RECOMENDAÇÃO N.º 2/B/2005
(Artigo 20º, nº 1, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)


Entidade visada: Ministro da Justiça
Proc.º: R-2286/04
Data: 2005/10/12
Área: A6


Assunto: Acesso ao direito e aos tribunais. Protecção jurídica. Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, e Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto.


A Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que regula actualmente o regime de acesso ao direito e aos tribunais, estabelece, no ponto I do respectivo Anexo, os critérios subjacentes à apreciação da insuficiência económica para efeitos da aplicação do diploma, concretizando depois a Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, alterada entretanto pela Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, a fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante tendo em vista a concessão ou não da protecção jurídica prevista naquela primeira lei.


Há um conjunto de questões relativas ao identificado regime, resultante da aplicação conjugada dos dois mencionados diplomas, que me suscitam preocupação: antes de mais, a ponderação de determinado tipo de consequências decorrentes do facto de a apreciação da insuficiência económica ser sempre feita em função do rendimento do agregado familiar do requerente da protecção jurídica, e não, pelo menos em determinadas circunstâncias, em função apenas do rendimento individual daquele último; por outro lado, a circunstância de poder ser considerado, no cálculo do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, a remuneração anteriormente auferida pelo requerente alvo de despedimento que se encontra já em situação de desemprego à data da efectivação do pedido de protecção jurídica (e que muitas vezes requer o apoio judiciário precisamente para propor acção relacionada com esse despedimento).


Entendo ainda que alguns aspectos relacionados com a concretização da fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para efeitos de concessão ou não da protecção em causa, levada a efeito pela Portaria n.º 1085-A/2004, alterada, conforme dito, pela Portaria n.º 288/2005, poderão ser objecto de uma maior adequação à realidade e aos objectivos do próprio instituto do apoio judiciário.


Finalmente, a Lei n.º 34/2004 alude ao conceito de rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (vd. designadamente o respectivo Anexo I, n.º 1), sem que seja possível extrair da mesma legislação os critérios mínimos que enquadram a definição desse conceito. Esta tarefa é deixada em exclusivo para a Portaria n.º 1085-A/2004, correndo-se o risco de se remeter para regulamento aspectos essenciais da regulação de um direito fundamental, de natureza claramente análoga à dos direitos, liberdades e garantias.


Naturalmente que esta minha Recomendação se reporta à legislação que hoje em dia regula a matéria em causa. Outros modelos normativos seriam obviamente possíveis, desde logo em moldes similares à solução anterior, estabelecida na Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, que a presente lei veio revogar. O modelo revogado assentava, como se sabe, em princípios distintos dos actualmente vigentes, de que se destaca desde logo a circunstância de o cálculo do rendimento não ser então feito em função do agregado familiar, como actualmente, mas em função do rendimento individual do requerente de apoio judiciário. De qualquer forma, não entrarei, no âmbito desta Recomendação, na análise – como disse, possível – de eventuais alternativas ao modelo ora existente.



I) Rendimento relevante para efeitos de concessão da protecção jurídica prevista na Lei n.º 34/2004
:


I) a) Consequências, verificadas em determinadas circunstâncias, da apreciação do rendimento relevante em função do rendimento do agregado familiar e não em função do rendimento individual do requerente da protecção jurídica:


No art.º 8.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, determina-se que se encontra em situação de insuficiência económica “aquele que, tendo em conta factores de natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo”.


Os critérios de apreciação da insuficiência económica estão definidos no ponto I do Anexo à referida lei, e concretizados, com vista ao apuramento do rendimento relevante aí mencionado, na Portaria acima identificada.


Em síntese, são os seguintes esses critérios:








1.º Se o agregado familiar do requerente da protecção jurídica tem um rendimento (relevante para efeitos de concessão de protecção jurídica, determinado nos termos da Portaria n.º 1085-A/2004) igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional, este requerente não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os custos de um processo. Assim sendo, o requerente nestas condições beneficiará, à partida, da protecção jurídica prevista na lei, em qualquer das suas modalidades, isto é, de consulta jurídica e de apoio judiciário gratuitos.


2.º Se o agregado familiar do requerente da protecção jurídica tem um rendimento (relevante, nos termos acima mencionados) superior a um quinto e igual ou menor do que metade do valor do salário mínimo nacional, este requerente tem condições objectivas para suportar os custos da consulta jurídica mas já não as reunirá para suportar os custos de um eventual processo judicial. Deste modo, este requerente não beneficiará de consulta jurídica gratuita, mas já poderá usufruir, à partida, da protecção jurídica prevista na lei na modalidade de apoio judiciário.


3.º Se o agregado familiar do requerente da protecção jurídica dispõe de um rendimento (relevante, nos termos acima mencionados) superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o valor do salário mínimo nacional, este requerente tem condições objectivas para suportar os custos da consulta jurídica, mas já não terá condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo, pelo que deverá beneficiar do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado. O requerente nestas condições não beneficiará de consulta jurídica gratuita nem de apoio judiciário gratuito, devendo em princípio pagar por inteiro as despesas relacionadas com os custos de um processo judicial. No entanto, beneficiará este requerente, concretamente quanto à modalidade de apoio judiciário, do pagamento faseado que se encontra previsto no ponto II do mesmo Anexo da lei em referência. Este pagamento faseado é também ele estabelecido em função do mesmo conceito de “rendimento relevante”, podendo ser feito até ao máximo de quatro anos após a obtenção de decisão judicial definitiva, e variando entre um mínimo de €45 por trimestre e um máximo de €160 por mês.


4.º Se o agregado familiar do requerente da protecção jurídica dispõe de um rendimento (relevante, nos termos acima mencionados) superior a duas vezes o valor do salário mínimo nacional, este requerente não se encontra, à partida, em situação de insuficiência económica para efeitos da aplicação da legislação aqui em análise.



Os critérios acima enunciados, constantes das alíneas a) a d) do n.º 1 do ponto I do Anexo traduzem, na prática, situações de presunção de insuficiência económica – ou de não insuficiência económica – para efeitos da aplicação da Lei n.º 34/2004. Assim sendo, a aplicação dessas presunções fica desde logo arredada no caso de o valor de eventuais créditos depositados em contas bancárias e o montante de eventuais valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado de que o requerente ou qualquer membro do seu agregado familiar sejam titulares, forem superiores a quarenta vezes o valor do salário mínimo nacional. Neste caso, previsto no n.º 2 do ponto I do Anexo em referência, não releva, para a apreciação da insuficiência económica, o valor do rendimento do agregado familiar, presumindo-se desde logo que o requerente da protecção jurídica não se encontra em situação de insuficiência económica.


Por outro lado, se os serviços da segurança social, perante um caso concreto, entenderem não dever aplicar o resultado da apreciação efectuada, remetem o pedido, acompanhado de informação fundamentada, para a comissão a que se refere designadamente o art.º 20.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, que decide então sobre esse mesmo caso.


Também a Portaria n.º 1085-A/2004, já acima mencionada, refere, no respectivo art.º 2.º, com a epígrafe “Apreciação em concreto da insuficiência económica”, que o disposto na mesma – onde, como se disse, se concretizam os critérios de prova e de insuficiência económica para efeitos da aplicação da Lei n.º 34/2004 – “não prejudica a possibilidade de ser concretamente apreciada a situação económica dos requerentes de protecção jurídica, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 20.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho”.


Refira-se ainda que, de acordo com o estabelecido por sua vez no n.º 3 do ponto I do Anexo à Lei n.º 34/2004, “para os efeitos desta lei, considera-se que pertencem ao mesmo agregado familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção jurídica”.


Assim sendo, importa para já reter que a apreciação da insuficiência económica do requerente da protecção jurídica se faz sempre por referência ao rendimento global do agregado familiar do requerente, definido nos termos mencionados, e não ao rendimento apenas deste. Compreendendo naturalmente que a solução em causa possa fazer sentido quando aplicada a grande parte das situações concretas que a legislação em causa visou regulamentar, a verdade é que a mesma solução revelar-se-á manifestamente desadequada quando se verificam, também em concreto, determinadas circunstâncias que importa aqui trazer à colação.


Não será difícil imaginar situações em que o requerente da protecção jurídica não goza de condições objectivas, se estas fossem determinadas por referência ao seu rendimento individual, para suportar os custos dessa protecção jurídica, mas em que o rendimento do agregado familiar, nos termos que decorrem da legislação em análise, já permitirá a assunção dessas despesas, não tendo no entanto o requerente a adesão e apoio necessários do restante agregado familiar para a iniciativa de recorrer aos órgãos jurisdicionais, no sentido de fazer valer eventuais direitos ou interesses legítimos seus.


Da mesma forma, poderá dar-se o caso de a pessoa naquelas mesmas condições pretender litigar contra outro ou outros membros do seu agregado familiar.


Situação complexa é a do cônjuge requerente de protecção jurídica tendo em vista a propositura de uma acção de divórcio (litigioso), que não disponha de condições objectivas, se estas fossem determinadas por referência ao seu rendimento individual, para suportar essas despesas, mas cuja protecção jurídica possa vir a ser negada pelo facto de o outro cônjuge poder auferir um determinado nível de rendimento que, na perspectiva em análise, inviabilize a concessão do apoio previsto na lei.


Ora, as situações anteriores, cuja probabilidade de verificação em concreto não é despicienda, provavelmente representarão, para os cidadãos requerentes da protecção jurídica em causa, uma verdadeira denegação do acesso ao direito e aos tribunais, em inevitável e frontal violação do direito que é garantido pela Constituição da República Portuguesa no seu art.º 20.º.


É certo que, em última instância, poderá ser accionado o acima referido mecanismo de apreciação casuística de situações, pela comissão específica a que se reporta o art.º 20.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004. A verdade também é que o procedimento em causa, para além de estar previsto para situações que possam de alguma forma gerar dúvidas na apreciação designadamente da documentação junta ao processo – neste sentido, parecendo ter como objectivo proteger o Estado, e não o utente, de eventuais fraudes na obtenção da protecção em causa (ou seja, normalmente situações em que a mera aplicação da lei levaria à concessão da protecção, mas que geram dúvidas na entidade que à partida tem o poder de decidir), dependerá, além do mais, de uma iniciativa dos serviços da segurança social competentes (que não estarão à partida sensibilizados para o problema ora em análise, não previsto explicitamente no normativo, pretendendo acima de tudo a minimização de situações de fraude), não podendo ser desencadeado pelo próprio requerente da protecção jurídica.


Assim sendo, e a manter-se como critério principal a aferição da insuficiência económica do requerente da protecção jurídica pelo rendimento global do agregado familiar deste, seria de todo conveniente que fosse gizada, na mesma lei, uma solução que permitisse, designadamente no tipo de situações acima descritas, a aferição dessa insuficiência económica pelos rendimentos apenas do próprio requerente da protecção jurídica, que teriam de ser autonomizados e considerados, para efeitos da aplicação designadamente da Portaria n.º 1085-A/2004, individualmente.


Parecer-me-ia então adequado que, na situação em análise, fosse possível ao requerente da protecção jurídica solicitar expressamente, no próprio requerimento que dá início ao procedimento que visa a concessão desse apoio, que a apreciação da insuficiência económica seja feita, no caso concreto, por referência aos seus rendimentos individuais, e não ao rendimento global do agregado familiar, presumindo a lei um conjunto de situações em que a apreciação da insuficiência económica deva ser feita em função do rendimento individual do requerente do apoio – desde logo as situações de divórcio litigioso e em que o requerente da protecção jurídica litiga contra um ou mais membros da sua família.


Neste caso, a decisão sobre a concessão de protecção jurídica poderá ficar a cargo da comissão a que se refere o art.º 20.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004 – desconheço, no entanto, se esta comissão se encontra já a funcionar na prática.


Uma eventual recusa de apreciação de um pedido de protecção jurídica apresentado nos moldes referidos deverá poder ser objecto de impugnação por parte do requerente do mesmo, nos termos já previstos pela legislação aqui em análise para as decisões em geral sobre os pedidos de protecção jurídica.


Assim sendo, ao abrigo do disposto no art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendo a Vossa Excelência,








A) A introdução, na Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, de uma solução que possibilite ao requerente da protecção jurídica solicitar expressamente, no próprio requerimento que dá início ao procedimento que visa a concessão desse apoio, que a apreciação da insuficiência económica seja feita, no caso concreto, por referência aos seus rendimentos individuais, e não ao rendimento global do agregado familiar.


B) A presunção, pela lei, de um conjunto de situações em que a apreciação da insuficiência económica deva ser feita em função do rendimento individual do requerente da protecção jurídica – desde logo as situações em que o requerente da protecção jurídica pretende propor acção de divórcio litigioso, e em que litiga contra um ou mais membros do seu agregado familiar.
Esta decisão sobre a concessão de protecção jurídica poderá ficar a cargo da comissão a que se refere o art.º 20.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, devendo uma eventual recusa de apreciação de um pedido de protecção jurídica apresentado nos moldes referidos poder ser objecto de impugnação por parte do requerente do mesmo, nos termos já previstos pela legislação aqui em análise para os pedidos em geral de protecção jurídica.




I) b) Cálculo do rendimento relevante para apreciação da insuficiência económica dos trabalhadores alvo de despedimento:


No que toca aos trabalhadores que tenham sido despedidos e que requeiram protecção jurídica designadamente para recurso aos tribunais por motivo relacionado com o despedimento, entendo que não deverá ser considerado, para efeitos de apreciação da sua insuficiência económica, a remuneração auferida antes do despedimento, já que este rendimento será inexistente à data do pedido de protecção jurídica – recordo que, nos termos do disposto no art.º 3.º, n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 1085-A/2004, o requerente de protecção jurídica que seja trabalhador dependente tem de juntar ao requerimento para a concessão de protecção jurídica cópias dos recibos de vencimento emitidos pela entidade patronal nos últimos seis meses.


Uma eventual alteração à Lei n.º 34/2004 que pondere uma solução para a situação que fica exposta revelar-se-á ainda mais pertinente na medida em que o actual Código das Custas Judiciais deixou de prever a redução da taxa de justiça na primeira instância, no âmbito dos processos do foro laboral, previsão aquela que tinha precisamente como objectivo facilitar o acesso à justiça por parte de um grupo de utilizadores que presumivelmente se encontrará, mesmo que pontualmente, numa situação económica desfavorecida.


À partida, os custos com a justiça que um cidadão naquelas condições terá de suportar estarão circunscritos ao pagamento da taxa de justiça, na medida em que a consulta jurídica e o patrocínio oficioso revelar-se-ão assegurados pelo Ministério Público – de resto, a própria Lei n.º 34/2004, no seu art.º 11.º, n.º 2, determina que o apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono e pagamento faseado de honorários de patrono nomeado é incompatível com o patrocínio pelo Ministério Público nos termos previstos na legislação do trabalho.


De qualquer forma, poderá dar-se o caso de o cidadão em causa, nas circunstâncias concretas decorrentes do seu despedimento, não ter possibilidade sequer de pagar essa taxa de justiça. Razão pela qual se sugere que, nesses casos, a apreciação da insuficiência económica tenha em conta as circunstâncias específicas em que está colocado o requerente da protecção jurídica, não sendo considerado, para a sua concessão ou não, o rendimento decorrente do trabalho que este auferia antes do despedimento.


Recomendo, assim,








C) A ponderação de uma solução, no âmbito da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que permita que na apreciação da insuficiência económica do trabalhador despedido requerente de protecção jurídica não seja considerado o rendimento resultante do trabalho que este auferia antes da data do despedimento.




I) c) Critérios para apreciação da insuficiência económica das pessoas colectivas que não sejam sociedades, comerciantes em nome individual e estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada:


O art.º 8.º, n.º 3, da Lei n.º 34/2004 estabelece que a insuficiência económica das sociedades, dos comerciantes em nome individual nas causas relativas ao exercício do comércio e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada é aferida tendo em conta designadamente o volume de negócios, o valor do capital e do património, o número de trabalhadores ao seu serviço e os lucros distribuídos nos três últimos exercícios.


Já quanto às restantes pessoas colectivas, remete a legislação a aferição da sua eventual insuficiência económica para o estatuído no já acima mencionado art.º 8.º, n.º 1, que prescreve o princípio (geral) de que se encontra em situação de insuficiência económica aquele que, tendo em conta factores de natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo.


Ora, não sendo facilmente adaptáveis a estas pessoas colectivas – por exemplo sindicatos, associações de consumidores, associações de ambiente – os critérios que a legislação estabelece, designadamente na Portaria n.º 1085-A/2004, para os requerentes individuais de protecção jurídica, não se inferem, da mesma legislação, os eventuais critérios seguidos na apreciação da insuficiência económica daquele tipo de pessoas colectivas, isto é, das pessoas colectivas que não são sociedades.


Recorda-se que o Ministério Público pode recusar o patrocínio oficioso de um trabalhador se aquele patrocínio puder ser assegurado pelos serviços do contencioso do sindicato em que o mesmo se encontra filiado (art.º 8.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).


Revelar-se-á ainda importante fomentar o recurso à justiça por parte de algumas daquelas associações, para defesa de interesses comuns dos seus associados – designadamente através da regulamentação do art.º 6.º, n.º 3, da Lei n.º 34/2004 –, por forma a evitar-se que cheguem aos tribunais vários processos individuais sobre o mesmo objecto.


Pelo que recomendo:








D) O estabelecimento expresso, na Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, de critérios que norteiem a apreciação da insuficiência económica das pessoas colectivas que não se encontrem abrangidas pelo art.º 8.º, n.º 3, do mesmo diploma, designadamente os sindicatos e associações de outro tipo.




II) Valor do rendimento relevante para efeitos de concessão da protecção jurídica prevista na Lei n.º 34/2004:


Já acima se explicitaram os critérios mediante os quais é apreciada a insuficiência económica para efeitos de concessão das duas formas de protecção jurídica previstas na lei.


Antes de mais, refere-se que o conteúdo a dar, em cada caso concreto, ao conceito de “rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica” a que aludem as alíneas a) a d) do n.º 1 do ponto I do Anexo à Lei n.º 34/2004, corresponderá ao valor obtido na sequência da aplicação, a cada caso concreto, das regras e fórmulas expressas na Portaria n.º 1085-A/2004, alterada pela Portaria n.º 288/2005.


No essencial, podemos afirmar que o valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica corresponderá ao valor do rendimento líquido do agregado familiar (obtido após a dedução do imposto sobre o rendimento e das contribuições para a segurança social), acrescido do montante da renda financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais do agregado familiar, e deduzidos os encargos com as necessidades básicas (alimentação, vestuário…) e com a habitação do agregado familiar. Esta operação é feita nos termos – expressos, aliás, de forma demasiado complexa para a esmagadora maioria dos destinatários da legislação – decorrentes da aplicação das regras e fórmulas da Portaria em referência.


O rendimento relevante para efeitos de concessão de protecção jurídica corresponderá assim, nos termos da mencionada Portaria, ao valor que resultar da seguinte operação:







Receita líquida do agregado familiar: rendimento do agregado familiar depois da dedução do imposto sobre o rendimento e das contribuições obrigatórias para a segurança social


+


Renda financeira implícita: imputação de um rendimento implícito decorrente da detenção, pelo agregado familiar, de activos patrimoniais, calculado mediante a aplicação da taxa referida no art.º 10.º, n.º 2, da Portaria, ao valor dos activos patrimoniais do agregado familiar, com excepção da casa de morada de família de valor patrimonial igual ou inferior a €100.000 (sendo este valor superior, apenas é contabilizado o montante que exceder os €100.000)



Encargos com as necessidades básicas: correspondem a uma percentagem, variável, do rendimento líquido. A percentagem é tanto menor quanto mais elevado for o rendimento líquido e tanto maior quanto mais elevado o número de membros da família



Encargos com a habitação: correspondem igualmente a uma percentagem, variável, do rendimento líquido, que é tanto mais elevada quanto menor for o rendimento líquido do agregado familiar.


De referir que a solução actualmente consagrada na lei relativa à dedução dos encargos com a habitação foi introduzida pela Portaria n.º 288/2005, que entretanto veio alterar a Portaria n.º 1085-A/2004, acabando com a possibilidade de dedução dos valores efectivamente gastos com a habitação, se inferiores ao valor resultante da ponderação a que se refere designadamente o art.º 8.º, n.º 3, da Portaria n.º 1085-A/2004.


Visando essa alteração obviar designadamente a que, caso os valores efectivamente gastos com a habitação fossem inferiores ao valor resultante da ponderação estabelecida na Portaria, os requerentes deixassem de apresentar a documentação relativa aos mesmos para puderem beneficiar da aplicação precisamente do valor resultante da ponderação feita pelo diploma – já que, no caso de não ter sido declarada qualquer despesa com a habitação, o valor a deduzir era, nos termos consagrados anteriormente no art.º 8.º, n.º 4, parte final, da Portaria (revogado pela Portaria n.º 288/2005), precisamente esse valor percentual do rendimento líquido –, entendo que essa alteração se revela pertinente, de algum modo permitindo também este sistema defender aqueles arrendatários que não conseguem provar o montante da renda.


Tendo assim já presente a alteração desencadeada pela Portaria n.º 288/2005, considero no entanto que deverá igualmente ser introduzida na lei a possibilidade de ser feita a dedução, pelo valor efectivamente despendido, dos gastos com a habitação, se este valor se revelar superior à ponderação resultante da aplicação da operação a que se refere o art.º 8.º, n.º 3, da Portaria n.º 1085-A/2004.


Atendendo a que as despesas com a habitação têm, hoje em dia, um peso determinante no orçamento mensal da maioria das famílias, a possibilidade de esse valor ser integralmente deduzido para efeitos do apuramento do rendimento aqui em discussão aproximaria à realidade os objectivos da legislação em análise.


Por outro lado, entendo que, no domínio da renda financeira, deveria ser tido em consideração o valor das rendas – resultante do arrendamento de imóveis – efectivamente recebido, pelo agregado familiar, no ano anterior ao do pedido de protecção jurídica, só se presumindo um determinado valor para o caso de o bem imóvel de que o requerente do apoio judiciário ou um membro da sua família seja titular não estar, ou não ter estado durante aquele mesmo período, arrendado.


De igual forma, e através de uma solução idêntica à acima propugnada para as rendas percebidas por conta de imóveis arrendados, deverão ser considerados os dividendos efectivamente auferidos pelo agregado familiar ou requerente da protecção jurídica.


Já quanto aos veículos automóveis, entendo que seria mais adequado retirá-los do cálculo da renda financeira, já que eles não representarão uma fonte de rendimento – a sua inclusão no cálculo da renda financeira traduzirá uma confusão de critérios, quais sejam o da percepção de rendimentos, que fará sentido quanto aos demais elementos que contribuem para o cálculo daquela renda financeira, e o da existência de sinais exteriores de riqueza, de que o investimento de um determinado valor na aquisição designadamente de veículos automóveis poderá ser um exemplo.


Assim sendo, parecer-me-ia mais adequada a previsão, para os veículos automóveis, de uma norma como a que consta, para o valor dos créditos depositados em contas bancárias e o montante de valores mobiliários, no n.º 2 do ponto I do Anexo à Lei n.º 34/2004, norma essa que determinaria um valor-limite relativo à avaliação dos veículos automóveis da propriedade do requerente da protecção jurídica ou do seu agregado familiar, a partir do qual se presumiria que aquele não se encontrará em situação de insuficiência económica para os efeitos da legislação em análise.


Naturalmente que as alterações acima propostas, quanto à forma de cálculo do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, poderão de alguma forma implicar a revisão dos critérios de apreciação da insuficiência económica determinados no ponto I, n.º 1, do Anexo à Lei n.º 34/2004.


Deste modo, recomendo ao Governo a alteração da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, modificada pela Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, no sentido de:








E) Ser possibilitada, para efeitos do cálculo do rendimento relevante, a dedução, pelo valor efectivamente despendido, dos gastos com a habitação, se este valor for superior ao que resultar da ponderação estabelecida no art.º 8.º, n.º 3, da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto;


F) No domínio da renda financeira, ser tido em consideração o valor das rendas – resultante do arrendamento de imóveis – efectivamente recebido, pelo agregado familiar, no ano transacto ao do pedido de protecção jurídica, presumindo-se depois um determinado valor para o caso de o bem imóvel de que o requerente do apoio judiciário ou um membro da sua família seja titular não estar, ou não ter estado durante aquele mesmo período, arrendado;


G) De igual forma, e através de uma solução idêntica à propugnada em F) para as rendas decorrentes do arrendamento de imóveis, a consideração, para o cálculo do rendimento relevante, dos dividendos efectivamente auferidos pelo agregado familiar, no ano transacto ao do pedido de protecção jurídica;


H) O destacamento dos veículos automóveis do cálculo da renda financeira implícita, e a previsão, para os mesmos, de uma norma como a que consta, para o valor dos créditos depositados em contas bancárias e o montante de valores mobiliários, no n.º 2 do ponto I do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, norma essa que determinaria um valor-limite relativo à avaliação dos veículos automóveis da propriedade do requerente da protecção jurídica ou do seu agregado familiar, a partir do qual se presumiria que aquele não se encontrará em situação de insuficiência económica para os efeitos da legislação em análise.




III) Acções de complexidade ou valor elevado:


Não relevando, em princípio, o tipo, o valor ou a complexidade da acção para a decisão de concessão ou não concessão de apoio judiciário – o actual modelo normativo assenta no estabelecimento de presunções sobre a capacidade (ou incapacidade) financeira dos requerentes de apoio judiciário para fazerem face às despesas de um (qualquer) processo judicial –, poderá suceder que, em circunstâncias concretas, o valor objectivamente elevado de uma acção possa comprometer o resultado da aferição daquela capacidade financeira, feita através das regras estabelecidas, pela legislação em análise, para qualquer tipo de acção.


Ocorre-me, desde logo, como exemplo, eventuais acções de indemnização que tenham de ser propostas no âmbito da responsabilidade civil extracontratual.


Nestas circunstâncias, poderá suceder que venha a ser presumido um rendimento não insuficiente para o recurso em geral aos tribunais, quando em concreto o valor elevado da acção acabará por inviabilizar o acesso dos cidadãos em causa à justiça.


Entendo que estas situações poderiam, por exemplo, ter resposta, no quadro legal gizado pela Lei n.º 34/2004, através da comissão a que se refere o seu art.º 20.º, n.º 2 – que, insisto, desconheço se funciona já, na prática – e do mecanismo de apreciação casuística aí estabelecido. É certo que de alguma forma a questão teria de ser suscitada perante os serviços da segurança social que têm a faculdade de remeter os processos para análise da comissão. Neste caso, não vejo outra hipótese senão o estabelecimento de uma regra legal que torne obrigatório o envio, para a mencionada comissão, dos pedidos de protecção jurídica para a propositura ou contestação de acções em que fosse invocada e comprovada a sua especial complexidade, podendo tomar-se como um indício da mesma determinado valor que se fixasse para os efeitos aqui em análise.


Deste modo, recomendo,








I) O estabelecimento de norma, no âmbito da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, no sentido de serem obrigatoriamente remetidos, para apreciação da comissão a que se refere o respectivo art.º 20.º, n.º 2, através do mecanismo de apreciação casuística aí estabelecido, os pedidos de apoio judiciário para propositura ou contestação de acções em que se invocasse a sua especial complexidade, eventualmente também determinada a partir do seu valor, relativamente aos quais tenha sido decidido, através da aplicação das regras gerais de aferição da insuficiência económica, a sua não concessão.




IV) Pagamento faseado e cumulação de pedidos de apoio judiciário:


Uma outra questão que tem sido colocada, a propósito da instrução das queixas que em concreto venho recebendo, prende-se com o mecanismo do pagamento faseado, previsto no art.º 16.º, n.º 1, alínea d), da Lei 34/2004.


Na verdade, calculado o rendimento relevante e alcançado um valor que o situa nos parâmetros enunciados no Anexo ao mesmo diploma como devendo ser concedido esse pagamento em prestações, estabelece-se no mesmo um montante que, por referência àquele rendimento, se entende como representando o esforço possível de ser suportado pelo requerente na defesa judicial dos seus direitos.


Ora, não se excluindo a hipótese de, simultânea ou sucessivamente, o mesmo cidadão (rectius qualquer integrante do mesmo agregado familiar) poder ter que intentar diversas providências judiciais, é de notar que nas regras de cálculo do rendimento relevante para a concessão desse hipotético ulterior apoio judiciário não é tomada em consideração a existência de um pagamento em prestações por via do apoio concedido na primeira acção.


Isso leva a que uma prestação mensal de €160, considerada adequada e suportável pelo requerente, possa ver-se duplicada, para uns incomportáveis €320 ou €480, pagos exactamente com o mesmo ou equiparável rendimento que serviu para considerar justo aquele primeiro valor, em termos que não parecem propícios a assegurar o princípio constitucional da não denegação de justiça por motivos económicos.


A solução mais justa para esta situação, sempre supondo a inalteração da situação económica de base, será a da fixação da mesma prestação para o pagamento das despesas com todos os processos em que seja requerido o apoio judiciário pelo mesmo requerente ou outrem do seu agregado familiar.


Naturalmente que a extensão das despesas a cobrar com o mesmo montante de prestação periódica provocará a concomitante modificação de algumas regras pertinentes. Assim, a inexigibilidade prevista no art.º 16.º, n.º 2, da Lei 34/2004 teria que passar a operar, em situações deste tipo, apenas após o decurso do termo de quatro anos desde a obtenção da última decisão definitiva. Da mesma forma, só fará sentido aplicar-se a suspensão prevista no art.º 13.º, n.º 1, da Portaria 1085-A/2004 quando se cumule, como valor de referência, as taxas de justiça iniciais em todos os processos em causa.


É também de notar que, eventualmente, o ganho de causa num dos processos pode fazer cessar a necessidade económica (cf. art.º 13.º da Lei 34/2003).


Assim, recomendo








J) A previsão legal da imutabilidade do valor da prestação determinada nos termos gerais para a modalidade de pagamento faseado, independentemente do número de acções judiciais para as quais seja concedido ao mesmo requerente ou a integrante do seu agregado familiar o apoio judiciário, acautelando-se contudo, e adaptando-se como acima referenciado, as normas sobre inexigibilidade e suspensão do pagamento das mesmas prestações.




V) Indeferimento de pedido de nomeação de patrono: prazo para propositura de acção:


O art.º 33.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, determina que a acção judicial se considera proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono, sendo que, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, o patrono nomeado para a propositura da acção deve intentá-la nos trinta dias seguintes à notificação da nomeação.


Não estabelece a lei uma solução para as situações em que, havendo um prazo de caducidade para a propositura da acção, o pedido de nomeação de patrono vem a ser indeferido. Não me parece no entanto que exista alternativa, neste caso, senão considerar que o requerente do pedido de protecção jurídica na modalidade em causa, posteriormente indeferido, não só deve beneficiar do disposto no n.º 4 do art.º 33.º da Lei n.º 34/2004 – imagine-se que, à data do indeferimento do pedido de nomeação de patrono, já estaria caducado o prazo de propositura da acção judicial –, bem como do prazo de trinta dias, estabelecido, por seu turno, no art.º 33.º, n.º 1, do diploma, para, se assim o entender e já com mandatário constituído, poder intentar a acção – neste caso, o autor terá ainda de contactar advogado e expor-lhe uma situação nova.


De resto, uma solução deste tipo encontra-se consignada, no art.º 24.º, n.º 5.º, alínea b), da mesma Lei n.º 34/2004, para as situações em que o pedido de nomeação de patrono, solicitado na pendência da acção judicial, vem a ser indeferido.


Considero ainda que seria vantajoso que a própria Lei n.º 34/2004 explicitasse as circunstâncias em que pode o requerente do apoio judiciário beneficiar da dispensa de pagamento de taxa de justiça antes de conhecida a decisão do pedido, no fundo não remetendo para o Código de Processo Civil, como faz actualmente através do art.º 24.º, n.º 2, mas elencando ela própria as situações estabelecidas no art.º 467.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, mais a situação mencionada na parte final desse mesmo art.º 24.º, n.º 2.


Assim sendo, recomendo ao Governo, na pessoa de Vossa Excelência,








K) A introdução, na Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, de uma norma que expressamente permita que o requerente de nomeação de patrono que vê o seu pedido de protecção jurídica na modalidade mencionada indeferido, beneficie não só do disposto no n.º 4 do art.º 33.º daquela Lei – imagine-se que, à data do indeferimento do pedido de nomeação de patrono já estaria caducado o prazo de propositura da acção judicial –, bem como do prazo de trinta dias, estabelecido, por seu turno, no art.º 33.º, n.º 1, do diploma, para, se assim o entender e já com mandatário constituído, poder intentar a acção;


L) A explicitação, pela própria Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, das circunstâncias em que pode o requerente do apoio judiciário beneficiar da dispensa de pagamento de taxa de justiça antes de conhecida a decisão do pedido, no fundo não remetendo, como faz actualmente no art.º 24.º, n.º 2, para o Código de Processo Civil, mas elencando ela própria as situações estabelecidas no art.º 467.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, mais a situação mencionada na parte final desse mesmo art.º 24.º, n.º 2.




VI) Providências cautelares:


Uma outra observação que se me afigura fazer relativamente à legislação em análise prende-se com a articulação do regime constante da Lei n.º 34/2004 com as situações em que o requerente de protecção jurídica pretende assegurar a efectividade de um direito que se encontra ameaçado, para o que seria adequado requerer um dos procedimentos cautelares previstos na lei.


Não me parece que o esquema de tramitação estabelecido no diploma aqui em apreço para a concessão da protecção jurídica em geral, designadamente os prazos de decisão e de deferimento tácito aí consignados, seja adequado às situações que implicam o requerimento de providências cautelares, necessitando estas situações de um esquema de protecção jurídica mais expedito, que responda de forma mais adequada à natureza urgente das mesmas.


Assim sendo, permito-me recomendar ao Governo que:








M) Em articulação com a Ordem dos Advogados, promova, no âmbito da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, um esquema de concessão de protecção jurídica mais adequado – com uma tramitação mais célere e expedita – às situações que poderão envolver a necessidade de requerimento de algum dos procedimentos cautelares previstos na lei, sob pena de resultar na prática negado o acesso ao direito e à justiça aos cidadãos que se vêem na necessidade de assegurar, naturalmente num prazo razoável, a efectividade de um direito que se encontra ameaçado.




VII) Concretização em Portaria dos critérios para o cálculo do rendimento relevante tendo em vista a apreciação da insuficiência económica do requerente da protecção jurídica:


Importará aflorar a questão de a Lei n.º 34/2004 aludir ao conceito de rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (v. designadamente o respectivo Anexo I, n.º 1), sem que seja possível extrair da mesma legislação os critérios mínimos que enquadram a definição desse conceito, sendo tal tarefa deixada em exclusividade para a Portaria n.º 1085-A/2004.


Estando em causa o tratamento normativo de um elemento essencial para o exercício de um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, – o conceito de rendimento relevante funciona como critério de aferição da insuficiência económica do requerente da protecção jurídica, delimitando o âmbito da garantia expressa na parte final do n.º 1 do art.º 20.º da Constituição –, deveria a própria Lei n.º 34/2004 estabelecer o conteúdo mínimo que envolve o conceito de rendimento relevante a que a mesma faz referência, que neste momento apenas decorre da mencionada Portaria.


Nestes termos, recomendo ainda:








N) O estabelecimento expresso, pela Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, dos critérios que permitam determinar o conteúdo mínimo do conceito de rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica a que se refere a mesma Lei, concretizados depois pela Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, alterada pela Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, por forma a que resulte imediatamente da Lei n.º 34/2004 a densificação mínima desse conceito.



VIII) Certidões de decisões judiciais:

Finalmente, foi-me ainda colocada a questão, no âmbito das matérias em análise, de o beneficiário de apoio judiciário ter de pagar as certidões das decisões judiciais, na circunstância em que se mostra necessário, por exemplo, proceder aos registos obrigatórios a que haja lugar na sequência das referidas decisões – o exemplo que me foi apresentado prendia-se com o registo de um arrolamento, no âmbito de uma providência cautelar –, pelo facto de alegadamente se entender que o apoio judiciário não abrange o pagamento dos encargos com essas certidões.


Os beneficiários do apoio em causa apenas estarão isentos do pagamento das certidões e demais documentação necessária à instrução dos pedidos de protecção jurídica, conforme resulta do art.º 9.º da Lei n.º 34/2004.


Na medida em que me parece que, em concreto, o pagamento das referidas certidões poderá representar um encargo insustentável para o beneficiário do apoio judiciário, proponho a Vossa Excelência que se pondere interpretar o art.º 16.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 34/2004, que estabelece como modalidade de apoio judiciário a “dispensa total ou parcial de taxa de justiça e demais encargos com o processo” (sublinhado meu), como abarcando também – pelo menos – o pagamento das certidões que tenham obrigatoriamente de ser obtidas, pelo beneficiário daquele apoio, para dar sequência, designadamente tendo em vista a efectivação de registos obrigatórios, às decisões proferidas nos processos em que a protecção venha a ser conferida na referida modalidade.


Assim sendo, recomendo ainda,








O) Que a norma constante do art.º 16.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, onde se estabelece como modalidade de apoio judiciário a dispensa total ou parcial de taxa de justiça e demais encargos com o processo, seja interpretada no sentido de na mesma se incluir – pelo menos – o pagamento das certidões judiciais que tenham obrigatoriamente de ser requeridas, pelo beneficiário de apoio judiciário, para dar sequência, designadamente através da efectivação de registos obrigatórios, às decisões proferidas nos processos em que o apoio judiciário venha a ser conferido na modalidade a que se refere a norma identificada.



Na expectativa de que o que acima fica exposto venha a merecer o acolhimento que me parece tão desejável, aguardo naturalmente pela comunicação da posição que o Governo venha a tomar a propósito do teor da presente Recomendação.


O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues