RECOMENDAÇÃO N.º 3/B/2001
[Art. 20º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]


 A Sua Excelência, o Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública
Nossa Ref.ª: Proc. R-1784/2000
Data: 2001/08/01
 Assunto: Entrevista profissional de selecção.




1. PG, engenheiro electrotécnico, assessor do quadro da Direcção Regional de Edifícios e Monumentos do Norte, candidatou-se ao concurso para o preenchimento do cargo de chefe da Divisão de Monumentos do quadro de pessoal da Direcção Regional de Edifícios e Monumentos do Norte da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, cuja abertura foi publicitada, através do Aviso n.º 12/2000 (2.ª Série), no DR., n.º 2, II Série, de 4 de Janeiro de 2000 (fls. 27 e 28) e cujo prazo de candidatura foi fixado em dez dias úteis.


2. Foram adoptados como métodos de selecção a avaliação curricular e a entrevista profissional de selecção (ponto 6 do aviso de abertura). De acordo com a Acta n.º 1 – datada de 18 de Janeiro – a ambos os métodos foi atribuída a “ponderação de cinquenta por cento”.


3. Em 21 de Fevereiro de 2000, o queixoso requereu, ao presidente do júri do concurso, a possibilidade de assistir à entrevista profissional de selecção dos outros candidatos.


4. Através de fax, datado de 22 de Fevereiro, o presidente do júri do concurso solicitou à Direcção Geral da Administração Pública “orientação sobre a decisão a tomar”.


5. Pelos ofícios n.ºs 272/DREMN, de 28.02, e 275, de 29.02, foi comunicado ao candidato o indeferimento do requerido, com base em parecer da DGAP no sentido que a entrevista não pode revestir carácter público.


6. O candidato comunicou ao júri do concurso, em 29 de Fevereiro, a sua desistência, expressamente referindo que o fazia por, dessa feita, não estar assegurado “o controlo dos ‘princípios de transparência, neutralidade e imparcialidade’ a que os actos da Administração Pública se devem subordinar”, questionando a constitucionalidade do entendimento veiculado por tal parecer.



I I


1. Interpelado o Senhor Director-Geral da Administração (Ofício n.º 14715, de 23.08.2000), o mesmo manifestou o entendimento de que a entrevista profissional de selecção não pode revestir carácter público (Ofício n.º 12221, de 16.10.2000, a que juntou a Informação n.º 148/DRSP/2.0/00).


Solicitado (cfr. Ofício n.º 20 629, de 27.11.2000) o Senhor Secretário de Estado da Administração Pública e Modernização Administrativa a ponderar aquele entendimento e a manifestar a orientação vinculativa da Tutela, veio aquele aderir ao entendimento da DGAP (Ofício. n.º 759, de 26.02.2001 e Informação junta n.º 14/DRSP/2.0/01).


2. A título de enquadramento legal, atentemos que, nos termos do arts.º 19.º e 23.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11.07, a entrevista profissional de selecção constitui um dos métodos a utilizar no concurso público, de forma complementar com a avaliação curricular e/ou a prova de conhecimentos, tendo em vista “avaliar, de forma objectiva e sistemática, as aptidões profissionais e pessoais dos candidatos”.


3. Os argumentos aduzidos, pela DGAP, em favor da ausência de publicidade da entrevista são os seguintes:







a) “O facto de nela, segundo a definição da lei, estar em causa ou se estabelecer uma relação interpessoal” (sic);


b) “A ideia de que se o legislador pretendesse dar uma forma pública a esse método teria previsto essa situação legalmente (o que não o fez), tendo ao invés previsto no concurso para acesso à categoria de assessor” (sic), afastando-se este da entrevista profissional de selecção (EPS) porque incide sobre a discussão curricular e naquela se aprecia situações do foro pessoal;


c) “A própria metodologia de registo e tratamento da avaliação efectuada na entrevista – elaboração de uma ficha individual, contendo o resumo dos parâmetros relevantes e a classificação obtida em cada um deles, devidamente fundamentada – é suficiente a permitir o controlo pelos candidatos da legalidade e não arbítrio”, muito embora “não seja possível aquilatar a fidedignidade do registo com o que se passou na sala” (sic).


