ANOTAÇÃO


Proc.º: R-1629/07
Área: A4


Assunto: Requisição. Cessação. Fundamentação. Ponderação de factos com relevância disciplinar.



Objecto:
Decisão de cessação de requisição de uma funcionária.


Decisão: A reclamação foi considerada improcedente.



Síntese:


1. Uma funcionária requereu a intervenção do Provedor de Justiça pelo facto de ter sido determinada a cessação da sua requisição em determinado instituto público, invocando que a verdadeira motivação de tal decisão foi de âmbito disciplinar, na medida em que se prendeu com acusações infundadas que foram dirigidas contra si por outros funcionários do serviço onde desempenhou funções, relativamente às quais não teve oportunidade de se defender.


2. Com relevância para a apreciação da questão, apuraram-se os seguintes factos:



a) A interessada foi requisitada com o fundamento, apresentado pelo serviço de destino, de este se debater com “grandes dificuldades de pessoal no sector administrativo“;


b) Seis meses depois do início da requisição, foi determinada a sua cessação, tendo por fundamento uma proposta nesse sentido, formulada por um dirigente do serviço, que invoca diversos factos envolvendo a funcionária, qualificados como traduzindo “relações laborais conflituosas com colegas e superiores“. Conclui-se, em tal proposta, que o “desempenho” e a “atitude comportamental” daquela “não constitui uma mais-valia (…), pelo contrário tem-se traduzido no incitamento a ambiente relacional de conflitos e em posturas não profissionais“.


c) A decisão de cessação da requisição não foi formalmente comunicada à funcionária. Apenas cerca de dois meses depois, e na sequência de exposições que a interessada remeteu a várias entidades, foi a mesma informada de que “a sua continuação de funções (…) foi considerada desnecessária, por razões que se prendem com os ajustamentos de pessoal decorrentes do processo de reestruturação em curso, designadamente, nova lei orgânica e nova estrutura de serviços efectivos“.


3. A reclamação foi considerada improcedente, com base nos seguintes fundamentos:



3.1. Ao tempo da cessação da requisição, encontrava-se em vigor a Lei n.º 53/2006, de 7 de Dezembro, que veio revogar as disposições do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, sobre a requisição e que regula igualmente as situações de mobilidade especial, aplicáveis em caso de extinção, fusão, reestruturação de serviços, assim como de sujeição dos serviços a medidas de racionalização de efectivos. Atento o disposto no art. 12º, n.º 2, do Código Civil, este novo regime aplica-se às situações de requisição constituídas antes e que subsistam à data da respectiva entrada em vigor e, designadamente, aos actos (posteriores) que determinem a respectiva cessação.


3.2. Ao abrigo do regime aplicável, o serviço onde a reclamante se encontrava a desempenhar funções poderia fazer cessar a requisição, com fundamento em razões de interesse público. Na verdade, na vigência do Decreto-Lei n.º 427/89 e, mesmo, do regime revogado por este, admitia-se que “a entidade requisitante tem a faculdade de, tendo em vista o interesse público e a operacionalidade funcional dos serviços para assegurar a realização daquele, fazer cessar a requisição por conveniência de serviço” (1). Assim o determinava a natureza desta figura e os fundamentos de interesse público que a sustentavam.


3.3. O actual regime não difere, no essencial, do anterior quanto à natureza e aos fundamentos deste instrumento de mobilidade geral, antes clarifica alguns aspectos do regime e modifica outros, conferindo maior preponderância, no seu funcionamento, ao interesse público (a designada “conveniência da Administração”) que lhe está subjacente. Por esse motivo, não há razões para não admitir a faculdade de cessação da requisição, antes do período inicialmente previsto, ou da sua prorrogação, por razões de interesse público.


3.4. No caso concreto, o fundamento da decisão ateve-se a razões de interesse público, relacionadas com o funcionamento do serviço. Não importa a invalidade da decisão o facto de, previamente a esta, terem sido ponderados factos com eventual relevância disciplinar relativos à funcionária, na medida em que tais factos e circunstâncias foram considerados, pelo dirigente do serviço, no contexto da ponderação da conveniência na manutenção da requisição e não como forma “encapuçada” de exercício do poder disciplinar.


3.5. A jurisprudência tem aceite a “possibilidade de a conveniência de serviço ter como causa primeira a conduta do agente ou funcionário no exercício das funções em causa; por outras palavras, a conveniência de serviço não se conexiona unicamente com razões objectivas de funcionamento ou operacionalidade dos serviços, independentemente de um qualquer juízo de avaliação negativo sobre a conduta do agente ou funcionário” (2). Ora, foi esta a situação verificada no caso, porquanto, independentemente da averiguação exaustiva dos factos relatados na informação em que se baseou a decisão, o certo é que o dirigente máximo do serviço, depois de analisada esta e documentos anexos, ficou na posse de elementos a seu ver suficientemente demonstrativos de um ambiente conflituoso e do descontentamento de colegas e algumas chefias relativamente à conduta da funcionária, o que foi considerado prejudicial ao funcionamento do serviço, aconselhando, portanto, a cessação de requisição. Ou, de outra forma, dos elementos disponíveis não resulta demonstrado que esta cessação tenha consistido numa forma desviada de utilização do poder disciplinar.


4. Tendo presente, porém, que o serviço que fez cessar a requisição não notificou a interessada, oportunamente, desta decisão e que apenas lhe prestou informação sobre a matéria após insistência da mesma nesse sentido e invocando motivos alheios à decisão, foi-lhe dirigida chamada de atenção no sentido de se evitar que, em procedimentos de idêntica natureza que venham a ocorrer no futuro, se proceda de modo a respeitar o direito dos interessados à notificação do conteúdo dos actos que lhes digam respeito, incluindo a respectiva fundamentação.


 


 


 


 


Notas de rodapé:


(1) Citação do Acórdão do STA, de 31.5.1990, rec. n.º 19814. Cfr. ainda, entre outros, Ac. do STA, de 11.5.2003, rec. n.º 30 786 e Paulo Veiga e Moura, in Função Pública – Regime Jurídico, Direitos e Deveres dos Funcionários e Agentes”, 1º vol., Coimbra Editora, 1999, pag. 415. Este autor afirma, expressivamente, que “a requisição e o destacamento devem perdurar pelo período de tempo inicialmente autorizado ou prorrogado, não obstante poderem cessar de imediato logo que finde a conveniência de serviço ou deixem de existir os pressupostos em que se baseou a sua autorização“.



(2) Acórdão do STA, de 11.5.1993, referido na nota anterior.



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