RECOMENDAÇÃO N.º 10/B/2005
(Artigo 20º, nº 1, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)


Entidades visadas: Ministro da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior; e Ordem dos Arquitectos
Procº: 3578/03
Data: 2005/10/26
Área: A6


Assunto: Acesso à profissão de Arquitecto.


I


1. Por vários licenciados em arquitectura, com grau concedido por certas instituições de ensino superior, foi apresentada queixa a respeito do tratamento legal dispensado pela Ordem dos Arquitectos (adiante OA) à sua pretensão de inscrição na referida associação pública de cariz profissional, recusando-se-lhes o acesso ao próprio estágio.


2. Por outros licenciados e alunos de outros cursos de arquitectura foi também apresentada reclamação contra o mesmo enquadramento normativo, desta feita por, embora admitidos os primeiros a estágio, ser exigida para tal a prestação de provas de exame como requisito de acesso ao referido estágio.


3. No primeiro caso, utilizando a linguagem dos regulamentos pertinentes da OA, está em causa o reconhecimento de cursos, criticando-se, no segundo caso, a existência da acreditação de cursos.


4. Muito embora se tenha optado por tomar posição conjunta a respeito destas duas soluções normativas, ambas relacionadas com o acesso à profissão de arquitecto e convocando questões relevantes que importam a espaços de autonomia estadualmente devolvidos – como as universidades e as associações públicas de cariz profissional – há que apontar, desde já, uma importante diferença.


5. Na verdade, enquanto que, na primeira, a solução normativa em causa comporta uma crítica binária (admitindo-se ou excluindo-se a licitude da recusa de admissão ao estágio), já no que toca à acreditação o resultado final pode ser um de três: licitude da solução criticada, ilicitude da realização da prova de exame ou ilicitude da sua dispensa.


6. Naturalmente que, sem entrar em questões de mérito, designadamente de cariz técnico e científico, para cujo tratamento não disponho de competência legal, não me restringirei aos aspectos da legalidade estrita.


7. É, assim, preliminarmente o afirmo, motivo de preocupação a instabilidade normativa que se verificou em cinco anos e que se anuncia ainda para os anos mais próximos, apesar de inevitável, como se dirá.


8. Em matéria tão sensível como é a da definição do ingresso numa carreira profissional, parece-me meritório um esforço suplementar na clareza e permanência de soluções normativas por prazos mínimos razoáveis, assim beneficiando a ciência que os cidadãos possuem sobre as regras que lhes limitam esse ingresso e permitem a esclarecida formação da sua vontade face às opções que se lhes oferecem.


II


9. Com isto não se significa que se queira aderir a uma visão monista de tal percurso profissional, encarando a frequência do ensino superior como que se de uma primeira parte (teórica ou “académica”) do estágio de ingresso em certa Ordem se tratasse.


10. Na verdade, e é aspecto recorrente nas reclamações ora em apreço e noutras similares, usa-se indevidamente como argumento uma suposta retroactividade de normas que estabelecem requisitos diversos de ingresso no estágio ou na própria inscrição, alegando-se a existência de matrícula anterior no curso em questão.


11. Está bem de ver que tal retroactividade não existe, nenhuma relação necessária existindo entre a aceitação, pela entidade A-Universidade, de certo candidato no seu seio, como aluno, e análogo acto, pela entidade B-Ordem, na inscrição do mesmo, obtido o grau eventualmente exigido por lei.


12. Se é possível afiançar-se a existência de retroactividade na aplicação de um regulamento de estágio aos candidatos já inscritos à data da sua entrada em vigor, nenhuma alegação deste tipo pode ser aduzida face aos que, então, ainda não tinham adquirido essa qualidade.


13. Também não posso concordar, sem mais, com as afirmações que pretendem posicionar o âmbito avaliativo das universidades e das ordens profissionais como dois círculos que se não intersectam.


14. Se me parece bem claro que uma ordem profissional não se pode substituir a uma universidade, concedendo ou negando um grau, não é menos verdade que o contrário também será verdadeiro, não podendo, sem mais e num cenário de acesso condicionado a certa profissão, querer-se menorizar o papel constitucional das associações públicas, defendendo, sem limites, que às mesmas compete cegamente aceitar, para fins profissionais, como igual todo e qualquer grau legitimamente concedido por instituições de ensino superior.


15. Seria estultícia negar que, em princípio, a generalidade dos alunos do ensino superior frequenta certo curso com o intuito de, obtido o grau, exercer a profissão para a qual o mesmo, jurídica ou facticamente, habilita.


16. Não se pode, todavia, inelutavelmente retirar-se da licitude da obtenção de um grau qualquer pretensão de automatismo no acesso a uma profissão ou negar a uma Ordem, de acordo com a lei, a possibilidade de avaliar e certificar a capacidade para a profissão daquele que se propõe exercitar a mesma.


17. Não creio, na verdade, que se possa afirmar que a concessão de um grau cria uma presunção inilidível da aquisição de certos conhecimentos, para todos os efeitos, podendo, a meu ver e se a lei o permitir, uma associação profissional – não discutindo o grau e o âmbito próprio do mesmo – verificar se, na verdade, aqueles são suficientes para não desmerecer a profissão e os interesses de quem ao profissional irá recorrer, aspectos estes que compete às ordens profissionais acautelar, nos termos legais.


18. Dando como exemplo um licenciado em Direito, este necessariamente tendo obtido aprovação em Direito Processual Civil, pode contudo, e deve, ser examinado nessa matéria pela Ordem dos Advogados.


19. Mostrando que possui os conhecimentos nessa área aptos ao exercício da advocacia, muito bem; no caso contrário, não está minimamente beliscado o grau, podendo, v. g., ser exercitado na docência, com obtenção de mestrado e doutoramento, hipoteticamente na área juscientífica em causa, ou ainda em qualquer outra carreira ou situação profissional para cujo desempenho não seja exigida a inscrição na associação pública mencionada.


20. Devendo ser porventura diverso o enfoque próprio da Universidade e da Ordem, a própria circunstância de se estar perante um grau académico que a lei exige como habilitação de ingresso na profissão reforça a necessidade da intersecção dos círculos de competência destas duas instituições.


21. Nessa medida, e sem subscrever ou negar as acusações de “excessivo academismo” do controlo profissional, a própria dualidade deste sistema aconselha a que a diferença seja conferida pela perspectiva própria de cada instituição, nessa medida cabendo à Ordem garantir o que interessa ao exercício da profissão e não o que, embora conectado, não tenha directamente para tal relevância.


22. Nem a Ordem pode assumir o estágio e a sua avaliação como que de uma pós-graduação universitária se tratasse, nem pode pretender-se que o grau concedido por instituição do ensino superior, por si só, habilita ao exercício da profissão e dispensa qualquer avaliação que não do foro deontológico, da competência própria das ordens profissionais.


23. Ao fim e ao cabo, é o mesmo Estado que, para efeitos académicos, cria instituições de ensino superior ou as reconhece, quem devolve à Ordem o poder de, para efeitos profissionais, escolher quem é capaz de exercer essa actividade, no respeito estrito da autonomia das universidades e das associações profissionais, entre si e perante o mesmo Estado. O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 176/98 atende, aliás, a esta diferença de perspectiva, ao referir que se impõe “uma clara separação entre os conceitos de título académico e título profissional”.


III


24. O regime de acesso à profissão de arquitecto, conforme estabelecia o Estatuto da Associação dos Arquitectos Portugueses, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 465/88, de 15 de Dezembro, era bastante aberto, bastando-se com a posse de um grau académico no campo da arquitectura (art.º 7.º).


25. Pelo contrário, o actual Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 176/98, de 3 de Julho, é claro ao limitar o acesso à profissão, condicionando-o por várias vias.


26. Desde logo, condiciona tal acesso por passar a prever a existência de membros estagiários, definidos nos termos do art.º 7.º, n.º 4, permitindo o art.º 6.º que tais estágios sejam eventualmente exigidos, tal como a “prestação de provas de aptidão”.


