupõe. Serve apenas e só para determinar, com exactidão, o montante da pensão definitiva, insusceptível de apuramento imediato.


A corroborar esta ideia, veja-se o teor do artigo 73.º do Decreto-Lei n.º 329/93: determinado o montante da pensão definitiva, a instituição procede de imediato ao acerto do respectivo valor com o montante da pensão provisória.


O regime de revogação dos actos de atribuição de pensões provisória de velhice não poderá, portanto, ser outro que aquele aplicável à generalidade dos actos administrativos e que decorre da conjugação do disposto no artigo 75.º da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, no Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de Abril e no Despacho n.º 143-I/SESS/92. II. Prestações Indevidas


No seguimento da conclusão anterior e aplicando ao caso concreto o regime jurídico das prestações de segurança social indevidamente pagas, verifica-se o seguinte: 



As mensalidades pagas à ora reclamante a título de pensão provisória de velhice deverão ser consideradas prestações indevidas, porquanto foram concedidas sem a observância das condições determinantes da sua atribuição, em especial, sem que estivesse reunida a condição do prazo de garantia (cfr. alínea a) do número 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 133/88 e alínea a) do ponto II do acima referido Despacho).


Estamos, portanto, em presença de um acto administrativo ilegal de atribuição de prestações, em regra revogável pelo prazo de um ano (cfr. artigo 15.º do DL 133/88 e n.º 1 do artigo 75.º da Lei n.º 17/2000).


Tendo em conta que o prazo de revogação se conta a partir da data em que o acto foi praticadomesmo que os seus efeitos se reportem a momentos anteriores – como é o caso – cfr. artigo 16.º do DL 133/88 – importa enquadrar os factos ocorridos: 



– o deferimento da pensão provisória de velhice aqui em causa ocorreu em 13.04.2000;
– com efeitos reportados a 5.01.2000;
– o lapso só foi detectado por esses Serviços, em Junho de 2001;
– tendo sido decidido proceder à suspensão dos pagamentos em Julho de 2001.


Da cronologia acima apontada, resulta que a ilegalidade do acto de atribuição do direito à prestação só foi detectada em Junho de 2001, logo, depois de decorrido o prazo normal de revogação, o qual foi atingido em 13.04.2001.


Antes da entrada em vigor da actual Lei de Bases, esta circunstância implicaria a convalidação do acto e, consequentemente, a não exigibilidade do indevidamente prestado. (cfr. n.º 1 do ponto IV do Despacho n.º 143-I/SESS/92).


Tendo em conta, porém, que a pensão de velhice reveste a natureza de prestação continuada é-lhe igualmente aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 15.º do DL 133/88, no número 2 do ponto IV do Despacho n.º 143-I/SESS/92 e bem assim no n.º 2 do artigo 75.º da Lei 17/2000, ou seja, aceita-se que o acto de atribuição da prestação seja revogado – ainda que ultrapassado o prazo de um ano – sendo que essa revogação só poderá ter eficácia para o futuro.III. Consequências Jurídicas no Caso Concreto


Em face de todo o exposto, mal compreendo como pode esse Centro Nacional de Pensões, por ofício datado de 21.06.2001, vir exigir à beneficiária n.º XXXXXX a reposição das quantias recebidas a título de pensão de velhice. Menos ainda compreendo porque motivo se procedeu ao apuramento do montante em dívida – Esc. 749 310$00 – com início a partir de 10/99, sendo pacífico que a Senhora D. M C só em 13.04.2000 viu deferida a pensão, com efeitos reportados a 5.01.2000.


Com efeito e de acordo com o normativo já analisado, existiu fundamento legal para a cessação imediata dos pagamentos, ocorrida em 7/2001 (cfr. artigo 5.º do DL 133/88).


Contudo, não existe qualquer cobertura jurídica para a exigibilidade das prestações indevidamente recebidas, uma vez que a revogação concretizada após ultrapassado o prazo de um ano, apenas produz efeitos ex nunc (cfr. n.º 2 do artigo 75.º da Lei n.º 17/2000).


A não se entender assim, o regime do recebimento indevido de prestações tornar-se-ia demasiado gravoso para os cidadãos, abrindo caminho à descrença na actuação da Administração Pública, afinal susceptível de dar azo a erros tão evidentes como o presente.


Note-se que não impendia sobre a beneficiária o dever de conhecer a duração da sua carreira contributiva. É aos Serviços de Segurança Social e, em última análise, ao Centro Nacional de Pensões que cumpre manter um registo actualizado destes dados e divulgá-los junto dos interessados, sempre que solicitado.


Ora, um erro deste tipo – qualificável como erro sobre os pressupostos de facto da atribuição da pensão de velhice – não poderá ser imputado aos beneficiários, sendo certo que estes não estão, neste âmbito, vinculados a qualquer obrigação específica de informação.


IV. Conclusões


A situação assim criada é tanto mais grave, quanto se verifica que a beneficiária – de 67 anos de idade – cessou completamente a sua actividade como trabalhadora independente, após tomar conhecimento do deferimento da pensão de velhice.


A consolidação deste direito na sua esfera jurídica é inquestionável, demonstrando-se claramente abusivo pretender essa Instituição – catorze meses depois e à revelia da lei – emendar o lapso fazendo repercutir todos os prejuízos dela decorrentes sobre a pensionista.


Considero lamentável que factualidades destas possam ocorrer e mais lamentável ainda que os beneficiários sejam chamados – ao abrigo de um ofício de teor semelhante àquele enviado à reclamante, em 21.06.2001 – a suportar todos os prejuízos da sua correcção.


Mais do que o princípio da legalidade, foi aqui gravemente posto em causa o princípio da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos (cfr. artigo 4.º do CPA). Com maior acuidade ainda, porque em nenhuma fase do procedimento descrito, há evidência de ter o CNP procurado encaminhar a reclamante para uma protecção social alternativa – rendimento mínimo garantido, pensão social, etc..


Tudo se ficou pela mera relação credor/devedor, absolutamente alheia à desigualdade patente entre os intervenientes, a qual deverá distinguir a actuação da Administração Pública de um Estado de Direito daquela de simples particulares entre si, envolvidos numa relação puramente contratual.








Em face de todo o exposto, devo exercer o poder que me é conferido pela disposição compreendida no art. 20.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril e, como tal, RECOMENDAR a V. Exa.:



a) que se digne reapreciar a situação aqui em crise à luz do normativo vigente, dele retirando todas as consequências jurídicas que se impõem, designadamente, a anulação da nota de reposição emitida – no valor de Esc. 749 310$00 – e consequente reconhecimento da inexigibilidade daquela quantia;


b) que intervenha junto dos seus Serviços de forma a evitar que, de futuro, se repitam situações com estes contornos, em especial, que se exija dos beneficiários a restituição de quantias indevidamente recebidas, sempre que a revogação do respectivo acto de atribuição ocorra fora do prazo estabelecido na lei geral para esse efeito;


c) que sejam emitidas orientações e adoptados procedimentos mais adequados, de modo a que os Serviços desse Centro assegurem o cumprimento rigoroso das condições e requisitos para concessão dos diferentes benefícios sociais, como forma de precaver a atribuição de prestações indevidas e


d) que envide esforços, no sentido da célere organização das bases de dados nacionais previstas na alínea b) do artigo 91.º da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, como meio de contribuir para uma correcta atribuição das prestações sociais por parte desse Centro.


Queira V. Exa., em cumprimento do dever consagrado no art. 38.º, n.º 2 do Estatuto do Provedor de Justiça, dignar-se informar sobre a sequência que o assunto venha a merecer.


Com os melhores cumprimentos.


O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues