RECOMENDAÇÃO N.º 4/B/2002
[Art. 20º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]
Entidade visada: Sua Excelência o Ministro da Cultura
Nossa Ref.ª – Proc.º: R-1537/95
Data: 2002/09/30
Assunto: Direitos de autor e Recepção, em estabelecimentos abertos ao público, de emissões de rádio ou de televisão.
I – Exposição de motivos
1. Tenho a honra de me dirigir a Vossa Excelência, na sequência da apreciação de múltiplas reclamações que nos vêm sendo apresentadas sobre a recepção de emissões de rádio e de televisão em estabelecimentos abertos ao público, tais como cafés, restaurantes, bares, hotéis, entre outros afins, de modo acessível a todos os que frequentem tais espaços.
2. Trata-se nomeadamente, de questionar a necessidade da sujeição a autorização, por parte dos autores das obras radiodifundidas, representados pela Sociedade Portuguesa de Autores, da recepção de tais emissões, de par com a remuneração exigida para o efeito.
3. Esta questão vem constituindo objecto de insistentes pedidos de intervenção apresentados a este Órgão do Estado, essencialmente, por parte de responsáveis pela exploração de pequenas unidades de restauração.
4. Precedentemente, houve lugar à tomada de posição de um antecessor de Vossa Excelência, por intermédio de S. Exa. a então Secretária de Estado da Cultura, Dra. Catarina Vaz Pinto (1), tendo sido instruído o processo com os elementos facultados pelo seu Gabinete, dos quais ressalta a informação nº61/GDA/99, do Gabinete de Direito de Autor. Procedemos ainda à audição da Sociedade Portuguesa de Autores, por depoimento escrito e pessoal do seu presidente, o Senhor Dr. Luiz Francisco Rebelo.
5. Para além de considerarem abusiva a necessidade de autorização, liquidação e cobrança, os reclamantes apontam a existência de uma situação de insegurança em resultado da interpretação e aplicação tergiversantes das normas legais pertinentes; incerteza essa que corresponde a duas correntes doutrinárias e jurisprudenciais divergentes, determinando um desigual tratamento de situações absolutamente idênticas com manifesto prejuízo para a previsibilidade pressuposta pela unidade da ordem jurídica, como garantia da paz social e do regular funcionamento do mercado.
6. Esta situação diz-se particularmente agravada pelo facto de as normas do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos (2) (CDADC), constantes do art. 68º, nº 2, alínea e), (onde se define a comunicação pública enquanto forma de utilização da obra, para fins de sujeição a autorização do autor), e do art. 149º, n.ºs 2 e 3 (sujeita a autorização prévia do autor a comunicação da sua obra em lugar público), constituírem o pressuposto da aplicação da norma penal do art. 195º, nº 1, do mesmo Código (define o crime de usurpação como sendo a utilização de uma obra sem a referida autorização), na medida em que delimitam o âmbito da sujeição a autorização das utilizações da obra referidas.
7. As duas correntes interpretativas em confronto – e que extravasam para além da controvérsia dogmática – podem ser sintetizadas da seguinte forma:
a) A primeira posição surge consagrada no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República (PGR) n.º 4/92, de 28 de Maio (3), e é sustentada por um importante sector da doutrina nacional (4).
i. Esta tese assenta no princípio da liberdade de recepção das emissões, propugnando que a mera recepção de transmissões radiofónicas ou televisivas, ainda que em lugar público ou aberto ao público, desde que destituída de uma acção autónoma visando a transmissão ao público das emissões recebidas, não constitui “comunicação ao público” das obras recebidas, para efeitos de preenchimento da previsão dos tipos legais acima referidos.
ii. De acordo com esta orientação, para ocorrer um acto de transmissão a terceiros, distinto da mera recepção, é necessário que se indicie suficientemente uma acção especificamente vocacionada para esse fim, traduzida, nomeadamente, no emprego de dispositivos técnicos suplementares aos dos aparelhos de recepção.