27. É também relevante mencionar-se que o direito de inscrição na Ordem (e, concomitantemente, no próprio estágio) deixa de se reportar a todo e qualquer grau de licenciatura em Arquitectura, mas apenas àqueles reconhecidos “nos termos legais e do presente Estatuto” (sublinhado meu).


28. Esta última referência só pode considerar-se efectuada para o teor do art.º 42.º, n.º 2, do mesmo Estatuto, quando se estabelece a obrigatoriedade de os membros da Ordem comprovarem ter os conhecimentos enunciados na Directiva n.º 85/384/CEE, do Conselho (adiante, Directiva).


29. Procedendo-se aqui claramente a um fenómeno de recepção, autónomo mas de algum modo comparticipante da transposição daquele acto comunitário, não me parece importante discutir qual o grau de vinculatividade ou de efeito directo desta Directiva, se existente ou se carecendo de arrimo em diploma legal que efectuasse a respectiva transposição.


30. Também é irrelevante discutir o âmbito de aplicação desta Directiva, se limitado ou não às situações transnacionais.


31. O que releva é que temos aqui, claramente, uma norma legal que recolhe o teor dessa Directiva, em termos que possibilitam a certa associação pública verificar a posse desses requisitos aí estabelecidos por quem queira obter certo efeito jurídico, no caso a inscrição na OA e o acesso à profissão de arquitecto.


32. Ora, não há, todavia, que confundir o cumprimento conjugado dos art.ºs 5.º e 42.º do EOA com o das disposições da Directiva que exigem a comunicação oportuna, por parte dos Estados, dos títulos académicos que no seu território satisfazem os critérios da Directiva (cfr. o seu art.º 7.º).


33. Há alguns anos recebi, precisamente, uma queixa relacionada com o incumprimento desta obrigação, prejudicando uma licenciada que possuía grau reconhecido pela OA mas não constante do art.º 11.º da Directiva, nem da lista que a mesma mandava fazer.


34. Defendi na altura, e continuo a defender, que o carácter meramente exemplificativo do art.º 15.º do Decreto-Lei n.º 14/90, de 8 de Janeiro, permite conferir um papel bastante relevante à OA.


35. Creio que terá que ser seu o papel principal na definição dos cursos que devem constar da lista em questão, desde logo por ser seu o papel legalmente atribuído de disciplina no acesso à profissão (e é de exercício de profissão que a Directiva trata, e não, v. g., do exercício de funções docentes de Arquitectura).


36. Mitigo, todavia, o que então defendi, quanto à obrigação de execução dessa decisão da OA, designadamente no que tange ao relacionamento com os demais Estados e a instância comunitária que tem a seu cargo a manutenção e divulgação, no JOCE, da lista.


37. Assim, parecendo-me estar legalmente atribuída à OA a execução de um processo de reconhecimento dos cursos existentes em Portugal, cessa a sua intervenção após a comunicação ao Governo do resultado concretamente obtido, devendo este, pelas vias usuais, proceder às comunicações em apreço.


38. Noto que esse processo de reconhecimento deve ser contínuo ou pelo menos periodicamente renovado, tendo presente o 3.º parágrafo do n.º 1 do art.º 7.º da Directiva.


39. Em parêntesis, acrescento que não me parece adequado, a manter-se a atitude da OA então relatada, que se restrinja a apreciação dos cursos aos casos em que a própria instituição de ensino superior o venha requerer. Tratando-se de matéria de importância crítica para os graduados por essa instituição, e muito embora alguma colaboração tenha sempre que ser prestada pela mesma, não vejo motivos para não conferir legitimidade para o início do procedimento a qualquer interessado, leia-se qualquer graduado ou, com maior plausibilidade, grupo de graduados.


40. Apesar de, ao que se informa, se tratar de realidade residual, não tendo sido iniciado qualquer procedimento em 4 casos, num universo de 27, é aspecto que, precisamente pela aparente relutância deste remanescente, importaria corrigir.


41. Como acima principiei por referir, este reconhecimento para efeitos da Directiva não se confunde com o reconhecimento a que me reportei em I, n.º 1.


42. É que, para efeitos de aplicação do EOA, ou seja, para inscrição na OA, é irrelevante, em si mesmo, saber se determinado curso, concluído pelo candidato em Portugal, está ou não inscrito na lista em causa.


43. Nada na Directiva permitindo supor, em si mesmo, a proibição do exercício da arquitectura, dentro de cada Estado, por quem não esteja habilitado nos termos daquela, é na pura exegese do texto legal interno que se alcançará a resposta sobre a licitude da actuação da OA na feitura dos regulamentos de admissão que se têm sucedido.


44. Ora, perscrutado o EOA, nada se encontra que, “nos termos do Estatuto”, permita diferenciar dois “titulares de licenciatura ou diploma equivalente no domínio da arquitectura, reconhecido nos termos legais”, excepto o já citado art.º 42.º, n.º 2.


45. Nenhuma outra disposição estatutária permite, directa ou indirectamente, defender que a Ordem, através de algum dos seus órgãos, tem competência para diferenciar os cursos validamente leccionados em Portugal, no domínio da arquitectura, em termos que definam a possibilidade, sequer, de inscrição no estágio, em nenhum lado se mencionando o reconhecimento, para este efeito, de cursos.


46. Não creio, também, que possa encontrar-se arrimo para tal no citado art.º 42.º, n.º 2.


47. Esta norma, sem dúvida alguma, permite à OA recusar a admissão de quem não demonstre, por meios adequados, corresponder ao que vem enunciado no art.º 3.º da Directiva, abrindo aliás caminho para uma avaliação contínua e periódica ao longo da carreira profissional.


48. Trata-se, todavia, de uma obrigação que, nos termos da norma legal citada, impende sobre os candidatos a arquitectos, individualmente considerados, parecendo-me abusivo, em termos formais, poder extrapolar-se a presença ou ausência desses conhecimentos por via de um reconhecimento da formação académica ministrada, em termos gerais, na instituição concedente do grau.


49. Tratando-se, quer a liberdade de profissão, quer o correlativo direito de inscrição na OA, de posições jurídicas de exercício individual, como individual é também a actividade profissional que se quer exercer, se seria hipoteticamente de admitir uma dispensa genérica da prova, pelos licenciados em certa instituição, destes conhecimentos (por um “reconhecimento”), já não considero admissível vedar-se aos demais licenciados em arquitectura a possibilidade de provarem que, apesar de oriundos de cursos “não reconhecidos”, possuem todavia os conhecimentos exigidos formalmente pela lei e substantivamente na Directiva.


50. Esta circunstância induz-me também a considerar a actual situação como abusiva em termos materiais, já que os graduados por instituições que, livremente, não peçam o reconhecimento ficam impossibilitados, por acto de terceiro, de provar a posse de conhecimentos bastantes para aceder à profissão de arquitecto.


51. Nessa medida, nada obstaria a que fosse exigido sempre a qualquer candidato que provasse possuir os conhecimentos aptos à profissão, nos termos do art.º 42.º, n.º 2, do EOA, aceitando-se como natural excepção os titulares de cursos inscritos na lista prevista na Directiva.


52. Tal prova de conhecimentos, embora não repugnasse poder existir a montante do estágio, mais facilmente se perceberia a seu jusante, quer pela natureza subordinada do exercício profissional durante o estágio, quer pela possibilidade que assim se daria aos estagiários com percursos académicos eventualmente menos consistentes de se aperfeiçoarem durante o período probatório.


IV


53. Diversa ordem de problemas é levantada pelo mecanismo denominado de acreditação, que se traduz, afinal, numa dispensa da prova de admissão.


54. Assim, se o reconhecimento permitia a demonstração posterior de conhecimentos, em caso contrário a impedindo, no pólo oposto a acreditação dispensa a prova de conhecimentos que é exigida aos demais candidatos.


55. Se o reconhecimento limita o acesso à profissão, a acreditação facilita-a, muito embora tal não signifique que possa corresponder a uma livre vontade da OA, na medida em que sempre convoca a dimensão da igualdade no acesso à profissão.


56. Todavia, em primeiro lugar, não posso concordar com as críticas que, do ponto de vista orgânico, são a este respeito levantadas.


57. Assim, há um mínimo de arrimo legal no EOA que sustenta a possibilidade desta dispensa, principiando na natureza eventual da prova de admissão, conforme estabelecido no art.º 6.º, mas, principalmente, na competência de iniciativa que claramente se estabelece no art.º 22.º, n.º 2, em benefício do conselho nacional de admissão (CNA).


58. Se há competência de iniciativa, aliás em norma que também contém contornos materiais de definição da mesma, e claramente se define o órgão junto de quem a proposta deve ser feita, o conselho directivo nacional (CND), não me parece senão de concluir pela inclusão desta competência de aprovação no leque de competências do CND, qualquer que seja a leitura, mais ou menos restritiva, que se faça da alínea d), 2.ª parte do art.º 18.º do EOA.


59. Em termos formais, não creio também que seja possível transformar a faculdade de pronúncia, contida no art.º 14.º, n.º 8, h), em benefício da assembleia geral, numa obrigação de audição, por parte do CND.


60. Nessa medida o inciso final do art.º 18.º, d), não tem autonomia face às normas que, em concreto, estabeleçam um direito de audição em benefício de órgãos diversos do CND.


61. Do ponto de vista material, a prova de admissão está claramente prevista no EOA (art.ºs 6.º e 22.º, n.º 2, b) e c)), bem como a faculdade da sua dispensa (citada alínea c)), assim se aceitando o mecanismo de acreditação, substantivamente equivalente àquela.


62. Nada permite supor, também, uma violação do princípio da igualdade, estando definidos na lei, de forma taxativa ou não, os aspectos relevantes para a feitura da regulamentação e, em consequência, para a fundamentação das decisões tomadas, e não sendo os mesmos incongruentes com o fim em vista.


63. Tal congruência era, reconheça-se, mais evidenciada quando a prova em apreço, consoante o regulamento primeiramente aprovado, era realizada no início do estágio, assim não podendo incidir, naturalmente, sobre conteúdos apenas apreendidos durante o mesmo.


64. O regulamento ora em vigor modificou o momento para a prestação dessa prova, o que, obviando às críticas de quem acusa a OA de se imiscuir no âmbito estritamente académico, em perspectiva que acima critiquei, poderá implicar, ou no mínimo aconselhar, a reorientação dos critérios elencados no art.º 22.º, n.º 2, c), do EOA.


65. Tem sido também noticiada a existência de críticas, designadamente por parte da Comissão Europeia, ao sistema actualmente estabelecido.


66. Sendo manifesto que a existência de um esquema de estágio e prova de admissão não é exigido pela Directiva, não se pode, todavia, tão pouco afirmar que o mesmo é vedado, pelo menos da forma como se defendeu nas queixas que me foram apresentadas.


67. Trata-se, aliás, de questão lateral às mesmas, já que em nenhuma situação concreta que me foi apresentada se detectava qualquer elemento de conexão com outra ordem jurídica que não a portuguesa.


68. Não sendo, assim, dimensão relevante para a presente tomada de posição, é de frisar que será mais a acreditação a causar críticas no plano juscomunitário, pelo que representa de possível vantagem para os graduados por instituições de ensino superior nacionais, sendo remota a possibilidade de acreditação de cursos estrangeiros.


69. Superando a questão da acreditação, por não limitativa mas ampliativa da possibilidade de acesso à profissão, há que juntar o reconhecimento da justeza das dúvidas levantadas a propósito da legitimidade constitucional das normas legais que estabelecem o estágio e a prova de admissão, em suma, do art.º 6.º do EOA.


70. Não duvidando da sua pertinência material, há que reconhecer a extrema dificuldade com que se pode subsumir o seu teor à extensão e sentido definidos na correspondente lei de autorização legislativa, designadamente no art.º 2.º da Lei n.º 121/97, de 13 de Novembro.


71. Na verdade, tendo por base o regime legal estabelecido em matéria de acesso à profissão, pelo anterior EOA (cfr. n.º 24, acima), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 465/88, ter-se-ia que descortinar na lei de autorização legislativa algum segmento normativo que abrangesse, na extensão dessa autorização, a modificação do regime de acesso.


72. Admito que o teor do art.º 42.º, n.º 2, do EOA possa encontrar ainda arrimo no n.º 8 do art.º 2.º da Lei n.º 121/97, enquanto “adaptação necessária” face à transposição da Directiva.


73. Todavia, não decorrendo a existência de estágio e de prova de admissão, necessariamente, da obrigação de transposição da Directiva, o carácter inovatório, não coberto pela Lei n.º 121/97, parece-me difícil de recusar, o que não pode deixar de ter consequências, quanto mais não seja na regularização de qualquer decisão de mérito que legitimamente se queira tomar na matéria.


V


74. No seguimento do regime, bem ou mal traçado pelo EOA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 176/98, uma outra dimensão relevante é dada pela instabilidade regulamentar que se tem verificado desde a primeira normação, em Fevereiro de 2000, contando-se cinco eventos principais, a tomar-se já como certa a anunciada reforma em 2007.


75. Assim, aprovado um regulamento (RIA) na data em questão, foi suspenso 5 meses mais tarde, em decisão revogada em Junho de 2002. Posteriormente aprovado um novo regulamento (RA), anuncia-se a sua revisão para 2007, então se ponderando sobre as condições de dispensa de prova.


76. Abrindo outro parêntesis, não creio que os reconhecimentos e acreditações decididos durante o período de suspensão do RIA fossem ilícitos, por este motivo. Muito embora durante essa suspensão não fosse possível extrair qualquer efeito jurídico da decisão de reconhecimento ou de acreditação, trata-se, nos dois casos, de valorações assentes em declarações de ciência, vinculando a OA, nesses mesmos termos, a aplicar o regime jurídico deste aos graduados oriundos de cursos e estabelecimentos beneficiados com esse reconhecimento ou essa acreditação, numa futura vigência do regulamento em questão.


77. Posição contrária equivaleria à maior limitação no acesso à profissão e a um menor aproveitamento dos actos, com imperativa repetição de actos desnecessários, como seria uma nova actividade avaliativa.


78. Já reconheço razão aos estagiários que, inscrevendo-se ao abrigo do RIA, parecem ver-lhes exigida a prestação da prova final prevista no RA.


79. Está em causa, aqui também, a retroactividade estabelecida no art.º 8.º, n.º 3, do RA, que me não parece possível em matéria de disciplina do acesso à profissão.


80. Ora, quanto aos primeiros há que duvidar da exigência, que me foi descrita, de realizarem no fim do estágio a prova (do RA) que lhes não foi exigida ou efectivamente realizada no início do mesmo (a do RIA).


81. Se tal prova inicial não foi realizada em tempo e nos termos regulamentares, esse facto não parece ser imputável a nenhum dos candidatos nestas circunstâncias, não sendo legítimo obrigá-los à prestação de prova alternativa, com conteúdo e objecto necessariamente diversos, pela diversidade do momento da sua realização no enquadramento do estágio.


82. Também quanto aos segundos, isto é, aos candidatos inscritos entre os finais de Agosto de 2004 e a data da entrada em vigor do RA, há que salvaguardar as legítimas expectativas que adquirem ao requerer a admissão a estágio, nos termos de regulamento em vigor.