d) “A presença de terceiros no local da entrevista é um factor prejudicial à objectividade da avaliação do candidato” (sic);


e) “A EPS à semelhança do exame médico e da entrevista psicológica deve assumir um carácter privado” (sic);


f) A discricionaridade técnica, na medida em que seja justificativa de uma ampla liberdade de escolha dos modos de realização da EPS não só afasta a publicidade da mesma como também o seu controlo jurisdicional, o que tornaria inútil a presença dos demais candidatos.


g) Por último, na Informação n.º 14/DRSP/2.0/2001, invoca-se que a EPS “exige métodos e técnicas adequadas” e que a aplicação destes não são compatíveis com a publicidade, a qual seria prejudicial, perturbando até “o alcance da avaliação correcta ao evitar que se crie entre os intervenientes um ambiente de confiança que possibilite a aferição da relação interpessoal, essencial à fiabilidade dos dados recolhidos” (sic).


 




I I I


Vejamos, por contraponto, os fundamentos ora enunciados: 







1. Que a avaliação em sede de entrevista profissional de selecção seja uma avaliação “numa relação interpessoal” não obsta que seja realizada com publicidade. Que a avaliação seja a de determinado indivíduo nada nos diz quanto à presença na sala de outros candidatos ou de terceiros. No caso da audiência de julgamento e no caso das provas orais no ensino superior está também em causa um ajuizamento ou apreciação numa relação interpessoal e nem por isso daí decorre ou é afastado pelo legislador a publicidade de tais actos ou prestação de provas. E não se diga sobre estes que o seu carácter público se explica por ser “essa, desde sempre, a previsão legal imposta pelo legislador, estando os respectivos intervenientes desde logo mentalizados, que em qualquer desses actos o público pode estar presente”. (sic – ponto III.7. da Inf. n.º 148/DRSP/2.0/2000, da DGAP). É sabido que o “princípio da transparência é consubstancial a toda a ordem jurídica democrática. [E que] A publicidade das decisões (e dos processos de decisão) liga-se aos próprios fundamentos da democracia” (1) e do Estado de Direito (2).


2. O argumento extraído a contrario da al. b) do n.º 1 do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 404-A/98, de 18.12 (o qual condiciona o acesso à categoria de assessor à realização de “concurso de provas públicas”), também não procede:


Em primeiro lugar, importa ter presente, como ensina Baptista Machado, que o argumento a contrario é “um argumento que deve ser usado com muita prudência”, só tendo valia quando se possa afirmar que a norma de arrimo (para a argumentação a contrario) é uma norma excepcional e que dela se pode extrair um sistema-regra – no caso, implicaria aceitar, inconcebivelmente, que o secretismo (3) é a regra no concurso público; quando os casos a resolver não são reconduzíveis, por interpretação extensiva, à excepção e quando há uma “implicação intensiva” entre a hipótese e a estatuição da norma invocada (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 187), ou seja, era preciso que no caso da al. b) do n.º 1 do art.º 4.º do Decreto-Lein.º 404-A/98, de 18.12, fosse possível afirmar existir uma indissociação única entre a prestação de provas no caso de concurso para assessor e a publicidade.


Acresce que a menção na al. b) do n.º 1 do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 404-A/98, de 18.12, a um “concurso de provas públicas, que consistirá na apreciação e discussão do currículo profissional do candidato” tem de ser visto com precisão: fala-se aí em “concurso” e não em “método de selecção”; fala-se em concurso “de provas públicas” e não no método entrevista profissional de selecção, e estas “provas públicas” têm um conteúdo determinado pela lei, consubstanciam-se “na apreciação e discussão do currículo profissional do candidato”, no qual a avaliação se encontra centrada “e não na prestação do candidato”, não se confundindo com os métodos de selecção elencados no art.º 19.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11.07 (no mesmo sentido, ver o Ac. do STA de 11 de Novembro de 1997, R. 29 505, publicado em Apêndice ao DR de 11 de Janeiro de 2001, pp. 2083 e 2089).


Não é, em suma, possível argumentar-se a contrario, ademais quando é conatural à essência do conceito de concurso a publicidade e argumentos substantivos fundamentam a necessidade da publicidade da entrevista profissional de selecção.


3. É certo que na ficha individual, elaborada por cada entrevista, deve ficar registado “o resumo dos assuntos abordados, os parâmetros relevantes e a classificação obtida em cada um deles, devidamente fundamentada” (n.º 2 do art.º 23.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11.07). Importa, porém, ter presente que o método entrevista profissional de selecção é um método avaliativo “informal e subjectivo em que a própria fundamentação (…) foge parcialmente à reconstituição do iter cognoscitivo e valorativo”; comportando, pois, “um elevado grau de subjectividade” (Parecer da PGR n.º 106/88, publicado no DR., n.º 93, de 21.04.89, pp. 4060 e 4055, respectivamente), o que não acontece com os demais métodos de selecção; tem, como diz João Alfaia, o “defeito da subjectividade, pois dificilmente se trata de uma prova de conteúdo uniforme para todos os concorrentes” (Conceitos Fundamentais do Funcionalismo Público, Livraria Almedina, Coimbra, 1985, p. 348). Ora, não há qualquer (real e efectiva) possibilidade de garantir a correcção na aplicação do método, ou seja, o respeito dos parâmetros legais da sua realização, designadamente, que é efectuada uma “prova oral que incide sobre a experiência profissional do candidato” e não uma prova de conhecimentos (cfr. Ac. do STA de 11 de Dezembro de 1990, R. 27 647, in BMJ, n.º 402, 1991, pp. 263 e 268), que os assuntos abordados em todas as entrevistas são os mesmos, que todos os membros do júri estão presentes, que um espaço de avaliação subjectiva não seja, por encapuçado, tido, como frequentemente é considerado, como um espaço de arbítrio.


4. No tocante ao argumento segundo o qual a entrevista deve realizar-se em condições que assegurem a sua não perturbação, excluindo por isso a presença dos demais candidatos, cabe notar que, quer o rigor na aplicação do princípio da imediação, quer o rigor das valorações acolhidas pelo júri dependem tão somente da sua isenção e profissionalismo, qualidades que a publicidade só reforça.


5. É manifestamente improcedente, por impertinente, a invocação, a título de lugar paralelo, do exame psicológico de selecção e do exame médico, como se estes não fossem exames assentes no grau de objectividade próprio das ciências exactas.


6. Relativamente ao argumento da técnica da entrevista, cumpre lembrar que longe já lá vão os tempos em que a técnica significava imunidade, secretismo ou até mesmo discricionaridade (4), ao arrepio das exigências postas pelo Estado de Direito. A publicidade é “um meio indispensável de realizar o princípio constitucional da igualdade perante a lei, consagrado no art.º 13.º da CR” (Marcelo Rebelo de Sousa, apud Ac. do T. Const. n.º 156/92, publicado no DR., II Série, n.º 202, de 2.09.1992, p. 8163) e é indissociável da realização efectiva do princípio democrático (cfr. Ac. T. Const. n.º 231/92, in DR., II Série, n.º 255, de 4.11.92, p. 10 403).


 I V


Para além dos aspectos salientados, importa ainda ter presente: 









1. Que os actos do Estado de verificação, de exame e inspecção são, por natureza, actos públicos (5).


2. Tal decorre, no caso do acesso (ingresso e promoção) à função pública, de três princípios fundamentais: a liberdade de acesso ou de candidatura, a igualdade de oportunidades e de condições e o princípio do mérito.


3. A avaliação numa relação interpessoal é pautada pelos princípios da imediatividade e da oralidade, o que postula a publicidade.


4. A publicidade é uma garantia da transparência e de controlo social dos actos da Administração Pública. Logo, é simultaneamente uma garantia da prossecução do interesse público (6) e dos direitos e interesses legítimos dos particulares, traves mestras do exercício da função administrativa (avaliar e recrutar é ainda e sobretudo administrar).


5. Dado que na entrevista profissional de selecção se trata de, em função do currículo profissional e das motivações do candidato, apurar da sua aptidão (profissional e pessoal) para o exercício de determinadas funções é essencial um juízo objectivo e imparcial. A publicidade, na medida em que torna acessível a um determinado público, um conjunto de perguntas, respostas, silogismos e inferências, torna discursiva (racional) a avaliação do candidato e das suas aptidões, ou seja, é o momento por excelência de preparação da plausibilidade e fundamentação da decisão a tomar.


5.1. Mais: é susceptível de tornar mais credível um método de selecção actualmente sob suspeita, objecto da desconfiança dos funcionários e do público em geral.


5.2. Bem assim, porque passível de tornar merecedores de mais crédito os resultados dos concursos e de promover o respeito ou a observância inteira ou fidedigna da lei, pode reduzir a impugnação administrativa e judicial existente neste domínio da função pública.


 V 


De acordo com as motivações expostas, Recomendo a V. Ex.ª que:







altere o entendimento até aqui veiculado pela Direcção Geral da Administração Pública, com a concordância da Secretaria de Estado da Administração Pública e Modernização Administrativa, substituindo-o por este que acabo de enunciar, ou seja, o art.º 23.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11.07, deve ser entendido no sentido de ser pública a entrevista profissional de selecção.


Queira V. Ex.ª, em cumprimento do dever consagrado no art.º 38.º, n.º 2, do Estatuto aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, dignar-se informar sobre a sequência que o assunto venha a merecer.


Apresento a V. Ex.ª os meus melhores cumprimentos



O Provedor de Justiça,


H. Nascimento Rodrigues


 


 


Notas de rodapé:


(1) Cfr. Ac. T. Const. n.º 231/92, in DR., II Série, n.º 255, de 4.11.92, p. 10 403 – itálico nosso.
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(2) Como escrevem Antonio del Moral García e Jesús M.ª Santos Vijande (in Publicidad y Secreto en el Proceso Penal, Editorial Comares, Granada, 1996), “ninguna duda cabe de que la publicidad del proceso aparece como una conquista del pensamiento liberal en oposición al sistema inquisitivo. Conquista que, porque se erige en garantía eficaz frente a posibles arbitrariedades, incrementa notablemente la confianza de la colectividad en la Administración de Justicia” (p. 8); constituí também “una mayor garantía de que a decisión judicial se adopta atendiendo única e exclusivamente a criterios jurídicos, esto es, desechando cualquier influencia espuria” (p. 9).
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(3) Ver, a este propósito, o Ac. do T. Const. n.º 231/92, publicado no DR., II Série, n.º 255, de 4.11.1992 – quanto a este maxime ponto III -, o Ac. do T. Const. n.º 193/92, publicado no DR., II Série, n.º 195, de 25.08.1992, e o Ac. do T. Const., n.º 394/93, publicado no DR., I Série-A, n.º 229, de 29.09.1993, nos quais esteve em causa a apreciação da constitucionalidade da norma do n.º 4 do art.º 9.º do Dec.-Lei n.º 498/88, de 30.12 (declarado, como é sabido, inconstitucional).
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(4) Ver, para uma leitura actual da discricionaridade administrativa, a anotação de Maria Francisca Portocarrero ao Acórdão do STA de 20.11.1997, publicada nos Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 10, Julho/Agosto, 1998, pp. 26 e segs., maxime 35 a 46.
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(5) Sobre o regime dos actos jurídico-públicos e dos actos jurídico-constitucionais, ver Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo V, Coimbra Editora, 1997, pp. 94 e segs..
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(6) Sendo de notar que o interesse público não é uma realidade abstracta, realizável no vazio, mas, em sede de recrutamento de pessoal para a função púbica, consubstancia-se numa decisão justa e ajustada, cujos critérios são acessíveis a um auditório racional e interessado.
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