iii. Assim, de acordo com este entendimento, o disposto no art. 149º, nº2, do CDADC, deve ser conjugado com o art. 155º, do mesmo Código (norma que atribui ao autor o direito a uma remuneração pela comunicação pública da obra através de altifalante ou instrumento análogo transmissor), com o disposto no art. 151º (que se refere à instalação dos instrumentos necessários para a transmissão no lugar “onde deva realizar-se a radiodifusão ou comunicação prevista no art. 149º”) e, por fim, com o art. 4º, do Decreto-Lei n.º42 660, de 20 de Novembro de 1959 (5) (estabelecendo as condições em que a recepção de emissões de radiodifusão sonora ou visual deve ser considerada como espectáculo público, para efeitos de aplicação do respectivo regime jurídico).
iv. Daqui resulta, para os defensores desta tese, a ideia de que a recepção pública da obra apenas constituirá um acto de comunicação quando envolva uma “nova utilização ou aproveitamento organizados, designadamente através de procedimentos técnicos diversos dos que integram o próprio aparelho receptor, como, por exemplo, altifalantes ou instrumentos análogos, transmissores de sinais, sons ou imagens, incluindo as situações a que se reportam os artigos 3º e 4º do Decreto-Lei n.º 42 660, de 20 de Novembro de 1959” (6).
v. O mesmo entendimento, coerentemente, opõe-se à aplicação directa do art. 11 bis n.º 1, da Convenção de Berna, Relativa à Protecção das Obras Literárias e Artísticas (7), alegando tratar-se de uma mera imposição legiferante, a qual confere aos Estados Partes ampla discricionariedade na transposição para os ordenamentos jurídicos internos (art. 11 bis, n.º 2).
b) A segunda orientação, por seu turno, baseia-se na interpretação literal do disposto nos arts. 68º, nº2, alínea e), 149º, nºs 2 e 3, do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, e do art. 11 bis /1 da Convenção de Berna:
i. Assim, aponta-se, desde logo, o argumento de que esta questão se reconduz ao cerne do direito do autor à remuneração da obra, situada fora da margem de discricionariedade concedida aos Estados e prevalecendo, como tal, sobre o direito interno ordinário desconforme, nos termos do disposto no art. 11 bis, n.º2, da Convenção de Berna, e no art. 8º, nº2, da Constituição.
ii. Para além do teor literal das disposições em causa (e, sobretudo, da definição constante do art. 149º, nº 2, do Código, bem como da sua articulação com o art. 108º, nº2, do mesmo), esta tese louva-se na ausência de distinção entre comunicação ao público e recepção sempre que esta tenha lugar de modo a ser acessível ao público.
iii. Considera artificial a distinção entre meios de transmissão (de sons, imagens ou sinais) próprios do aparelho receptor e aqueles que lhe são alheios ou adicionais.
iv. Insiste-se, pelo contrário, na distinção entre recepção em lugar privado (i.e., em ambiente familiar ou similar) – onde a comunicação operada pelo aparelho tem sempre por destino um círculo restrito – e a recepção em lugar público ou aberto ao público – onde a comunicação operada pelo aparelho receptor terá uma utilização alargada e servirá de apelo ou incentivo à frequência de clientes.
v. Este segundo entendimento, a favor da exigência de autorização e remuneração, nos casos de comunicação em lugar público ou aberto ao público, para além de obter apoio doutrinário nacional (8), parece corresponder à corrente dominante na doutrina internacional relativa à interpretação da Convenção de Berna (9).
vi. Foi também esta a doutrina acolhida em posição tomada pela Comissão Europeia, em 11 de Dezembro de 1998 (10), no sentido de propor, junto das instâncias da Organização Mundial do Comércio (OMC), uma acção contra os Estados Unidos da América, visando a eliminação do obstáculo ao comércio livre que considera subsistir por força da secção 110, § 5º, do Copyright Act daquele país, uma vez que a disposição em causa consagra algumas excepções à proibição da comunicação pública da obra radiodifundida, em casos como cafés e restaurantes, mediante o preenchimento de certas condições), precisamente por violação do disposto no art. 11 bis da CB.
vii. É igualmente apontado, pelos defensores desta posição, um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria -Geral da República. Não, naturalmente, o já citado parecer n.º 4/92, mas o parecer n.º 35/69, de 31 de Julho de 1969 (11).
