RECOMENDAÇÃO N.º 1/A/2006
[Artigo 20.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]



Entidade visada: Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Aposentações
Processo: R-3319/03 (A3)
Data: 23-02-2006
Assunto: Pensão unificada – Revogação de despacho de aposentação – Reconstituição da situação actual hipotética – Reposição das pensões recebidas – Aposentação por limite de idade – Compensação pela perda de pensão de aposentação.
Área: A3



I
Enunciado


1. Pelo reclamante melhor identificado em epígrafe foi apresentada queixa relativamente a uma questão anteriormente já objecto de apreciação e actuação do Provedor de Justiça junto da Caixa Geral de Aposentações, que se prende com a responsabilidade pela reparação dos prejuízos decorrentes da revogação de um acto com fundamento na sua ilegalidade, da exclusiva competência dessa Caixa.


2. Através da Recomendação n.º 33/A/2000, de 07.04.2000, cuja cópia me permito anexar para melhor compreensão, o mesmo assunto, então espelhado em três casos concretos, fora já levado ao conhecimento dessa entidade por parte deste órgão do Estado, nela tendo sido recomendada a assunção da responsabilidade pelo pagamento de indemnização aos interessados em causa, e observada a necessidade de obstar a que no futuro se verificassem situações idênticas. 3. A Recomendação foi acatada por essa Caixa, mas no presente caso, onde se repetem os mesmos pressupostos essenciais de facto e de direito, embora com discrepâncias que não alteram a sua substancialidade, constata-se a recusa em assumir a responsabilidade que, nos mesmos termos, lhe assiste.4. Confrontado com esta situação de reiteração de um comportamento que já deveria estar corrigido por parte da Caixa Geral de Aposentações (1), e perante a passividade desse serviço da Administração que se escuda numa insuficiente argumentação jurídica para se mostrar indiferente perante a lesão patrimonial do reclamante, originada afinal numa ilegalidade por si praticada, não posso deixar de intervir e de dirigir a V. Ex.ª nova Recomendação nesta matéria, não apenas para que sejam respeitados os direitos e interesses do cidadão administrado em causa, mas também para que fiquem prevenidas as situações futuras que possam eventualmente vir a verificar-se.




II
Factos



5. Após perfazer os 65 anos de idade, em 31.01.1995, o reclamante requereu a aposentação voluntária no âmbito do regime da pensão unificada, tendo o seu processo sido instruído e enviado para a CGA por parte do seu serviço, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.


6. Através do ofício com a referência SAC423AP 705670, datado de 14.06.1995, e respeitante ao assunto “Pensão definitiva de aposentação”, o reclamante foi informado de que, por despacho de 07.06.1995 da Direcção da CGA, lhe havia sido reconhecido o direito à aposentação nos termos do artigo 97.º do Estatuto da Aposentação (Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro).


7. Nas Observações do mesmo ofício foi, no entanto, feita a seguinte advertência: “A aposentação é concedida sob condição de o Centro Nacional de Pensões confirmar os períodos de contribuição para a segurança social indicados no processo e a assunção dos correspondentes encargos no âmbito da pensão unificada, sendo o montante da pensão alterado posteriormente em conformidade com o que for informado por aquele Centro“.


8. Em consequência, o reclamante foi desligado do serviço em 08.06.1995 e passou à situação de aposentado em 01.08.1995, começando a receber a respectiva pensão nessa data.


9. Por despacho de 21.09.1995, as condições da pensão de aposentação foram, entretanto, alteradas por recálculo da pensão para inclusão da média de remunerações acessórias auferidas no último biénio e alteração das dívidas por contagem do aumento de tempo.


10. Posteriormente, através do ofício com a referência SAC 423 AP 705 670, datado de 20.05.1996, o reclamante foi notificado de que, por despacho de 10.05.1996 da Direcção da CGA, “(…) foram revogados os despachos de 995.06.07 e 995.09.21 – que, respectivamente, tinha fixado as condições de aposentação, ao abrigo do nº 1, artº 37º, do Estatuto da Aposentação, em conjugação com as disposições do Dec-Lei nº 159/92, de 31/Julho, e tinha alterado a referida pensão para inclusão das remunerações acessórias auferidas no último biénio – pelo facto de já ser pensionista do Centro Nacional de Pensões, desde 993.12.27, ficando, portanto, abrangido pela exclusão prevista no nº 2 do artº 1º do Dec-Lei nº 159/92, de 31/Julho (Pensão Unificada), e não perfazendo, assim, o mínimo de 36 anos de tempo de serviço exigível para poder beneficiar de uma pensão ao abrigo do nº 1 do artº 37º do citado Estatuto“.


11. Na sequência desta revogação, foi exigida ao reclamante a reposição da totalidade das importâncias recebidas a título de pensão de aposentação por ofício de 23.07.1996, num total de Esc. 583.055$00, tendo sido suspenso o abono da pensão em 01.06.1996.


12. O reclamante interpôs, no entanto, recurso contencioso do despacho revogatório, tendo igualmente requerido a suspensão da sua eficácia nos termos dos artigos 76.º e seguintes da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, então em vigor, suspensão essa que foi concedida e obrigou a CGA a retomar o pagamento da pensão de aposentação em 01.10.1996.


13. A sentença do recurso foi proferida em 28.02.2002, e não deu provimento ao mesmo por ter julgado improcedentes todos os fundamentos invocados pelo reclamante para a anulação do despacho revogatório.


14. Em resultado, foi suspenso o pagamento da pensão em 30.04.2002 e, através do ofício de 24.07.2002, com a referência SAC512LA 705670, foi exigida pela CGA a reposição de todas as importâncias até então recebidas, no valor total de € 22.197,06 (Esc. 4.450.111$00).


15. Mais tarde foi, porém, verificado que o reclamante já havia atingido, em 31.01.2000, o limite de idade para o exercício de funções públicas, pelo que através do ofício n.º 5308 de 05.09.2003, com a referência NER JP 705670, a CGA comunicou à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais que, “(…) para a boa tramitação do processo [de aposentação por limite de idade] daquele ex-aposentado deverão ser adoptados os seguintes procedimentos:




16. A Direcção-Geral dos Serviços Prisionais respondeu a esta comunicação da CGA em 27.11.2003, através do ofício n.º 11099, informando que iria proceder ao processamento e pagamento dos vencimentos do reclamante no período entre 08.06.1995 e 31.01.2000, bem como aos descontos legais, designadamente para a CGA.


17. Mais comunicou que no entendimento daquele serviço, deveria ser a CGA a assumir o pagamento da pensão ao interessado desde 01.02.2000, não só por ser esse o procedimento normal em qualquer processo de aposentação por limite de idade, como também por as vicissitudes do processo não serem exclusivamente da sua responsabilidade, e ainda por poderem ser atribuídos efeitos retroactivos ao acto de atribuição da aposentação por limite de idade, nos termos do artigo 128.º do Código do Procedimento Administrativo.


18. Em 05.02.2004, foi proferido despacho por parte da Direcção da CGA reconhecendo ao reclamante o direito à aposentação, tendo sido considerada a sua situação existente em 31.01.2000 e fixado o valor da pensão em € 310,80.


19. Deste despacho foi dado conhecimento à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais através do ofício de 16.02.2004, com a referência SAC322RL 705670/00, tendo sido comunicado que o pagamento da pensão constituía encargo daquele serviço até ao último dia do mês em que fosse publicada no Diário da República, passando a ser da responsabilidade da Caixa a partir do dia 1 do mês seguinte ao da publicação.


20. A publicação da lista de aposentados e reformados contendo o nome do reclamante, nos termos do artigo 100.º do Estatuto da Aposentação, só veio a acontecer em 28.09.2004, na 2.ª série do Diário da República n.º 229, pelo que a partir de 01.10.2004 iniciou-se o abono da pensão de aposentação ao reclamante por parte da CGA.


21. Não lhe foi, no entanto, liquidado, quer por parte da Caixa, quer por parte do seu serviço, qualquer valor a qualquer título, respeitante ao período entre 01.02.2000 e 30.09.2004.


22. Por esse motivo, interveio este órgão do Estado junto da CGA através do ofício de 18.03.2005 com o n.º 5015, e junto da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais através de um ofício da mesma data nos mesmos termos, com vista a que houvesse uma articulação entre ambas as entidades e fosse encontrada a solução para a questão, procedendo-se ao pagamento dos valores em falta ao reclamante e acautelando-se os seus direitos.


