PARECER
Proc.º: R-1334/07
Área: A6
Assunto: Decreto n.º 112/X; Aborto; Objecção de consciência.
Manifestou V.ª Ex.ª a sua vontade de ver sindicada a constitucionalidade da norma contida no art.º 6.º do Decreto da Assembleia da República n.º 112/X.
Como V.ª Ex.ª poderá retirar do confronto entre os art.ºs 278.º e 281.º da Constituição, as possibilidades de intervenção do Provedor de Justiça nesta matéria restringem-se à chamada fiscalização sucessiva, pressupondo a existência de normas publicadas e, em regra, vigentes.
Neste momento, ou seja, previamente à necessária promulgação para que este Decreto se converta em Lei, só ao Presidente da República compete suscitar, querendo, a chamada fiscalização preventiva da constitucionalidade de decreto que tenha sido aprovado pelo Parlamento (cfr. art.º 278.º, n.º 1). Essa fiscalização deve ser requerida nos 8 dias seguintes à recepção do diploma, tendo o Tribunal Constitucional, em regra, 25 dias para se pronunciar.
Não se tendo ainda convertido o Decreto em Lei, foi assim bastante prematura a queixa de V.ª Ex.ª. Todavia, no pressuposto de que assim irá acontecer, devo esclarecer V.ª Ex.ª sobre o fundo da questão colocada.
Assim, critica V.ª Ex.ª a redacção do art.º 6.º do citado Decreto por, ao prever a possibilidade de profissionais de saúde suscitarem a objecção de consciência à prática dos actos de que trata o mesmo diploma, ser omissa quanto à garantia da inocuidade dessa livre opção quanto à situação pessoal e profissional de quem alegue objecção de consciência.
A Constituição, no seu art.º 41.º, n.º 1, reconhece a liberdade de consciência como inviolável, estabelecendo no seu n.º 6 o direito à objecção de consciência, “nos termos da lei”.
Entende V.ª Ex.ª que caberia ao Decreto n.º 112/X, não só estabelecer o direito à objecção de consciência, como formular explicitamente certo número de garantias.
Nada teria a criticar à redacção proposta por essa Associação, caso tivesse sido aceite pelo Parlamento; todavia, não posso tê-la como constitucionalmente imposta, sob pena de, como defendido por V.ª Ex.ª, a sua omissão gerar inconstitucionalidade.
Passo por cima do problema que sempre seria qualificar o vício em causa, do ponto de vista do processo de fiscalização da constitucionalidade. Assim, dirigindo-se a queixa de V.ª Ex.ª, não contra certa norma ou segmento normativo, mas sim contra a sua omissão, seria no âmbito do processo previsto no art.º 283.º da Constituição que poderia ter lugar equacionar-se o pedido de V.ª Ex.ª. Ora, como é bem de ver, a existência de lei que regula a objecção de consciência é de há muito um facto, assim se conferindo exequibilidade ao citado art.º 41.º, n.º 6, da Constituição e arredando a possibilidade de se se poder anuir ao pedido ora formulado.
Do ponto de vista substantivo, decerto que a objecção de consciência, como exercício de um direito que é, não pode ser utilizada para prejudicar quem decide exercitá-lo, aliás em solução pacífica e uniforme para o exercício de qualquer direito.
Tal não significa, naturalmente, que objectivamente não possam existir efeitos negativos para quem invoca a objecção de consciência, se apenas com a mesma directamente relacionados. Dando um exemplo, se determinada pessoa, num sistema de serviço militar obrigatório, afirma que a sua consciência não lhe permite usar armas, é natural que se veja impedida de requerer licença de uso e porte de arma pessoal; se certo profissional de saúde, num serviço público, invoca a sua consciência para se recusar a praticar um aborto, é natural que se veja impedido de realizar o mesmo acto (nas mesmas condições, é claro) no quadro da sua actividade privada. Assim, as consequências previstas nos n.ºs 2 e 3 do mesmo art.º 6.º não merecem reparo.
As repercussões temidas por V.ª Ex.ª são de outra ordem, julgo eu, incidindo sobre censuras, impedimentos, discriminações ou repercussões no seu estatuto ou carreira. Tirando tudo o que directamente tenha a ver com as razões de consciência invocadas (e o profissional em causa será o primeiro a defender a consequência dos seus actos), todos estas possíveis consequências negativas não serão possíveis, pela aplicação dos princípios gerais de Direito. Não é, assim, necessária ou imprescindível, para a adequada tutela da liberdade de consciência dos profissionais em causa, a expressa menção de algo que resulta já do ordenamento jurídico e conduz à mesma solução.
Nesta medida, face ao texto aprovado pela Assembleia da República que integra o art.º 6.º do Decreto em causa, não vejo motivos para concordar com a pretensão de V.ª Ex.ª, nos termos em que é formulada.