RECOMENDAÇÃO N.º 3/A/2002
(Artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)


Entidade visada: Director-Geral dos Impostos
Nossa Ref.ª – Proc.º: R-4806/01
Data: 2002/03/14
Área: A2
Assunto: Queixa apresentada na Provedoria de Justiça pelo Senhor … . Venda de um imóvel no processo de execução fiscal n.º 100585.5/97 e apensos, do Serviço de Finanças de Caminha.


I – ENUNCIADO


1. A Provedoria de Justiça organizou um processo para apreciar os fundamentos de uma reclamação relativa à ilegalidade da venda do prédio urbano inscrito sob o artigo n.º ……. da freguesia de Âncora, concelho de Caminha, no processo de execução fiscal n.º …………. e apensos, instaurado contra o Senhor ……………., NIF …………, que correu termos no Serviço de Finanças daquele Concelho.


2. A queixa apresentada, entre outros aspectos, referia-se ao facto de a alienação do imóvel ter sido realizada pelo Serviço de Finanças de Caminha quando ainda decorria o prazo de adesão à designada “Lei Mateus”, de cujo regime o interessado se pretendia prevalecer.


3. As dívidas tributárias cujo pagamento era objecto do referido processo de execução fiscal, conforme cópias das respectivas certidões de relaxe, que se anexam, eram as seguintes:








a) Certidão de dívida n.º 970169783, liquidação n.º 5353086493, referente ao IRS do ano de 1991, cujo prazo de cobrança voluntária terminou em 1997/01/29;


b) Certidão de relaxe n.º 184891/94, por dívida de contribuição autárquica do ano de 1989, cujo prazo de cobrança voluntária terminou em 1994/08/31;


c) Certidão de relaxe n.º 79664/95, por dívida de contribuição autárquica do ano de 1993, cujo prazo de cobrança voluntária terminou em 1994/09/30;


d) Certidão de relaxe n.º 79663/95, por dívida de contribuição autárquica do ano de 1993, cujo prazo de cobrança voluntária terminou em 1994/04/30;


e) Certidão de relaxe n.º 95659/96, por dívida de contribuição autárquica do ano de 1994, cujo prazo de cobrança voluntária terminou em 1995/04/30;


f) Certidão de relaxe n.º 95660/96, por dívida de contribuição autárquica do ano de 1994, cujo prazo de cobrança voluntária terminou em 1995/09/30;


g) Certidão de relaxe n.º 198565/96, por dívida de contribuição autárquica do ano de 1993, cujo prazo de cobrança voluntária terminou em 1995/08/31;


h) Certidão de relaxe n.º 113485/98, por dívida de contribuição autárquica do ano de 1997, cujo prazo de cobrança voluntária terminou em 1998/04/30;


i) Certidão de dívida emitida pelo Chefe da Repartição de Finanças do concelho de Caminha, por dívida da coima fiscal fixada no processo de contra ordenação n.º 2275-96/600144.0, cujo prazo de cobrança voluntária terminou em 1997/02/27.



4. Em 28 de Maio de 1999, foi lavrado auto de penhora do prédio acima identificado, para garantia das dívidas descritas, sendo marcada a venda, por propostas em carta fechada, para o dia 27 de Janeiro de 2000, pelas 10.00 horas.


5. Em 21 de Janeiro de 2000, deu entrada no Serviço de Finanças de Caminha, onde ficou registada sob o n.º 329, uma exposição assinada pelo executado, na qual solicitava que o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, no referido processo de execução fiscal, fosse efectuado ao abrigo do disposto no designado “Plano Mateus”, aprovado Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto.


6. Em 25 de Janeiro de 2000, foi enviado ao executado o ofício n.º 274, do Serviço Finanças de Caminha, a coberto de registo, convidando o executado a formalizar o pedido de adesão ao Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, em impresso próprio aprovado para o efeito, e a proceder ao pagamento da quantia indicada, até à hora e data marcadas para a realização da venda.


7. O reclamante queixa-se de não ter recebido aquela comunicação em tempo útil, pelo que a venda do imóvel penhorado sempre se realizou na data e hora marcadas, ou seja, no dia 27 de Janeiro de 2000, pelas 10.00 horas.


8. O executado recorreu para o Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Viana do Castelo, requerendo a anulação de todo o processado posterior à penhora, por falta de citação do cônjuge do executado, no processo executivo por dívida de coima fiscal, que se encontrava apensado ao processo principal.


9. O referido recurso foi julgado parcialmente procedente, devendo manter-se todo o processado posterior à penhora e determinando-se a citação referida na alínea a), do artigo 302.º, do Código do Processo Tributário.


10. No âmbito da instrução do processo referido no ponto 1, solicitou-se ao Chefe do Serviço de Finanças de Caminha o esclarecimento sobre a composição das dívidas tributárias do reclamante, em especial quanto ao IRS, bem como a forma pela qual foi apurado o referido imposto (através da declaração de rendimentos apresentada pelo contribuinte, através de correcções técnicas ou por recurso a métodos indiciários).


11. Pelo ofício n.º 5731 daquele Serviço de Finanças, datado de 03-12-01, foi enviada à Provedoria de Justiça uma cópia do relatório, no qual se dá conta de que, embora o contribuinte exercesse, em conjunto com a filha, ……………………………, sob a forma de “sociedade irregular”, com o NIPC ………….., a actividade de “CAE. – 500090 – Construção e obras públicas”, obteve rendimentos da categoria G de IRS, no ano de 1991.


12. Tal convencimento da Administração Fiscal resultou do facto de o Senhor ………………………… ter outorgado, com sua mulher, ……………………., com quem é casado no regime de comunhão geral de bens, duas escrituras públicas de compra e venda, em 91-04-17 e em 91-09-27, respectivamente, no Cartório Notarial de Caminha, referentes à alienação dos prédios urbanos inscritos sob os artigos …….. e ….. da freguesia de Âncora, daquele Concelho, para cuja inscrição foram entregues, pelo Senhor …………………………… , em nome próprio, as respectivas declarações modelo 129.


13. O Senhor …………………… não estava inscrito para o exercício de qualquer actividade industrial, em 1991, nem apresentou custos referentes à construção daqueles dois imóveis, pelo que os ganhos obtidos com a sua alienação foram qualificados como ganhos de mais valias – Categoria G -, a que se refere o artigo 10.º do Código do IRS.


14. Com base nas fichas de fiscalização, foi notificado o sujeito passivo …………………….., por carta registada com aviso de recepção, nos termos do artigo 66.º, alínea b) do Código do IRS, na redacção em vigor àquela data, para que apresentasse a declaração de rendimentos do ano de 1991, o que não fez.


15. Procederam então os serviços à liquidação oficiosa do imposto, já em 1996, tendo sido emitida a liquidação n.º 96/5353086493, da quantia de 1.435.462$00 (um milhão, quatrocentos e trinta e cinco mil, quatrocentos e sessenta e dois escudos), sendo 756.914$00 de IRS e 678.548$00 de juros compensatórios, que, não tendo sido pagos dentro do prazo legal, viriam a ser exigidos em execução fiscal, constituindo a maior parte da quantia exequenda do processo n.º 100585.5/97 e apensos, do Serviço de Finanças de Caminha.


16. Na posse de todos estes dados, questionou-se o Senhor Chefe do Serviço de Finanças, pelo ofício n.º 19791, de 10-12-2001, sobre a legalidade da venda, face ao disposto no artigo 66.º, n.º 1, do Código do Processo Tributário, e no artigo 14.º, n.º 9, do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, solicitando-lhe que se pronunciasse sobre a possibilidade de revogação do acto de abertura das propostas em carta fechada, com a consequente anulação da venda, atendendo a que a mesma havia sido realizada com violação de normas legais imperativas.


17. Pelo ofício n.º 6117, de 20-12-2001, o Serviço de Finanças de Caminha, torneando a questão que lhe havia sido posta, respondeu dizendo que o ofício n.º 274, de 25-01-00, daqueles Serviços, “nunca foi uma notificação, mas um simples ofício, dando conhecimento ao contribuinte dos formalismos a observar”, e de que a venda se manteria para a data marcada. Dizia ainda ser impossível proceder à revogação do acto de abertura das propostas, por já ter havido recurso da esposa do executado para o Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Viana do Castelo, recurso improcedente e transitado em julgado, sem que o executado tivesse recorrido da sentença.


18. Como se considerasse que a resposta dada pelo Serviço de Finanças contornava a questão, sem a resolver, uma vez que o objecto do recurso da esposa do executado nada tinha a ver com a irregularidade da venda, mas sim com a falta de citação do cônjuge no processo de execução fiscal, por dívida de coima fiscal, que constitui um dos apensos ao processo principal em que se procedeu à venda do imóvel penhorado, expôs-se o problema ao Senhor Director de Serviços de Justiça Tributária, através do ofício n.º 173, de 07-01-02.


19. Pelos Serviços de Justiça Tributária foi prestada a informação n.º 454/02, processo n.º 2002/0000061, de 31 de Janeiro de 2002, transmitida à Provedoria de Justiça pelo ofício n.º 882, de 04-02-02.


20. Aquela informação baseou-se em elementos fornecidos pelo Serviço de Finanças de Caminha, alguns dos quais não correspondem à realidade, como seja o facto de se dizer que a dívida de IRS respeita ao ano de 1996 (ano da sua liquidação pela Administração Fiscal), quando, na verdade, ela respeita ao ano de 1991 (ano em que se verificaram os factos sujeitos a imposto, maxime, a venda dos imóveis construídos em nome individual pelo Senhor …………………………………).


21. Na mesma informação alega-se ainda que a questão posta é uma falsa questão, dada a extemporaneidade do pedido de adesão ao sistema de pagamentos, nos termos do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, face à redacção dada pelo artigo 14.º, n.º 1 daquele diploma legal, pelo Decreto-Lei n.º 235-A/96, de 9 de Dezembro. Para além disso, como o contribuinte não chegou a formalizar o seu pedido de adesão em impresso próprio, criado pela Portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Solidariedade e Segurança Social, não tinha aplicação o disposto no n.º 9 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto (suspensão da venda dos bens até decisão do requerimento).


22. Mais uma vez, a resposta da Administração Fiscal se atém a argumentos de ordem meramente formal, sem analisar o fundo da questão, ou seja, a irregularidade da venda do imóvel penhorado, face ao requerimento de adesão ao Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, apresentado pelo executado, no Serviço de Finanças de Caminha, em 21 de Janeiro de 2000.



II – APRECIAÇÃO


23. Em face dos documentos oficiais juntos aos autos de reclamação verifica-se que grande parte da dívida exequenda daquele processo executivo é anterior a 31/07/96, à excepção da dívida de contribuição autárquica do ano de 1997 e da coima fiscal, embora esta, ainda assim, respeite a uma infracção cometida no ano de 1991, de cuja correcção resultou a liquidação de IRS em relaxe.


24. Pelo ofício-circulado n.º 60.008, de 09/04/99, Proc.º 740.7249.471 da Direcção de Serviços de Justiça Tributária, foi transmitido a todos os serviços da Administração Fiscal o Despacho do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 06/04/99.


25. No ponto 1.4.1.1, alínea c), do referido Despacho, sob a epígrafe de – “Adesão Extemporânea ao Decreto-Lei 124/96” -, encontra-se contemplada a situação do reclamante quanto à dívida de IRS do ano de 1991 (que, note-se, constitui a parte mais significativa da quantia exequenda do referido processo de execução fiscal), uma vez que a mesma foi apurada em acção de fiscalização, em 1996, e o termo do prazo de cobrança voluntária ocorreu em 29-01-1997, em data posterior “ao termo do prazo legal de adesão do Decreto-Lei n.º 124/96”, na sua redacção inicial.


26. A mesma situação é ainda enquadrável na alínea d) do referido Despacho, porquanto a citação do executado apenas teve lugar em 16/07/97, ou seja, em data posterior ao prazo legal de adesão ao Decreto-Lei n.º 124/96, quer na sua redacção inicial, quer na redacção que foi dada ao n.º 1 do seu artigo 14.º, pelo Decreto-Lei n.º 235-A/96, de 9 de Dezembro.


27. O ponto 1.6 do citado Despacho do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, sob a epígrafe de – “Não Suspensão das Vendas” -, refere, na sua parte final que, “sem prejuízo de tal suspensão poder ser decidida pelo Chefe da Repartição de Finanças se, até à data da venda, for constituída garantia idónea da dívida anterior ou posterior a 31 de Julho de 1996“. Ora, para constituição da referida garantia, sempre o executado deveria ser notificado pelo órgão da execução fiscal. Não consta que o tenha sido.


28. Quanto à imperfeição do requerimento de adesão ao Decreto-Lei n.º 124/96, apresentado pelo executado no Serviço de Finanças de Caminha, em 21 de Janeiro de 2000, dispõe o artigo 76.º, nºs 1 e 2, do Código do Procedimento Administrativo (aplicável em matéria fiscal a partir das alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro) que, em caso de deficiência do requerimento inicial, deverá o requerente ser convidado a suprir as deficiências existentes, se as mesmas não puderem ser supridas oficiosamente.


29. Se se considerar que tal convite consta do ofício n.º 274, de 25/01/00, do Serviço de Finanças de Caminha e que o mesmo foi enviado ao reclamante a coberto de registo (conforme cópias que se anexam), verifica-se que, nos termos dos artigos 65.º, n.º 2, e 66.º, n.º 1, do Código do Processo Tributário, o termo do respectivo prazo apenas ocorreria no terceiro dia útil posterior ao do registo, ou seja, em 28 de Janeiro de 2000. Ora, a verdade é que a venda foi efectuada em 27 de Janeiro.


30. Não se pode assim admitir que a DGCI tenha notificado o contribuinte para a prática de um procedimento cujo prazo se esgotava antes de, face à lei, aquela notificação se poder considerar perfeita.


31. Considerando ainda que, nos termos do artigo 909.º, alínea c), do Código do Processo Civil, a venda fica sem efeito se for anulado o acto da venda, nos termos do artigo 201.º do citado Código, ou seja, se tiver sido praticado “um acto que a lei não admita” ou a “omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva”, parece ser irrelevante para a referida anulação o facto de ter transitado em julgado a decisão judicial que recaiu sobre o recurso do executado, já que o pedido por este formulado se baseou num fundamento diferente do ora enunciado.









De acordo com as motivações expostas e considerando que a actuação do Serviço de Finanças de Caminha, neste caso concreto, consubstancia uma grave irregularidade, claramente lesiva dos direitos do executado, pelo facto de o imóvel ter sido alienado quando ainda decorria o prazo de adesão ao regime de pagamento previsto no Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, devo exercer o poder que me é conferido pela disposição compreendida no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, e, como tal Recomendar a V.ª Ex.ª:


a) se digne mandar providenciar a revogação do acto de abertura das propostas em carta fechada, a que o Serviço de Finanças de Caminha procedeu em 27 de Janeiro de 2000, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ………………..;


b) mande comunicar a referida revogação ao Meritíssimo Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Viana do Castelo, para efeitos do disposto no artigo 909.º, alínea c) do Código do Processo Civil.



Queira V.ª Ex.ª, em cumprimento do dever consagrado no artigo 38.º, n.º 2 do Estatuto aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, dignar-se informar sobre a sequência que o assunto venha a merecer.


O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues