SUGESTÃO


Entidade visada: Ministro da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior
Proc.º: R-1274/06


Assunto: Atribuição de bolsa de estudo – despesas com habitação.



Foi-me apresentada oportunamente uma exposição a propósito de não se encontrarem a ser consideradas por certa instituição do ensino superior, para efeitos de dedução dos encargos no cálculo do rendimento anual do agregado familiar, as despesas que a família de determinado aluno teria com os encargos resultantes de empréstimo contraído para efectuar obras de restauro e ampliação numa casa que adveio por herança, utilizada a partir daí como habitação própria e permanente.


De facto, no caso concreto, que apenas serve para ilustrar a questão que quero colocar a Vossa Excelência, os Serviços de Acção Social da Universidade em causa comunicaram ao aluno candidato a bolseiro que não havia sido possível deduzir os encargos resultantes com a habitação do agregado familiar, na medida em que estes não se destinavam ao arrendamento nem à aquisição de habitação própria permanente, de acordo com o estipulado no art.º 10º, n.º 3, alínea a), do Regulamento de Atribuição de Bolsas de Estudo a Estudantes do Ensino Superior Público (adiante, Regulamento).


Na realidade, estipula a norma do Regulamento em questão que, “no cálculo do rendimento, os serviços de acção social podem deduzir encargos especiais passíveis de influenciar o rendimento do agregado familiar, desde que devidamente fundamentados e documentados, e após apreciação de cada situação específica, nomeadamente:



a) Encargos resultantes do arrendamento da habitação do agregado familiar ou do pagamento de empréstimo para a aquisição da mesma; até ao limite de 30% dos rendimentos.”(sublinhado meu)


Fundamentava-se a posição transmitida pela Universidade em causa no elemento literal da alínea a), olvidando o seu carácter exemplificativo, para não admitir a dedução ao rendimento do agregado familiar das despesas que a família em causa tinha com os encargos resultantes de empréstimos contraídos para efectuar obras de restauro e ampliação numa casa herdada, utilizada como habitação própria e permanente.



Contudo, estou em crer estar-se, no presente caso, perante uma situação em tudo abrangida pela previsão normativa em causa, tratando-se de situação que materialmente não se distingue daquela expressamente prevista (mas, como disse, numa enumeração regulamentar meramente exemplificativa, como indica a utilização do advérbio de modo) de aquisição de habitação a crédito.



Reportando-me ao caso concreto, no mesmo não existiam dúvidas quanto à insuficiência da casa em questão, no seu estado anterior às obras de restauro, para acorrer às necessidades habitacionais do agregado em causa, quer pelo tamanho (número de assoalhadas), quer pelas suas condições de conservação.



Também estava provado que as obras realizadas, de ampliação e restauro, não poderiam, como os documentos atestavam, configurar-se como obras sumptuárias ou sequer úteis, mas sim estritamente necessárias ao normal gozo da coisa por uma família com a composição daquela em apreço.



De igual forma, não oferecia dúvida, pela exibição da escritura que o titula, que o crédito em causa tinha sido concedido para o fim habitacional em causa.



Incidentalmente, a despesa anual em juros e amortização da dívida estava titulada em documento bancário emitido para efeitos de dedução em sede de IRS, em nada se distinguindo, por a norma tributária também não o exigir, do vulgar empréstimo para compra de habitação (1).



Assim, é de realçar que, mesmo para efeitos fiscais, toma o Estado como neutro esse caminho, ao considerar como dedutível em sede de IRS o crédito alcançado para fins habitacionais, seja ele para aquisição, construção ou beneficiação.



Não é a via formal seguida para a satisfação de necessidades socialmente tidas como primárias que deve relevar, antes, sim, sendo importante atentar na materialidade que está presente na situação que se quer valorar.



Repare-se que, hipoteticamente, poderia o agregado familiar em causa ter optado pela venda do bem imóvel herdado, entregando essa quantia como entrada no preço de uma outra habitação e custeando a demasia com recurso ao crédito. Em vez dessa via, optou esta família por uma via alternativa, que certamente terá sido menos onerosa, de apenas restaurar a casa em questão, conseguindo por essa via utilidade similar à que poderia ter alcançado pela via alternativa acima descrita. Para além dos benefícios sociais daí decorrentes, em termos de renovação e conservação do espaço urbano, é de presumir que esta via terá sido menos onerosa.



Ora, não faz qualquer sentido que se considere como relevante a despesa tida com a aquisição de habitação condigna por uma via e não pela outra, inclusivamente quando a despesa a suportar deve ter sido menor. Acresce que no caso, igualmente a descrição do imóvel antes das obras não oferecia dúvidas quanto à sua incompatibilidade com a composição do agregado familiar, sendo que o Regulamento em causa determina que se aprecie cada situação específica.



Deste modo, muito agradeço a Vossa Excelência que seja apreciada esta questão, no pressuposto de que não haja sido objecto de análise pelos serviços desse Ministério, por ser, sem dúvida e infelizmente, mais comum a compra ou construção de edifícios novos do que a reabilitação.



Pelos motivos que aponto, julgo que a solução mais justa, e inteiramente conforme ao que é querido pela Lei n.º 37/2003 e pelo Regulamento, passa pela consideração das despesas tidas com a satisfação das necessidades habitacionais do agregado do requerente, seja qual for o mecanismo jurídico utilizado, tão logo se prove a despesa e a sua conexão com essa necessidade básica, tudo em obediência ao princípio da primazia da materialidade subjacente.



Esta proposta foi acolhida na alteração introduzida no Regulamento de Atribuição de Bolsas de Estudo a Estudantes de Estabelecimentos de Ensino Superior Público, pelo Despacho n.º 2552/2007, de 21 de Fevereiro, explicitando-se este tipo de despesas no art.º 10.º, n.º 3, a), iii) do Regulamento.



Sendo esta alteração aplicável ao ano lectivo em curso, indagou-se a Universidade em causa a respeito do seguimento dado ao caso concreto, informando-se em resposta ter sido concedida bolsa com efeitos a partir de Outubro de 2006.



 


Notas de rodapé:


(1) Assim, de algum modo, tendo o requerente sido vítima da sua honestidade, já que bem podia ter declarado tratar-se de uma compra e venda, imaginando que os serviços apropriados não levarão o escrúpulo a confirmar a efectiva realização desta, reportando-se apenas ao campo apropriado da declaração de IRS (e muito bem, permito-me afirmar).


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