23. Tanto a CGA como a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais negaram qualquer responsabilidade na situação.



23.1. Esta última continua a entender não lhe ser a mesma imputável porque está em causa um processo de aposentação por limite de idade em que, a partir dos 70 anos, já não há lugar a pensão transitória a cargo do serviço, e porque, havendo responsabilidade da CGA no ocorrido, poderá e deverá esta atribuir efeitos retroactivos ao seu despacho que concedeu a aposentação nos termos do artigo 128.º do Código do Procedimento Administrativo.


23.2. Por sua vez, a Caixa mantém a sua posição de que o pagamento da pensão de aposentação só é por si devida a partir do dia 1 do mês seguinte ao da publicação no Diário da República, ou seja, 01.10.2004, mais defendendo não lhe poder ser assacada qualquer responsabilidade por o acto revogado ter sido praticado com base nas informações que foram prestadas pelo interessado e pelo serviço do mesmo.


 



III
Direito



24. Desde já, dou por reproduzida toda a matéria de Direito que foi expendida em sede da referida Recomendação n.º 33/A/2000, de 07.04.2000, na qual devida e exaustivamente se procede ao enquadramento jurídico da factualidade então patente e se conclui pela responsabilidade da CGA com os encargos da reconstituição da situação actual hipotética resultante da revogação anulatória de um acto por si praticado, com fundamento em ilegalidade.


25. Permito-me, no entanto, também nesta Recomendação fazer uma apreciação de Direito dos factos agora em causa, não apenas porque existem diferenças que vão obrigar a uma adaptação do enquadramento, como também porque se me afigura importante reforçar observações então produzidas, que afinal apenas pontualmente corrigiram a actuação da CGA, e fazer outras que poderão ajudar na melhor compreensão da posição defendida.


26. Estamos em presença de um acto administrativo de atribuição de aposentação, praticado pela CGA sob a condição de o Centro Nacional de Pensões confirmar os períodos contributivos para o regime geral da segurança social, e do seu acto revogatório, na sequência da informação prestada pelo mesmo Centro de que o reclamante se encontrava na situação de pensionista.


27. No artigo 1.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 159/92, de 31 de Julho, que então regulava o regime jurídico da pensão unificada, previa-se: “O presente diploma não é aplicável a quem já seja pensionista por um dos regimes quando requer pensão pelo outro (…)”. (2)


28. A revogação do acto de atribuição da aposentação ao reclamante foi, assim, baseada no facto de não terem sido confirmados os elementos nos quais o mesmo se fundou, o que não permitiu a verificação da condição imposta.


29. Porque ainda não havia decorrido o prazo legal estabelecido para a revogação dos actos inválidos, a CGA, em 10.05.1996, procedeu à sua revogação, e bem, como aliás se veio posteriormente a confirmar na sentença que julgou válido esse acto revogatório, por se encontrar devidamente fundamentado na ilegalidade de que, devido ao erro nos pressupostos, os despachos de 07.06.1995 e 21.09.1995 se encontravam feridos, conforme as disposições legais invocadas, e ter sido praticado tempestivamente, o que levou à improcedência do recurso contencioso interposto pelo reclamante.


30. Na sequência desta decisão, impôs-se, assim, o cumprimento do acto de revogação (entretanto suspenso), com a retroacção dos seus efeitos à data da prática do acto revogado, por força do artigo 145.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo: “A revogação tem efeito retroactivo, quando se fundamente na invalidade do acto revogado“.


31. Neste passo, importa recordar que o acto da CGA de reconhecimento do direito à aposentação não se limita a regular a relação jurídica de aposentação entre esta e o seu subscritor – na verdade, é um acto administrativo de efeitos duplos, estendendo também os seus efeitos jurídicos à relação de emprego público entre aquele e o seu serviço.


32. Com efeito, nos termos do artigo 99.º do Estatuto da Aposentação, a resolução final da Caixa tem de ser objecto de comunicação ao serviço onde o interessado exerça funções (n.º 1), na sequência da qual o primeiro procede, depois, à desligação do segundo do serviço – o que extingue a sua relação jurídica de emprego público – (n.º 2), e ao pagamento de pensão transitória ao mesmo até à data da publicação na 2.ª série do Diário da República da lista de aposentados que inclua o seu nome (n.º 3).