8. Como já foi referido, a jurisprudência nacional, em sede de responsabilidade civil delitual, parece longe da uniformidade nesta matéria. Assim:
a) O Tribunal da Relação de Coimbra tem-se pronunciado constantemente a favor da sujeição à autorização, por parte dos autores das obras radiodifundidas, da recepção/comunicação de emissões de rádio e de televisão em causa (12).
b) A jurisprudência recenseada no Tribunal da Relação de Évora, pelo contrário, é pacífica no sentido da inexigibilidade de tal autorização (13).
c) Já no Tribunal da Relação do Porto pudemos registar decisões reflectindo ambas as orientações (14).
d) Da pesquisa à base de dados do Tribunal da Relação de Lisboa (15) apurar-se-ia uma decisão favorável à inexigibilidade da autorização (16).
e) Não se conhecem decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça, especificamente sobre a questão controvertida (17).
9. Na vertente criminal, todavia, a falta de uniformidade da jurisprudência quanto aos fundamentos contrasta com uma curiosa situação de uniformidade, no que respeita ao sentido das decisões:
a) em todos os casos registados, os acórdãos dos Tribunais de 2ª instância decidiram no sentido da absolvição dos arguidos.
b) Com efeito, mesmo nas decisões onde se reconhece a exigibilidade de autorização reconhece-se expressamente que os arguidos agiram sem culpa, por se encontrarem em estado de dúvida legítima relativamente à obrigatoriedade de autorização em causa, erro esse que vem sendo reiteradamente considerado desculpável (art. 17º do Código Penal).
c) De acordo com o exposto na generalidade destas últimas decisões, o estado de dúvida – e o carácter não censurável do erro daí resultante – têm por causas: a existência de duas correntes doutrinárias opostas, a respeito da interpretação das normas em causa; o facto de a posição contrária à obrigatoriedade de autorização ser sustentada ao mais alto nível, nomeadamente, pelo Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 4/92; e, ainda, a circunstância de os arguidos, em estado de dúvida, terem procurado conselho junto das respectivas associações profissionais, as quais os informaram no sentido da inexistência de tal obrigatoriedade.
d) Pode ver-se, por todos, o que ficou expresso nos fundamentos do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13 de Abril de 1994 (Proc. 536/93):
«Das disposições legais já indicadas, assim como do artigo 11º bis da Convenção de Berna, para a protecção das obras literárias e artísticas, a que Portugal aderiu, há pois que concluir que a mera recepção de emissões de radiodifusão sonora ou visual da obra, em qualquer lugar público, consubstancia um acto de comunicação dependente de autorização das obras literárias e artísticas apresentadas, atribuindo-lhes o direito a remuneração, para além da que é devida pelo organismo difusor (neste sentido conf. O citado acórdão de 11 de Fevereiro do ano em curso).
Apesar de assim ser, entendemos que o arguido não cometeu o crime de usurpação, previsto e punido naqueles artigos 195º e 197º, ainda o crime em causa seja punível tanto a título de dolo como de negligência, uma vez que, nos termos do artigo 17º do Código Penal, age sem culpa quem actua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável.
E isto porque consideramos que o arguido agiu em estado de dúvida, não merecendo qualquer tipo de censura penal.
Com efeito, os órgãos de comunicação social têm-se feito eco das divergências existentes nesta matéria entre várias entidades e personalidades, nomeadamente, entre a Sociedade Portuguesa de Autores e a Confederação do Comércio Retalhista Português (…).
Outrossim, é do conhecimento público que esta última entidade informa os seus associados de que deveriam seguir a sua posição.
Por tais motivos, considera-se que o arguido, ao actuar como actuou em matéria tão duvidosa, agiu sem culpa, sendo de salientar que no próprio Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, em 31 de Julho de 1969, foi votado parecer em sentido contrário ao emitido no citado parecer n.º 4/92…»
10. Verifica-se, também, que os mecanismos de natureza administrativa e judiciária vocacionados para fazer face a este tipo de desarmonia de entendimentos não terão logrado, até hoje, ultrapassá-la.
11. Antes de mais, observa-se que os pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República revelam-se, no caso vertente, inadequados para esse fim. Com efeito, mesmo quando sejam homologados pelo Governo, estes pareceres não vinculam os destinatários das normas em causa – entidades privadas, como os autores, a Sociedade Portuguesa de Autores, os proprietários dos estabelecimentos em causa e as respectivas associações profissionais – assim como também não vinculam os tribunais que são chamados a aplicar essas normas.
12. Por sua vez, os mecanismos judiciários – nomeadamente, os de harmonização de julgados – não parecem ter logrado atingir um mínimo de estabilidade.
13. De resto, a falta de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, especificamente sobre esta questão, poderá ter ficado a dever-se, ora no plano criminal, à unanimidade verificada em todas as decisões da 2ª instância que, reconhecendo embora a necessidade de autorização, admitem o erro não censurável dos arguidos, ora no plano civil, por conta do diminuto valor patrimonial de grande parte das acções interpostas.
14. Transmite-se, destarte, uma dúvida persistente a respeito do modelo de comportamento a adoptar pelos cidadãos, à luz das normas referidas, o que parece dificilmente tolerável, no quadro de um Estado de direito.
15. Com efeito, o princípio da segurança jurídica, decorrente do princípio do Estado de direito consagrado no art. 2º da Constituição, tem por postulado o princípio da precisão ou determinabilidade dos actos normativos, o qual implica a exigência de clareza das leis (18). Como refere Gomes Canotilho, na obra e local citados, «de uma lei obscura ou contraditória pode não ser possível, através da interpretação, obter um sentido unívoco capaz de alicerçar uma solução jurídica para um problema concreto.»
16. Ora, parece indiscutível que, no caso vertente, mais do que uma simples divergência entre duas correntes hermenêuticas – cujo teor e legitimidade não se contestam – o que está em causa é o facto de os mecanismos destinados a prover pela estabilidade na interpretação e aplicação do direito pelos tribunais não terem logrado resolver o estado de incerteza decorrente dessa divergência interpretativa.
17. Assim, quando os mecanismos judiciários próprios se revelam, em concreto, ineficazes para ultrapassar o estado de incerteza gerado pela possibilidade de interpretações diversas das mesmas normas, parece competir ao legislador, ao abrigo do referido princípio da segurança jurídica, o dever de melhorar a qualidade do direito legislado, procurando eliminar as dúvidas e imperfeições de que este possa padecer.
18. Ouvida a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), como já referi, pronunciou-se a mesma a favor da obrigatoriedade de sujeição a autorização e ao pagamento de remuneração, tendo-nos remetido elementos documentais vários em abono da posição defendida, de entre os quais se destacam pareceres de jurisconsultos, acórdãos dos Tribunais de Relação e do Tribunal Supremo de Espanha e, ainda, documentação relativa ao processo de condenação dos Estados Unidos da América, acima referido.
19. No decurso da instrução, são ainda de registar as comunicações dirigidas ao Provedor de Justiça pela Associação de Consumidores de Portugal e pela Confederação Internacional das Sociedades de Autores e de Compositores.
20. No já referido parecer vertido na informação nº61/GDA/99, do Gabinete de Direito de Autor, são apontadas as duas orientações interpretativas, acima referidas, parecendo indicada no seu teor, porém, uma posição favorável à exigibilidade de autorização e remuneração, em sentido consentâneo com a Sociedade Portuguesa de Autores.
21. Contudo, não deixaria de ficar sublinhada a complexidade da questão, a qual, no entender do autor do parecer, “merece um aprofundamento superior” a desenvolver “com outra e melhor acuidade” em momento posterior.
22. Foi igualmente admitida a possibilidade de se proceder à clarificação da questão “através da adopção de uma proposta legislativa que torne mais preciso e claro o entendimento legislativo proposto para a regulação nacional do que se dispõe na Convenção de Berna”, sendo que “um dos momentos propícios a essa alteração pontual do nosso Código [CDADC] poderá ocorrer com a próxima futura transposição da Directiva sobre o Direito de Autor na Sociedade de Informação, a qual está ainda em discussão na União Europeia, embora já próxima de uma posição comum.”
23. Verificamos que, entretanto, foi aprovada e entrou em vigor a Directiva n.º 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação (19).
24. Ali se contêm disposições especificas relativas aos assuntos em questão: o direito de comunicação de obras ao público (art. 3º), as excepções ou limitações a esse direito (art. 5º) e o quadro sancionatório (art. 8º), em termos que, não apenas justificam, mas, mais do que isso, incitam à reanálise das disposições de direito interno actualmente vigentes nessa matéria.
25. Nos termos do art. 13º desta Directiva, a sua transposição deverá encontrar-se consumada pelos Estados Membros até 22 de Dezembro de 2002.
II – Conclusões
I) Pelo exposto, verifico ocorrer uma reiterada e significativa divergência quanto à interpretação do disposto nos artigos 68º, n.º 2, alínea e), e 149º, n.ºs 2 e 3 do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, relativamente à necessidade de autorização, por parte dos autores das obras radiodifundidas, da recepção de emissões de radiodifusão em lugares abertos ao público como cafés, restaurantes, bares, hotéis, entre outros afins.
II) Observo, por outro lado, que os meios processuais para harmonização de julgados não se têm mostrado aptos a dissipar o estado de incerteza que, não apenas perturba a confiança que os cidadãos devem poder depositar na unidade do sistema jurídico, exigida pelo Estado de direito (art. 2º, da Constituição), como deixa vulnerada a situação da Sociedade Portuguesa de Autores, confrontada amiúde com a oposição judicialmente deduzida à liquidação das quantias que entende devidas por conta de compromissos para com os autores que representa.
III) De outro ângulo, não pode deixar de se mostrar inquietante a desigualdade de tratamento concedida aos proprietários de estabelecimentos abertos ao público com aparelhos de rádio e televisão, um pouco ao sabor da posição dominante nos diferentes distritos judiciais, por força da jurisprudência dos respectivos tribunais da Relação.
IV) Tudo aponta para que só a pronta intervenção do legislador possa ultrapassar a situação descrita, de modo a firmar, do modo menos equívoco possível, os pressupostos da necessidade de autorização para a comunicação de obras de autor em estabelecimentos de acesso ao público por meio da recepção de emissões televisivas ou radiofónicas.
V) A transposição da Directiva nº2001/29/CE, de 22 de Maio, parece, sem dúvida, constituir momento especialmente apropriado para o efeito.
***
Cumprindo ao Provedor de Justiça assinalar as deficiências de legislação que verificar, nos termos do disposto no artigo 20º, n.º 1, alínea b), do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, entendi junto de Vossa Excelência recomendar:
A ponderação, nos trabalhos preparatórios da transposição da Directiva n.º 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, da oportunidade e conveniência de uma medida legislativa tendente a interpretar autenticamente, ou mesmo a alterar, as normas do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos – nomeadamente, as contidas no artigos 68º, n.º 2, alínea e), 149º, n.ºs 2 e 3, e 155º – no sentido de estabelecer, da forma mais clara possível: i) se a recepção de emissões de rádio ou de televisão em lugares como cafés, restaurantes, hotéis, bares e estabelecimentos análogos abertos ao público está, ou não, sujeita a autorização específica dos autores das obras veiculadas nesses programas de rádio e televisão, em termos distintos da autorização concedida aos organismos difusores das referidas emissões; ii) e, se porventura forem admitidas situações em que a recepção referida na alínea anterior não esteja dependente de autorização, de procederem à definição precisa das condições em que tal possa ocorrer; iii) ainda, se a recepção de emissões de rádio ou televisão nos lugares supra referidos confere, ou não, o direito a uma remuneração específica dos autores das obras veiculadas através dessas emissões, em termos distintos da remuneração paga pelos organismos difusores; iv) e, caso seja prevista a dispensa, de procederem à definição precisa das condições em que tal possa ocorrer. |
Permito-me solicitar a melhor atenção para o disposto no art. 38º, nº2, do Estatuto do Provedor de Justiça, quando ali se dispõe o termo de 60 dias para comunicação a este Órgão do Estado sobre a posição que vier a ser assumida,
O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues
Notas de rodapé:
(1) Ofício nº1.501, de 10.12.1999, e ofício nº581, de 21.03.2000.
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(2) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 45/85, de 17 de Setembro, pela Lei n.º 114/91, de 3 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 332/97, de 27 de Novembro, e pelo Decreto-Lei n.º 334/97, de 27 de Novembro.
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(3) Publicado no Diário da República, II Série, de 16 de Março de 1993 e homologado por despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado da Distribuição e da Concorrência de 22.07.92 e por despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado da Cultura de 2.12.92.
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(4) Cfr., OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito de Autor e Direitos Conexos, Coimbra Editora, Coimbra, 1992, pp. 301-302 e 310-312. A mesma posição foi tomada em parecer de ALBERTO SÁ E MELO, referido na nota 2 do Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 4/92.
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(5) O Decreto-Lei n.º 42 660, de 20 de Novembro de 1959 foi, entretanto, objecto de revogação pelo Decreto-Lei n.º 315/95, de 28 de Novembro.
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(6) Conclusão 14ª do Parecer da PGR n.º 4/92.
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(7) Assinada em 9 de Setembro de 1886, completada em Paris em 4 de Maio de 1896, revista em Berlim em 13 de Novembro de 1908, completada em Berna em 20 de Março de 1914, e revista em Roma em 2 de Junho de 1928, em Bruxelas em 26 de Junho de 1948, em Estocolmo em 14 de Julho de 1967 e em Paris em 24 de Julho de 1971, e modificada em 2 de Outubro de 1979, aprovada para adesão pelo Decreto n.º 73/78, de 26 de Julho, doravante referenciada simplesmente como Convenção de Berna.
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(8) Cfr., os pareceres de ADELINO DA PALMA CARLOS, FERRER CORREIA e ALMENO DE SÁ, bem como de ANTÓNIO MARIA PEREIRA, in LUÍS FRANCISCO REBELLO, coord. Comunicação Pública de Emissões de Radio e Televisão, Edição da SPA, Lisboa, 1993, pp. 95-98, 99-148 e 149-162, respectivamente.
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(9) Cfr., por todos, as referências indicadas por ANTÓNIO MARIA PEREIRA, in LUIS FRANCISCO REBELLO, op. cit., pp. 154-156.
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(10) Publicada no JOCE, n.º L 346/60, de 22.12.98.
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(11) Cfr., LUIS FRANCISCO REBELLO, op. cit., pp. 75- 92. Pelo interesse que suscitam, reproduzem-se as conclusões deste parecer:
«1 – Não depende de autorização especial do autor da obra intelectual a recepção publica da mesma obra, transmitida pela radiodifusão sonora ou visual;
2 – Mas é devida retribuição ao autor pela recepção publica dessa obra nas condições previstas na primeira parte do n 2 do artigo 160 do Código do Direito de Autor (aprovado pelo Decreto-Lei n 46980, de 27 de Abril de 1966);
3 – Retribuição essa independente da devida pelo organismo de radiodifusão, e a pagar por quem organiza a referida recepção, quer haja ou não fins lucrativos;
4 – Como a recepção em causa não depende de autorização, não se justifica a intervenção policial prevista no artigo 207 do Código do Direito de Autor.»
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(12) Cfr., nomeadamente, os acórdãos de 11.02.94 (Proc. n.º 638/93), 13.04.94 (Proc. n.º 536/93), 13.04.94 (Proc. n.º 587/93), 20.04.94 (Proc. n.º 594/93), 20.04.94 (Proc. n.º 613/93), 20.04.94 (Proc. n.º 595/93) e de 22.02.95 (Proc. n.º 563/94).
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(13) Cfr., acórdãos da Relação de Évora de 04.06.96 (R. 804/95), in Col. Jur., 1996, 3, 289, e BMJ, 458, 416, e de 13.04.99 (R. 72/98), in Col. Jur., 1999, 2, 278.
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(14) Cfr., Acórdãos de 8.05.97 (Proc. n.º 9710719) e de 8.10.97 (Proc. n.º 9710224). Em sentido contrário, cfr., acórdão de 08.03.95 (Proc. n.º 9311103).
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(15) Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, in ITIJ – Bases de dados jurídicas e documentais (www.dgsi.pt).
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(16) Cfr., acórdão de 10.05.95 (Proc. n.º 338463).
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(17) Consultada a base de dados do ITIJ (www.dgsi.pt) relativa aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e confirmada a pesquisa junto do próprio Tribunal, apenas se regista o acórdão de 11.03.97 (Proc. n.º 87 833) que, julgando em recurso do acórdão da Relação de Lisboa de 4.05.95 (Proc. n.º 75246) versa, todavia, sobre uma questão algo distinta da presente, que é a da transmissão de música ambiente, previamente fixada em bobines, no interior das instalações de um estabelecimento bancário.
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(18) Cfr., J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª Edição, Almedina, Coimbra, 2000, p.257.
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(19) Publicada no JOCE n.º L 167/10, de 22.06.2001.
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