ANOTAÇÃO
Entidade visada: Câmara Municipal de Santa Cruz
Proc.º: R-2901/05 (Madeira)
Área: A1
Assunto: Urbanismo – Obras de edificação – Plano director municipal
Objecto: Aprovação do projecto de arquitectura – licença de construção – conformidade urbanística – acto constitutivo de direitos
Decisão: Os autos foram arquivados ao abrigo da alínea b) do art. 31º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, por não ter transparecido que tivesse sido praticado pela Câmara Municipal de Santa Cruz, qualquer acto susceptível de censura jurídica.
Síntese:
Foi solicitada a intervenção da Provedoria de Justiça, em virtude de alegada construção ilegal promovida no Sítio da Mãe de Deus – freguesia do Caniço, Concelho de Santa Cruz, edificada em aparente violação do disposto no Regulamento do Plano Director Municipal aí vigente.
Argumentava-se na queixa que o número de pisos consentido pela respectiva licença de construção (7 acima da cota de soleira e 1 abaixo dessa cota) contrariava os parâmetros urbanísticos bem como a classe e subclasse de espaço definidos pelo citado PDM para aquela área.
Na sequência de diligências instrutórias promovidas pela Provedoria de Justiça em Lisboa foi constatada uma contradição resultante da desconformidade entre o permitido pelo alvará de licença de construção com o estatuído pelo PDM de Santa Cruz. No entanto, verificou-se que o projecto de arquitectura deste edifício foi aprovado por deliberação camarária de 21.01.2004, ou seja cinco meses antes da entrada em vigor do Plano Director Municipal, ratificado pela Resolução n.º 3/2004/M, de 4 de Junho de 2004.
Atento o disposto no artigo 13º do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, os procedimentos de licenciamento relativos a operações urbanísticas a terem lugar em áreas a abranger por novas regras constantes do PDM deverão ficar suspensos a partir da data fixada para o início do período de discussão pública e até à data da entrada em vigor do novo instrumento de planeamento urbanístico, aplicando-se o disposto no artigo 117º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro).
De acordo com o estipulado pelo n.º 3 do artigo 117º do citado diploma, no caso de as novas regras urbanísticas não entrarem em vigor no prazo de 150 dias desde a data de início da respectiva discussão pública, cessa a suspensão do procedimento, devendo, neste caso, prosseguir a apreciação do pedido até à decisão final, de acordo com as normas urbanísticas em vigor à data da sua prática.
Constatando-se que a última discussão pública relativa ao PDM de Santa Cruz teve lugar entre 9 de Junho de 2003 e 4 de Setembro de 2003, concluiu-se que se encontrava já transcorrido o prazo de 150 dias previsto pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, e cessada a obrigatoriedade de suspensão do procedimento.
Uma vez terminada a primeira fase das diligências instrutórias, havia que analisar a conformidade do projecto de arquitectura aprovado em 21 de Abril de 2004 com as normas de ocupação urbanística em vigor àquela data.
Tendo em conta que o instrumento de ordenamento territorial aplicável era o Plano de Ordenamento Territorial da Região Autónoma da Madeira (POTRAM) (1) e atento o disposto no seu artigo 45-Bº, verificou-se a aplicação de um regime excepcional para a zona em apreço, por se prever a aquisição municipal dos edifícios de habitação a custos controlados que resultariam daquela intervenção urbanística.
Perante o exposto, importava apurar a validade de duas situações distintas:
1- conformidade do projecto de arquitectura aprovado pela Câmara Municipal de Santa Cruz (CMSC) com as regras disciplinadoras de ocupação do solo previstas para a zona em apreço;
2- validade do acto consubstanciado pela CMSC, o qual, já no âmbito da vigência do novo PDM, conferiu a licença para promover uma construção que se apresentava desconforme com a ocupação que por ele veio a ser prevista.
Quanto à validade do acto emanado pela autarquia, e estabelecendo o art. 67º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que “A validade das licenças das operações urbanísticas depende da sua conformidade com as normas legais e regulamentares em vigor à data da sua prática”, importava apreciar a natureza do acto de aprovação do projecto de arquitectura.
Partilhando do entendimento perfilhado por alguma jurisprudência e doutrina nesta matéria, conclui-se que o acto administrativo de aprovação do projecto de arquitectura se não consubstancia, em si mesmo, acto vinculativo e constitutivo de direitos, criará sempre na esfera jurídica do particular um interesse legalmente protegido, com as consequências daí resultantes quanto ao regime de revogação e aos efeitos produzidos, num contexto de boa fé e de estabilidade jurídica quanto à dialéctica mantida entre a Administração e a esfera do particular.
Com tal, não se afiguraria admissível que a Câmara Municipal de Santa Cruz revogasse o acto anteriormente formulado, por razões atinentes à entrada em vigor de novas regras urbanísticas subsequentes.
Quanto à conformidade do projecto de arquitectura aprovado pela Câmara Municipal de Santa Cruz, e após o cuidado estudo da documentação expedida pela entidade visada, concluiu-se que não subsistiam argumentos tendentes a considerar o projecto de arquitectura do edifício reclamado em situação de ilegalidade urbanística e, por maioria de razão, para questionar a conduta mantida pela Câmara Municipal de Santa Cruz no âmbito do licenciamento da obra promovido. Mostrando-se o projecto de arquitectura (nos precisos moldes em que veio a ser acolhido pela deliberação de licenciamento municipal da obra, de 05.01.2005) conforme com a legislação urbanística então em vigor, não se poderia também questionar a validade do acto que, ao licenciar a construção em apreço, incorporou o projecto anteriormente aprovado.
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(1) Aprovado pelo Decreto Legislativo Regional na 12/95/M, de 24 de Junho de 1995, com as alterações introduzidas pelo Decreto Legislativo Regional na 9/97/M, de 18 de Julho de 1997.