33. Deste modo, a retroacção dos efeitos do acto revogatório à data do acto de atribuição da aposentação ao reclamante vai projectar-se não apenas na relação entre este e a CGA, mas forçosamente também na relação existente entre ele e a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, para a qual nessa data prestava funções.


34. Está em causa, como se viu, uma revogação anulatória, pelo que tudo se passa como se o acto revogado não tivesse sido praticado. “Projectando-se retroactivamente à data do acto revogado, a anulação administrativa faz com que se tenham de retirar do ordenamento jurídico todos os efeitos dele, bem como os dos seus actos consequentes, tudo se passando (salvo o caso julgado, claro) como se o acto revogado tivesse sido anulado em tribunal(3)  (4).


35. “Ora, para apagar inteiramente os vestígios da ilegalidade cometida, não pode tomar-se como critério a ideia de restabelecer a situação anterior à prática do acto ilegal, antes se faz mister aplicar o critério a que podemos chamar da reconstituição da situação actual hipotética; importa, na verdade, considerar o período de tempo que medeou (sic) entre a prática do acto ilegal e o momento em que se reintegra a ordem jurídica, e reconstituir, na medida do possível, a situação que neste último momento existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado e se, portanto, o curso dos acontecimentos nesse período se tivesse apoiado sobre uma base legal. (…) só a reconstituição da situação actual hipotética permite reintegrar a ordem jurídica violada, obrigando a realizar tudo o que entretanto se teria realizado se não fosse o acto ilegal“.(5)


36. A revogação pela CGA do acto de 07.06.1995 conduz, por isso, à reconstituição da situação actual hipotética em que o reclamante se encontraria se não tivesse sido reconhecido o seu direito à aposentação naquela data.



36.1. Desde logo, ele não teria sido desligado do serviço pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais. Na verdade, ele teria continuado ao serviço da mesma, e a sua relação jurídica de emprego público não teria cessado.


36.2. Por outro lado, não lhe teria sido paga pela CGA a pensão de aposentação a partir de 01.08.1995.


36.3. Daqui resulta, por conseguinte, em primeiro lugar, a obrigação de reposição, por parte do reclamante, do valor total das pensões que lhe foram abonadas pela Caixa entre 01.08.1995 e 30.04.2002 (data em que cessou o abono na sequência do trânsito em julgado da sentença que confirmou o acto revogatório).


36.4. Parece resultar, igualmente, a obrigação da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais de pagar ao reclamante os vencimentos que lhe teriam sido devidos pelo exercício das funções que teria prestado.



36.4.1. Esta última obrigação não está, no entanto, em consonância com a teoria maioritariamente defendida pela nossa jurisprudência (6)  e pela Procuradoria-Geral da República (7)  nesta matéria, também acolhida por este órgão do Estado na referida Recomendação n.º 33/A/2000.


36.4.2. Assim, têm sido defendidas duas teorias diferentes relativamente à forma de reparação dos prejuízos sofridos pelos interessados devido aos vencimento perdidos na sequência de actos revogatórios: a teoria do vencimento e a da indemnização.


36.4.3. De acordo com a primeira, o interessado deve receber os vencimentos deixados de auferir como se tivesse prestado serviço durante o período em causa.


36.4.4. A teoria da indemnização já pugna não poder ser reconhecido qualquer direito a vencimentos perdidos mas sim a uma indemnização, por força do princípio básico de que o vencimento corresponde à remuneração pelo efectivo exercício das funções.


36.4.5. Esta última tem sido a maioritariamente sustentada por se defender que, se o vencimento corresponde a um efectivo exercício do cargo e a reconstituição da situação actual hipotética não permite “reconstituir” uma prestação de serviço que não se verificou, não são devidos os vencimentos não recebidos mas sim uma indemnização compensatória dos prejuízos sofridos.


36.5. Pela CGA e pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais foi, no entanto, defendida e adoptada a primeira teoria, como resulta dos ofícios entre ambas trocados, tendo já sido liquidados por parte da segunda os vencimentos a que o reclamante teria tido direito no exercício das suas funções no período entre 01.08.1995 e 31.01.2000, pelo que a reconstituição da situação neste período já se encontra efectuada.


36.6. Acontece, porém, que em 31.01.2000 o reclamante perfez 70 anos, ou seja, atingiu o limite de idade para o exercício de funções públicas. De facto, o artigo 1.º do Decreto n.º 16.563, de 2 de Março de 1929, que ainda se mantém em vigor nesta matéria, estabelece que “os funcionários civis dos Ministérios e serviços dependentes com ou sem autonomia e dos corpos e corporações administrativas, quer efectivos quer adidos ou em situação equivalente, logo que completem 70 anos de idade, abandonarão os seus lugares, nos termos do direito vigente“.


36.7. Deste modo, em 31.01.2000, o reclamante teria deixado de exercer funções junto da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e esta, 90 dias antes daquela data, teria comunicado à CGA a sua situação de limite de idade, para que fosse iniciado o processo de aposentação, por força do artigo 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 127/97, de 17 de Março, e dos artigos 37.º, n.º 2, alínea b), 41.º, n.º 2 e 84.º do Estatuto da Aposentação.


36.8. E em consequência, o reclamante teria passado a receber a pensão de aposentação pela CGA decorrido cerca de um mês desde a data em que atingiu o limite de idade, período de tempo habitual para a publicação da pensão em Diário da República.


37. A CGA entende, no entanto, contrariando a teoria do vencimento, que o serviço deverá pagar ao reclamante uma pensão transitória desde o dia 01.02.2000 até ao dia 01.10.2004. Assim, defende que é esse o resultado da aplicação a esta situação concreta do disposto no Estatuto da Aposentação, designadamente dos seus artigos 73.º, n.º 1, e 99.º, que prevêem a passagem do interessado à situação de aposentação e o consequente início do pagamento da pensão pela Caixa apenas no dia 1 do mês seguinte ao da publicação oficial da lista de aposentados em que se inclua o seu nome, permanecendo o mesmo, até essa data, desligado do serviço a aguardar aposentação e a receber uma pensão transitória paga pelo serviço.


38. Esta posição conduz, no entanto, a uma anómala reconstituição da situação actual hipotética.



38.1. Na verdade, somente na relação entre o funcionário e o seu serviço pretende que seja recuperada com rigor a situação que se verificaria caso não tivesse sido praticado o acto revogado, enquanto na relação entre o subscritor e a CGA entende dever seguir-se o disposto na legislação em vigor de acordo com a situação actual real.


38.2. Ora, sendo o processo de aposentação do reclamante um resultado da destruição dos efeitos do acto revogado, e da reconstituição da situação que se verificaria por força da retroactividade dos efeitos do acto revogatório, não pode o mesmo ser considerado pela CGA como um “normal” processo de aposentação por limite de idade desencadeado na sequência de uma comunicação do serviço em 2004.


38.3. Por outro lado, como ficcionar que, caso a comunicação nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 127/87, de 17 de Março, tivesse ocorrido 90 dias antes da data em que o reclamante atingiu o limite de idade, ou seja, em princípios de Novembro de 1999, apenas quase cinco anos depois ocorreria a publicação da pensão em Diário da República?


38.4. E o artigo 99.º, n.º 3 do Estatuto da Aposentação, nem na sua letra nem na sua ratio, determina que o serviço tem de assegurar uma pensão transitória ao aposentando por um período indefinido, que poderá chegar quase aos cinco anos…


39. Não posso, por conseguinte, de forma alguma reconhecer razão à posição dessa Caixa no que respeita à situação em presença, a qual, aliás, se opõe claramente à Recomendação n.º 33/A/2000 deste órgão do Estado, que pretendeu não apenas resolver os casos a que respeitava, mas também “(…) obstar a que, no futuro, se viessem a deparar situações idênticas (…)”.


40. Recordo, uma vez mais (e nunca será de mais fazê-lo), que na origem do problema está um erro da CGA na apreciação dos pressupostos de facto e de direito que conduziram ao ilegal reconhecimento do direito à aposentação do reclamante, como aconteceu nos três casos concretos expostos na referida Recomendação.


41. E tal como nesses casos, também nesta situação o serviço do reclamante, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, se mostra totalmente alheio à ilegalidade praticada.


42. Desta forma, nos mesmos termos se conclui recair sobre a CGA a responsabilidade pelo ressarcimento do reclamante relativamente às pensões que deixou de auferir no período compreendido entre 01.02.2000 e 01.10.2004 (8): sendo responsável pela ilegalidade praticada e dela tendo resultado prejuízos, ficam preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (9) que conduz ao inequívoco dever de indemnizar para reparação dos prejuízos resultantes dessa mesma ilegalidade.


43. Esta conclusão impõe-se também por “(…) incontornáveis razões de justiça, pois não é aceitável que revogado um acto com fundamento na sua ilegalidade se exija a terceiros de boa-fé (serviços dos funcionários) o encargo de suportarem os custos com a reparação dessa mesma ilegalidade (para a qual, note-se, em nada contribuíram). Admitir o contrário seria defender, nestas circunstâncias, o absurdo empobrecimento sem causa dos serviços dos funcionários afectados por decisões da exclusiva responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações” (10).


44. E não poderia, de forma alguma – e mesmo por absurdo –, aceitar-se que o serviço fosse responsável pelo pagamento de uma pensão transitória que nunca se verificaria na reconstituição da situação actual hipotética.


45. É certo que esta reconstituição deve ser feita na medida do possível, ou seja, tendo como limite a razoabilidade, a equidade, a segurança jurídica e a boa-fé. Não se encontra, porém, qualquer princípio que fique sacrificado ou qualquer interesse que seja prejudicado com a assunção, por parte da CGA, da responsabilidade pela compensação do reclamante no período em causa.


46. Na verdade, por força dos princípios que vinculam a Administração Pública no desenvolvimento da respectiva actividade, conclui-se precisamente que essa responsabilidade só pode recair sobre a Caixa.


47. Desde logo, não pode ver-se como respeitado o princípio da legalidade, que impõe à Administração a sua obediência à lei, quando, contrariamente ao preceituado no artigo 145.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, a CGA se recusa a atribuir eficácia retroactiva plena ao seu acto revogatório, antes lhe conferindo uma retroactividade “seleccionada”.


48. Não havendo qualquer impossibilidade fáctica ou legal, ou qualquer interesse público imperioso que impeça a reconstituição da situação que se verificaria se não tivesse sido praticado o acto ilegal, então a CGA não pode legalmente furtar-se ao dever de pagamento da pensão de aposentação por limite de idade que necessariamente sobre ela recairia desde a data em que, em circunstâncias normais, teria ocorrido a publicação na 2.ª série do Diário da República, no máximo um mês depois da data em que o reclamante perfez os 70 anos.


49. Aliás, o interesse público não se contrapõe necessariamente ao interesse particular. O princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, a que a Administração também se encontra adstrita, não se manifesta apenas como uma oposição do primeiro aos segundos, antes representa o melhor equilíbrio entre os interesses em presença, e manifesta-se igualmente como uma sujeição da Administração à lei, relacionando-se com o princípio da legalidade.


50. Ora, não vejo que o pagamento das pensões em dívida ao reclamante no período entre 01.02.2000 e 01.10.2004 se oponha, de forma alguma, ao interesse público, antes o prossegue, uma vez que dúvidas não existem de que esse valor é devido pela Administração ao reclamante por força de uma ilegalidade por si cometida.


51. Por outro lado, o facto de a Recomendação n.º 33/A/2000 ter sido acatada por parte da CGA não pode deixar de se repercutir no presente caso, impondo-se aqui a mesma solução então encontrada, sob pena de violação do princípio da igualdade.


52. No âmbito deste princípio, proíbe-se o arbítrio, “(…) sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais (…)” (11). A Administração está, pois, vinculada a um tratamento igual das situações substancialmente iguais, e desigual das essencialmente desiguais.


53. Por tudo o que já deixei exposto, não podem restar dúvidas de que estamos perante situações substancialmente iguais, uma vez que, quer nos casos directamente visados pela Recomendação, quer no actualmente em análise, está sempre em causa a responsabilidade da CGA pela reparação dos prejuízos materiais sofridos pelos interessados na sequência da revogação de um acto ilegal de atribuição da pensão de aposentação, praticado pela própria Caixa.


54. Tal como aconteceu nesses casos, portanto, também no presente deverá essa Caixa reparar a lesão patrimonial sofrida pelo reclamante por ainda não ter recebido qualquer valor correspondente ao período entre 01.02.2000 e 01.10.2004, devendo proceder-se à compensação com as quantias recebidas pelo mesmo a título de pensões no período entre 01.08.1995 e 30.04.2002.


55. Neste processo deverá ser acautelado, no entanto, e diferentemente daqueles casos, não apenas o facto de o mesmo já ter efectuado a restituição de parte desse valor, mas também o de estar em causa um período e valor de pensões em falta que não se sobrepõem aos período e valor das pensões recebidas até à sentença judicial que confirmou o acto revogatório.



IV
Conclusão

56. De acordo com as motivações expostas, e no exercício dos poderes que me são conferidos pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendo:

a) que seja assumida pela Caixa Geral de Aposentações a responsabilidade pela reparação da lesão patrimonial sofrida pelo reclamante na sequência da revogação do acto ilegal de reconhecimento do seu direito à aposentação praticado pela Caixa em 07.06.1995, para tanto devendo proceder-se à compensação do valor devido com as quantias recebidas a título de pensões;


b) que sejam adoptadas providências destinadas a evitar que, no futuro, se venham a repetir situações idênticas.

Certo de que a presente recomendação não deixará de merecer a melhor atenção de V. Ex.ª, agradeço que, em cumprimento do preceituado no artigo 38.º, n.º 2 da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, me seja oportunamente comunicada a posição que vier a ser assumida.


O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues


 


Notas de rodapé:


(1) Adiante designada apenas por CGA.
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(2) No actual regime jurídico da pensão unificada, estabelecido no Decreto-Lei n.º 361/98, de 18 de Novembro, mantêm-se excluídas do âmbito pessoal do regime as pessoas que sejam pensionistas, nos termos do artigo 2.º, n.º 2, alínea a).
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(3) OLIVEIRA, Mário Esteves de, e outros, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª Edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, pág. 692.
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(4) Os efeitos das sentenças de anulação de actos administrativos impõem à Administração, designadamente, o dever de “(…) executar a sentença, pondo a situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão judicial de anulação – isto é, reconhece-se e define-se a existência de um efeito “repristinatório” ou, mais correctamente, de um efeito reconstitutivo ou reconstrutivo da sentença, que impõe, na medida em que tal for necessário e possível (sem prejuízo grave para o interesse público), a reconstituição da situação que teria existido (deveria ter existido ou poderia ter existido) se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se o acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade – princípio da reconstituição da situação hipotética actual (…)”, segundo JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), 2.ª Edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, pág. 277.
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(5) AMARAL, Diogo Freitas do, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, 2.ª Edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, pág. 41.
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(6) Entre outros, cfr. Acórdãos do STA de 28.10.1971, de 11.12.1980, de 26.02.1985, de 08.10.1987, de 06.04.1989, respectivamente, in Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo n.º 43, pág. 889, n.º 121, página 22, n.º 230, pág. 186, n.º 319, pág. 881 e n.º 339, pág. 325, e mais recentemente, os de 30.03.1993, de 19.05.2004, e de 10.03.2005, respectivamente in Apêndice ao Diário da República de 14.08.1996, pág. 1653, de 24.02.2005, pág. 3892, e de 18.11.2005, pág. 2037.
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(7) Entre outros, cfr. Pareceres do Conselho Consultivo n.º 9/80, 182/83, 196/83, 117/84, 73/86, 173/87, 86/92, 31/93.
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(8) Poder-se-á conceder apenas que o período seja apenas entre 01.03.2000 e 01.10.2004, considerando que sempre seria necessário o decurso de um mês para a publicação da pensão na 2.ª série do Diário da República, e que o serviço adoptou a teoria do vencimento na reconstituição da situação actual hipotética, sendo portanto ainda responsável por este mês de pensão transitória.
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(9) Cfr. pontos 5.10 a 6 da citada Recomendação n.º 33/A/2000 do Provedor de Justiça.
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(10) Ponto 7 da mesma Recomendação n.º 33/A/2000 do Provedor de Justiça.
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(11) CANOTILHO, J.J. Gomes, MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 1993, Coimbra, Pág. 127.
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