Entidade visada: Câmara Municipal de Penedono |
Procº: R-2028/98 (A1) |
Assessores: Maria Ravara e Isabel Moraes Cardoso |
Assunto: Licenciamento da instalação de estações de radiocomunicações
PARECER
1. Constitui objecto do presente parecer a questão do licenciamento de antenas para a prestação do serviço de telecomunicações móvel terrestre, por motivos de índole urbanística. É prática corrente em diversos municípios não se proceder ao licenciamento dos trabalhos de instalação das antenas, por aplicação do regime contido no Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, escusando-se as câmaras municipais na circunstância de tais trabalhos não constituírem obras de construção civil. Os diversos processos pendentes na Provedoria de Justiça têm por base queixas dos moradores vizinhos, com base, quer em razões de índole urbanística e ambiental – afectação paisagística e da estética urbana e emissão de ruído -, quer por motivos de saúde pública.
2. Nos vários processos em que se discute esta questão, não possuem a mesma natureza as infra-estruturas de telecomunicações afectas à prestação do serviço. Trata-se ora de antenas instaladas na cobertura de edifício, ora de antenas fixadas ao solo através de estruturas metálicas, e, ainda, da edificação de uma estrutura de betão à qual é acoplada uma torre metálica que suporta a antena.
3. A exigência pelos municípios de prévio licenciamento da actividade humana de realização de obras ou trabalhos que impliquem um aproveitamento urbanístico dos solos fundamenta-se em quanto se dispõe no art.64º, nº5, al. a), do regime jurídico do funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias, aprovado pela Lei nº169/99, de 18 de Setembro e no artº 1º,al.a), do regime aprovado pelo Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 250/94, de 15 de Outubro(1). Nestes preceitos atribui-se às câmaras municipais o poder de conceder licenças para a realização de obras de construção de novos edifícios, e de reconstrução, ampliação, alteração, ou demolição de edifícios já existentes, bem como para os trabalhos que impliquem alteração da topografia local, desde que para fins urbanísticos, ou seja, para fins que excedam um aproveitamento ou exploração conforme à sua própria natureza (agrícola, florestal, pecuário, cinegético)(2).
4. A competência do órgão executivo do município para atribuição das mencionadas licenças, encontra-se limitada pelo âmbito da previsão normativa que opera a delimitação das obras ou trabalhos que não podem ser efectuados sem tal controle administrativo prévio. Para além desta previsão é livre a actividade humana de aproveitamento dos solos para fins não urbanísticos.
5. O apuramento, em concreto, da exigibilidade de licenciamento municipal de uma dada construção, implica determinar se os trabalhos a realizar se podem subsumir ao conceito de obra de construção civil, uma vez que é este conceito que opera a delimitação do objecto dos preceitos legais citados: todas as obras de construção civil, ainda que tenham natureza ou destino exclusivamente agrícola, estão sujeitas a licenciamento municipal, bem como os trabalhos que impliquem alteração da topografia local para fins não exclusivamente agrícolas.
6. A exigência de licenciamento municipal prévio encontra-se, portanto, dependente da natureza da obra a realizar – obra de construção civil -, ou dos respectivos efeitos –alteração da topografia local.
7. Para que estejamos perante uma obra de construção civil exige-se que a construção em causa esteja ligada ao solo, ou a edifício pré-existente, e que tenha carácter de permanência(3). A este respeito, António Pereira da Costa define obra de construção civil como “o conjunto erigido pelo homem com quaisquer materiais, reunidos e ligados artificialmente ao solo ou a um imóvel com carácter de permanência, com individualidade própria e distinta dos seus elementos”. Assim, para que os trabalhos humanos de construção sejam licenciáveis é necessário que a obra esteja fixada ao solo ou a construção pré-existente com carácter de permanência.
8. Esta é também a interpretação da jurisprudência, a qual entende não estarem sujeitas a licenciamento as obras de carácter transitório, desmontáveis ou amovíveis. A contrario, a inamovibilidade e a permanência constituem, assim, pressupostos da exigibilidade do licenciamento.
9. Por seu turno, a inamovibilidade tem que ser aferida em função da insusceptibilidade de deslocação da estrutura, sem perda da sua individualidade construtiva. A permanência afere-se pela natureza duradoura ou transitória da destinação a que a construção se encontra afecta.
10. As mesmas características de inamovibilidade e permanência têm que constituir o pressuposto do licenciamento dos trabalhos de alteração da topografia local. Qualquer intervenção com esta natureza que produza a alteração das características físicas do solo está sujeita a licenciamento administrativo prévio.
11. São estas as conclusões que se impõem quando se atende às razões que ditam a sujeição da actividade edificatória a um controlo administrativo prévio. Apenas os trabalhos de construção civil que estejam efectivamente ligados ao solo e afectos a um fim não transitório, bem como as alterações topográficas de carácter permanente e irreversível são susceptíveis de suscitar questões de salubridade, segurança, estética, paisagística e ordenamento do território que constituem os interesses públicos a tutelar através do controle autárquico e justificam a sujeição a um procedimento administrativo próprio.
12. Assim, importa caracterizar as estações de telecomunicações à luz dos mencionados critérios, tendo presente que o respectivo licenciamento municipal deve ser legitimado por via dos interesses públicos acima mencionados e que determinam a sujeição da actividade privada de edificação a licenciamento administrativo.
13. As estações de radiocomunicações podem apresentar diferente configuração consoante sejam associadas a um imóvel já existente (R-2945/98), como é o caso da generalidade das antenas instaladas em zonas urbanas, ou venham a determinar a instalação de uma torre metálica de suporte ligada ao solo, com ou sem construções de apoio anexas (R-2028/98, R-1722/98 e R-234/99), como sucede por via de regra com as estações instaladas em zonas rurais.
14. As situações reclamadas revelam que, na segunda hipótese, a torre metálica que suporta a antena pode ser instalada sobre uma base de cimento a esta ligada de forma indissociável, sendo, do mesmo passo, as mencionadas torres acompanhadas de pequenas construções destinadas aos respectivos equipamentos.
15. Assim, é inquestionável que os trabalhos de instalação das estações são o resultado de obras de construção civil com carácter inamovível, já que se consubstanciam numa operação de ligação artificial de materiais ao solo, e que se destina a perdurar, afectando, por isso, de forma irreversível, a estética da paisagem e o ambiente em que se inserem.
16. Do mesmo passo, as antenas instaladas em edifícios pré-existentes estão sujeitas a licenciamento municipal, uma vez que a instalação está afecta a fim duradouro, encontra-se unida de forma indissociável ao edifício e altera a configuração da cobertura e, como tal, a estética do imóvel. Pode ainda ser afectada em razão da sobrecarga verificada por motivo da instalação da antena, a estrutura resistente do edifício, aspecto que importa acautelar, atentos os riscos para a segurança pública(4).
17. Importa também considerar as implicações que as mencionadas infra-estruturas comportam em termos de segurança e salubridade das edificações vizinhas bem como quanto à sua inserção no ambiente urbano e na paisagem, aspectos que às câmaras municipais cumpre acautelar no procedimento de licenciamento de obras.
18. Com efeito, constitui condição do licenciamento das obras a dignificação e valorização estética do conjunto edificado, não podendo as construções ser efectuadas por forma a comprometer “pela localização, aparência ou proporções, o aspecto das povoações ou dos conjuntos arquitectónicos, edifícios e locais de reconhecido interesse histórico ou artístico ou de prejudicar a beleza das paisagens”, constituindo pressuposto de indeferimento do pedido de licenciamento a circunstância de a pretensão edificatória “afectar a estética das povoações, a sua adequada inserção no ambiente urbano ou a beleza das paisagens”.
19. As preocupações subjacentes aos preceitos mencionados encontram-se reflectidas no regime jurídico atinente ao licenciamento das redes públicas e prestação de serviços de telecomunicações, bem como de instalação das respectivas infra-estruturas.
20. Já no corpo do Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro, ora revogado, se previa a existência de razões relativas à protecção do ambiente, do património cultural, do ordenamento do território, ou à defesa da paisagem urbana e rural que não permitissem a instalação das infra-estruturas de telecomunicações (art. 17º).
21. São estes, em síntese, os interesses públicos cuja salvaguarda dita a sujeição da instalação das estações de telecomunicações ao regime jurídico do licenciamento de obras particulares confiado às câmaras municipais, coincidindo tais interesses, no essencial, com a prossecução das atribuições municipais em matéria de ordenamento do território e urbanismo(5).
22. Ao consagrar o novo regime do licenciamento de redes e estações de radiocomunicações, o legislador acolheu o entendimento que acima se expôs quanto à submissão dos trabalhos de instalação de estações de radiocomunicações e antenas a licenciamento municipal de obras particulares.
23. Dispõe-se, com efeito, no preâmbulo do Decreto-Lei nº 151-A/2000, de 20 de Junho “relativamente à instalação de redes e estações, incluindo antenas, mantém-se o actual princípio de que o licenciamento radioeléctrico não dispensa quer as autorizações inerentes ao direito de propriedade, quer os actos de licenciamento, autorização ou outros previstos na lei, nomeadamente da competência dos órgãos autárquicos, os quais visam tutelar interesses diversos dos que estão cometidos à entidade gestora do espectro radioeléctrico”.
24. Neste sentido, estabelece-se no corpo do diploma que a exigência de consentimento dos proprietários dos prédios objecto da instalação “não dispensa quaisquer outros actos de licenciamento ou autorização previstos na lei, designadamente os da competência dos órgãos autárquicos” (v.art.20º, nºs. 1 e 2).
25. Não há, assim, no actual estado de evolução do ordenamento jurídico dúvidas quanto à sujeição dos trabalhos de construção e instalação de antenas para estações de telecomunicações móveis ao regime jurídico do licenciamento municipal de obras particulares.
26. A evolução legislativa é favorável aos interesses que determinam que os reclamantes se opusessem à instalação de antenas nas proximidades de habitações, uma vez que às câmaras municipais, no âmbito do procedimento de licenciamento municipal de obras particulares, caberá acautelar os interesses públicos em matéria de integração paisagística e estética urbana e contenção dos níveis de ruído, cabendo à Administração Central, por meio do Instituto das Comunicações de Portugal, assegurar a conformação com os parâmetros técnicos julgados suficientes para defesa da saúde pública.
ANOTAÇÃO
Em resultado da instrução do Processo, foi dirigido ao Senhor Presidente da Câmara Municipal de Penedono uma comunicação expondo as razões que determinariam a submissão dos trabalhos reclamados a licenciamento municipal e exortando à intimação do infractor para reposição da legalidade.
Viria a Câmara Municipal a adoptar comportamento legalmente devido, encetando diligências em ordem à remoção da antena.
Por fim, em 29.01.2003, ser-nos-ia informado encontrar-se iminente a realização dos trabalhos reclamados, pelo que foi determinado o arquivamento do Processo. |