ANOTAÇÃO
Entidade visada: Câmara Municipal de Santa Maria da Feira
Proc.º: R-389/07 (A1)
Assunto: Urbanismo – Utilização das edificações.
Objecto: Reclama-se da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira a reparação de defeitos construtivos estruturais em edifício cuja utilização licenciou.
Decisão: Conclui-se não competir às câmaras municipais, no licenciamento que operam, garantir os adquirentes contra defeitos construtivos, quando os requerentes tenham apresentado os devidos termos de responsabilidade. A questão controvertida é eminentemente civil.
Síntese:
1. Analisado o teor da reclamação, não se encontram factos que permitam a intervenção deste órgão do Estado.
2. Com efeito, os reclamantes pretendem imputar ao município de Santa Maria da Feira parte da responsabilidade pelos danos encontrados em construção que adquiriram.
3. Considerando que a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira deferira a licença de utilização para o edifício, ainda antes de concluídas as obras, e considerando o controlo exercido pelas câmaras municipais sobre as operações urbanísticas, como que o município estaria constituído num dever de garantia.
4. Todavia, não é assim. O controlo exercido pelos órgãos executivos dos municípios sobre obras de edificação não incide, ao contrário do que afirmam, sobre se «todos os requisitos de realização de uma obra estão de acordo com as regras legais e as regras da arte».
5. O controlo municipal é, estritamente, de natureza urbanística e arquitectónica, confiando-se os aspectos técnicos construtivos à responsabilidade dos autores dos projectos e da direcção técnica da obra. Com o requerimento inicial, para além do projecto de arquitectura e da memória descritiva, o interessado apresenta os termos de responsabilidade dos autores dos projectos, onde constará o compromisso de observância das normas técnicas de construção (artigo 10.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na sua actual redacção). E outro tanto se passa para os projectos de especialidades, importando observar no artigo 20.º, n.º 8, que se os seus autores se encontrarem inscritos em associação pública constituem garantia bastante do cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis aos projectos, excluindo a sua apreciação prévia pelos serviços municipais.
6. Ao deferir a licença de utilização, a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira tem de confiar no termo de responsabilidade subscrito pelo responsável pela direcção técnica da obra (artigo 63.º, n.º 2), limitando-se a aferir a conformidade da operação com o projecto de arquitectura e com as condições que tenham sido estipuladas com o licenciamento (artigo 62.º, n.º 2). Nem sequer tem de levar a cabo vistoria (artigo 64.º, n.º 1).
7. Bem se compreende que os adquirentes se considerem gravemente lesados, depois de se revelar o defeito construtivo, ainda para mais, ao nível da estabilidade. Mas terão de compreender que, na qualidade de actuais proprietários, é a eles próprios que as autoridades municipais devem dirigir-se.
8. A defesa dos seus direitos passa necessariamente por demandarem o vendedor, o autor do projecto de estabilidade e o responsável pela direcção técnica da obra, de modo a obterem a sua condenação – na falta de acordo – pelos tribunais a executarem os trabalhos de reparação necessários.
9. Aplica-se, no essencial, o disposto no artigo 1225.º, n.º 1, do Código Civil.
Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.
10. Note-se que o prazo supletivo para denúncia é de um ano (artigo 1225.º, n.º 3) e que a responsabilidade é extensiva ao vendedor de imóvel que o tenha construído (n.º4).
11. Mais ainda, os autores dos projectos e o director técnico da obra sujeitam-se a responsabilidade disciplinar perante as associações públicas em que se encontrem inscritos (v.g. a Ordem dos Engenheiros), para além das falsas declarações exaradas nos projectos ou no livro de obra poderem constituir crime por falsas declarações (artigo 256.º do Código Penal).
12. Por último, note-se que o facto de alguns acabamentos não estarem executados quando da licença de utilização não constitui motivo para imputar ao município os danos pelos defeitos na estabilidade da construção, os quais seguramente se devem a questões construtivas de ordem técnica, como sejam as fundações, as estruturas ou os materiais usados na obra. De resto, bem sabiam os reclamantes, ao adquirirem a edificação, que os trabalhos não se encontravam acabados, embora dispusessem da licença de utilização.
13. Considerando não se descortinar motivo bastante para procedermos a averiguações junto da câmara municipal, encaminharam-se os queixosos para os meios judiciais com a maior prioridade.