VI


Assim, nos termos do art.º 20.º, n.º 1, a) e b), do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendo à Ordem dos Arquitectos:



























A. quanto às responsabilidades contraídas no âmbito do Decreto-Lei n.º 14/90,


i) que sejam prontamente avaliados os cursos de arquitectura leccionados em Portugal e que ainda estão em falta, tendo os respectivos estabelecimentos de ensino tomado já a iniciativa de o requerer;


ii) que o resultado dessa avaliação seja de imediato transmitido ao Governo, para o cumprimento das obrigações de comunicação e registo previstas no art.º 7.º da Directiva;


iii) que, para adequada ultimação deste processo, seja alargada a legitimidade para requerer esta avaliação a qualquer interessado na mesma, aí se enquadrando, necessariamente, qualquer graduado pela instituição em causa.


B. quanto aos candidatos à inscrição na Ordem dos Arquitectos de cursos não objecto de reconhecimento:


i) que cesse a aplicação das normas que lhes têm vedado o acesso, podendo, nos limites do art.º 42.º, n.º 2, do EOA, ser-lhes contudo exigida a prestação da prova dos conhecimentos ali mencionados.


C. quanto aos estagiários titulares de curso sem acreditação:


i) sendo bastante duvidosa a legitimidade actual da exigência de estágio e prova de admissão, esta, pelo menos, no que supere o teor do art.º 42.º, n.º 2, do EOA no caso dos estagiários oriundos de cursos ainda não reconhecidos para efeitos da Directiva, cesse pelo menos a exigência da prova de admissão prevista no RA, até clarificação, que não pode deixar de ser através de lei formal, da questão;


ii) como mínimo, seja concedida a inscrição como membro efectivo da OA aos estagiários inscritos antes da data de entrada em vigor do RA, conforme o seu art.º 8.º, n.º 4, sem exigência extemporânea da prova de admissão ao estágio prevista no RIA.


D. quanto às provas existentes ou a criar:


i) que seja criada uma instância de controlo científico e técnico do conteúdo concreto de cada prova, de preferência com carácter independente dos demais órgãos da Ordem, e acolhendo no seu seio também membros designados pelas Universidades;


ii) que seja mantido um controlo estatístico das provas, designadamente com recurso a métodos de padronização e normalização, no pressuposto de que se trata da obtenção de uma certificação mínima de capacidade de acesso à profissão.



Sugiro ainda à Ordem dos Arquitectos, para completa superação da situação vivida nos últimos 5 anos e adequada consagração de um regime probatório de acesso à profissão de arquitecto, de cuja necessidade e bondade não duvido minimamente:











a) que sejam, junto da Assembleia da República e do Governo, encetados os impulsos legislativos que conduzam à alteração do EOA, directamente por lei parlamentar ou mediante autorização ao executivo, em termos que permitam reconduzir sempre ao Parlamento a vontade de: i) estar definida como obrigatória ou possível para qualquer candidato à profissão de arquitecto a existência de um período de estágio e as regras essenciais da sua avaliação; ii) as condições de dispensa do referido estágio ou de alguma parte do mecanismo de avaliação, designadamente aceitando aqui e integrando as preocupações aduzidas a nível europeu.


b) após a aprovação desse diploma legal, que seja regulamentarmente conferida uma maior sedimentação a qualquer decisão a esse propósito dos órgãos competentes da OA, designadamente estabelecendo a aplicação do decidido por um período relativamente longo e, em caso de alteração, estabelecendo regras adequadas de transição, com uma vacatio legis adequada.



Recomendo ao Governo, na pessoa de Sua Excelência o Ministro da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior:








a) que, caso lhe tenha já sido comunicado pela Ordem dos Arquitectos a conformidade de certos e determinados cursos com o art.º 3.º da Directiva, tal seja prontamente comunicado, pelos meios usuais, aos demais estados membros da União Europeia e à Comissão, conforme preceitua o art.º 7.º da Directiva;


b) que seja dispensada à Ordem dos Arquitectos total colaboração no exercício da sua missão, estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 14/90, no que à avaliação dos cursos ainda em falta concerne;


c) que, neste âmbito, sejam exercidos os poderes normativamente estabelecidos, designadamente pelos serviços inspectivos, de tutela no quadro dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo que não requereram a sua inscrição na lista da Directiva, tratando-se, ao que julgo, de obrigação sua para com os alunos que os frequentam e os graduados que formam.




O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues