Anotação


Proc.º: P–9/05 (A2)
Assessor: Mariana Vargas


Assunto: Fiscalidade. Execução fiscal. Extinção por compensação.


Objecto: Apreciação da aplicação das normas relativas à compensação de dívidas tributárias, pela Direcção-Geral dos Impostos.


Decisão: A comunicação de que os trabalhos de reestruturação dos registos informáticos da DGCI, a cargo do Núcleo para a Modernização da Justiça Tributária, incorporam as sugestões formuladas pelo Provedor de Justiça ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, determinou a decisão de arquivamento dos autos.



Síntese:

A abertura do processo em referência, da iniciativa de Sua Excelência o Provedor de Justiça, teve origem nas diversas queixas que lhe têm vindo a ser colocadas por contribuintes lesados pela desactualização dos ficheiros informáticos da Direcção-Geral dos Impostos.


A referida desactualização manifesta-se por diversas formas, que vão desde a manutenção em cadastro de dívidas já extintas, por pagamento ou por anulação, à existência de dívidas por liquidações de impostos que foram objecto de reclamação graciosa, impugnação judicial ou oposição à execução fiscal, com prestação de garantia para suspensão do processo executivo, facto insusceptível de registo informático. 


Mantêm-se ainda em cadastro dívidas que, em rigor, se deveriam considerar extintas por compensação, nos termos do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. 


A manutenção das “dívidas” fiscais não exigíveis, no cadastro dos contribuintes, tem várias consequências, entre as quais se identificam: 



– a promoção de penhoras sobre bens ou direitos do património do “devedor”;


– a retenção indevida de reembolsos ou restituições a que este tenha direito, no caso de impostos não informatizados, em que a compensação é feita através da penhora dos cheques de reembolso ou restituição, no processo de execução fiscal, como se de uma penhora de créditos se tratasse; 


– a compensação indevida de créditos provenientes de reembolsos ou restituições a que o contribuinte tenha direito, no caso de dívidas por impostos cujas liquidação e cobrança se encontram já informatizadas; 


– a suspensão ou extinção de benefícios fiscais automáticos ou o não reconhecimento dos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento.


A instrução dos autos, sem descurar os aspectos anteriormente enunciados, viria a centrar-se primacialmente na figura da compensação de dívidas de tributos com créditos da mesma natureza, por iniciativa da Administração Fiscal, a que alude o artigo 89.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, cujo incumprimento constitui uma das causas jurídicas da desactualização do registo das dívidas fiscais e cuja execução defeituosa leva à liquidação de juros de mora, para além da data em que a compensação deveria legalmente operar e ao não pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos casos em que o seu crédito é superior à dívida exequenda e acrescido da execução fiscal. 


A propósito da figura da compensação de créditos tributários com dívidas da mesma natureza, foram colocados à consideração de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais os seguintes argumentos de natureza jurídica, que se julgou deverem ser levados em conta na construção dos sistemas informáticos de apoio à actividade de arrecadação de receitas fiscais: 



a) Embora a compensação se traduza num procedimento administrativo, no âmbito de uma relação jurídica de direito público, tal procedimento apoia-se em conceitos desde há muito elaborados pelo direito civil, maxime, pelo ramo do Direito das Obrigações; 


b) Como é unanimemente reconhecido pela doutrina e o legislador quis deixar expresso no artigo 30.º, da Lei Geral Tributária, a relação jurídica tributária principal integra o crédito e a dívida tributários, englobando, do lado activo, o direito ao recebimento do imposto e de juros compensatórios e, do lado passivo, o direito à dedução, reembolso ou restituição do imposto pago em excesso, bem como o direito a juros indemnizatórios; 


c) O objecto imediato da relação jurídica tributária identifica-se, assim, com a prestação a que cada um dos sujeitos se encontra adstrito, tendo em vista a satisfação do direito da contraparte; 


d) O meio mais usual de satisfação do interesse do credor tributário é o cumprimento que, no caso do imposto, por se tratar de uma obrigação pecuniária, consiste no pagamento de uma quantia certa, como forma regular de liberação do devedor e como causa extintiva da obrigação; 


e) Existem, no entanto, outras formas de extinção da relação jurídica obrigacional, entre as quais a compensação, decorrente de uma reciprocidade de créditos entre os sujeitos, que se extinguem simultaneamente, caso sejam do mesmo valor, ou apenas parcialmente, se os valores forem diversos; 


f) Distingue a doutrina civilista várias modalidades de compensação, como sejam a compensação legal, a compensação voluntária, contratual ou convencional e a compensação judiciária (compensação legal, após a liquidação do crédito judicialmente reclamado, em reconvenção) (1)


g) A compensação é expressamente aceite como forma de extinção da obrigação tributária, como decorre dos artigos 40.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária, 89.º e 90.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e ainda do disposto no artigo 83.º – B, embora com um regime especial (o mencionado preceito legal foi revogado pela Lei n.º 55-B/2004, de 30/12 – Orçamento do Estado para 2005, mas continua a aplicar-se aos créditos e dívidas fiscais cujos factos geradores ocorreram no âmbito da sua vigência temporal, por força do princípio da ultra-actividade das leis) (2)


h) A compensação objecto da previsão do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário pode ser classificada como sendo uma compensação legal, de carácter unilateral, em que a extinção das dívidas, desde que certas, líquidas e exigíveis, é oficiosa e opera de pleno direito; 


i) São requisitos legais da compensação, nos termos do n.º 1, da norma mencionada:



1.º – que haja um crédito liquidado a favor de um contribuinte, de que seja devedora a administração fiscal (no caso que nos ocupa, crédito de um imposto administrado pela DGCI); 


2.º – que esse crédito resulte de reembolso, revisão oficiosa, reclamação graciosa ou impugnação judicial de um acto tributário; 


3.º – que esse contribuinte seja simultaneamente devedor de impostos administrados pela DGCI, em fase de execução fiscal (excepto nos casos previstos no artigo 83.º – B, do Código do IVA, em que não é necessária a instauração de execução contra o devedor); 


4.º – que a dívida em execução fiscal não tenha sido objecto de reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução fiscal ainda pendentes, nem estar a ser paga em prestações, com prestação de garantia.


j) Reunidos aqueles pressupostos, resulta que, logo que seja efectuada uma liquidação de imposto – acto tributário através do qual a Administração Fiscal procede à quantificação do seu crédito – cujo resultado seja um reembolso devido ao sujeito passivo, nasça na sua esfera jurídica um direito subjectivo à compensação, e a consequente sujeição da Administração Fiscal à extinção total ou parcial da dívida, em fase de cobrança coerciva; 


k) Porque, na fase de execução fiscal, para além da dívida exequenda, são também devidos juros de mora e custas do processo – os denominados “acréscimos legais”, vem o n.º 6 do artigo 89.º, do CPPT esclarecer sobre a forma da sua contagem. Assim:



1.º – quer se trate de uma compensação integral, quer se trate de uma compensação parcial, os juros de mora são devidos sobre o valor compensado, até à data da compensação (que coincidirá com a data em que foi liquidado o reembolso e, consequentemente, o contribuinte ficou em situação de crédito);


2.º – a segunda parte do preceito afigura-se de difícil interpretação. No entanto, Jorge Lopes de Sousa, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário” – Anotado – 3.ª ed. Vislis Editores, 2002, a págs. 447, interpreta-a como fazendo referência aos juros indemnizatórios devidos ao contribuinte, nos casos em que o reembolso seja de valor superior ao da dívida em execução fiscal, e não seja respeitado o prazo limite para o reembolso do crédito, por facto que lhe não seja imputável.


Para além das causas jurídicas da desactualização dos registos das dívidas fiscais, com as quais Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais manifestou concordância expressa, foram ainda identificadas pela Administração Fiscal algumas causas funcionais, decorrentes, em grande parte, da deficiente comunicação entre os sistemas informáticos envolvidos (de liquidação, de cobrança e do registo das execuções fiscais), que se encontram em fase de estudo, para posterior correcção, no âmbito do um grupo de trabalho criado para o efeito, no seio do Núcleo para a Modernização da Justiça Tributária. 


A correcção das situações acima referidas, levou à criação de um novo sistema informático que irá proceder à compensação automática dos reembolsos com as dívidas existentes no Sistema de Execuções Fiscais (SEF), em que ficou salvaguardada a hipótese de serem devidos juros indemnizatórios aos contribuintes, pelo atraso no pagamento do remanescente do reembolso, caso este seja de valor superior ao valor da dívida. 


Tendo em vista o conhecimento instantâneo do pagamento das dívidas de impostos, que permita o imediato registo informático da sua extinção, encontra-se em vias de implementação um “web service”, em colaboração entre as entidades responsáveis pela liquidação e pela cobrança, nomeadamente a Direcção-Geral do Tesouro (DGT), os CTT e a SIBS, com as quais já foram estabelecidos contactos para o efeito. 


O conhecimento das propostas de solução preconizadas pela Administração Fiscal, cuja implementação se espera para breve e em que foram acatadas as sugestões do Provedor de Justiça, nomeadamente quanto à extinção das dívidas fiscais, por compensação, determinou a decisão de arquivamento dos autos, sem prejuízo do acompanhamento casuístico de situações de natureza idêntica à que foi seu objecto.


 






Notas de rodapé:


(1) Neste sentido, confronte, por todos, VARELA, João de Matos Antunes, in “Das Obrigações Em Geral” – Vol. II – 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 1990, págs. 185 e ss.
voltar atrás


(2) Sobre o referido princípio, escreve GOMES, Nuno de Sá, in “Manual de Direito Fiscal (Vol. II), Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, DGCI, 1996, a págs. 412: “… não é correcto dizer-se que a lei antiga se aplica sempre e apenas ao passado até à cessação da respectiva vigência, e que, a partir daí, para o futuro se aplica sempre e só a lei nova. E isto porque a lei nova se depara com situações jurídicas que já vêm do passado e que se resolvem em direitos e deveres constituídos ao abrigo da lei antiga, pelo que não pode, naturalmente, sem grandes perturbações sociais, ordenar sempre a extinção total dessas situações, que foram por esta última lei modeladas, (ultra-actividade das leis)”.
voltar atrás