RECOMENDAÇÃO N.º 3/B/05
(Artigo 20º, nº 1, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)


 













Entidade visada:  Ministro da Justiça
Procºs:  R-4515/04 e R-2579/03 (A6)
Data:  2005/05/10
Assunto:  Código das Expropriações: Prazo de efectivação do depósito do montante previsto para os encargos com as expropriações urgentes; Recomendações n.ºs 1/B/2004 e 7/B/2004.
Área: A6

 


 


 


 


 


I)
Código das Expropriações: prazo de efectivação do depósito do montante previsto para os encargos com as expropriações urgentes:


O art.º 20.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro (adiante CE), determina as condições sem as quais não pode ser efectivada, no âmbito dos processos de expropriação, a investidura administrativa na posse dos bens.


Assim sendo, para que seja possível que a entidade expropriante tome posse administrativa do bem expropriado, terão de estar previamente cumpridos os seguintes requisitos, conforme o regime resultante das alíneas a) a c) do n.º 1 do art.º 20.º do CE:









a) notificação dos actos de declaração de utilidade pública e de autorização da posse administrativa,
b) depósito da quantia correspondente à previsão dos encargos com a expropriação, nos termos que decorrem da conjugação dos art.ºs 20.º, n.º 1, alínea b), e 10.º, n.º 4, do CE, e
c) realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam .

No caso das expropriações urgentes, a lei dispensa, para a investidura na posse administrativa dos bens, o preenchimento de uma das condições acima enunciadas, qual seja a do depósito prévio da quantia apurada nos termos do art.º 10.º, n.º 4, do CE, ficando a efectivação daquela posse apenas dependente da concretização dos dois outros requisitos acima enunciados.


Concretamente refere o legislador, no art.º 20.º, n.º 5, alínea a), do CE, que “o depósito prévio é dispensado (…) se a expropriação for urgente, devendo o mesmo ser efectuado no prazo de 90 dias contados nos termos do artigo 279.º do Código Civil, a partir da data de publicação da declaração de utilidade pública” .


Não parece justificar-se, pelas razões a seguir apontadas, a diferenciação de regimes estabelecida no CE, pelo menos nos termos em que a mesma aparece formulada, no que toca à efectivação do depósito da quantia apurada nos termos do art.º 10.º, n.º 4, da legislação, obrigatória, nas expropriações não urgentes, para a investidura na posse administrativa dos bens, e não obrigatória, no caso das expropriações urgentes, para aquela mesma investidura, nesta última situação apenas determinando o legislador um prazo, de 90 dias, desde a data de publicação da declaração de utilidade pública, até ao termo do qual o depósito deverá ser feito. Refira-se que, decorrido tal prazo sem que o depósito tenha sido efectivado, a entidade expropriante não ficará, por tal motivo, desinvestida dessa posse ou impossibilitada de na mesma ser investida, caso, porventura ainda o não tenha feito.


Tendo em conta que a resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação terá de ser fundamentada, nos termos decorrentes do art.º 10.º, n.º 1, alínea c), do CE, também no caso das expropriações urgentes, designadamente com a previsão do montante dos encargos a suportar com a expropriação, feita com base na avaliação a que se refere o art.º 10.º, n.º 4, da legislação, e que aquele montante é o mesmo que deverá ser depositado nos termos preceituados no art.º 20.º do Código – previamente à investidura na posse administrativa dos bens, no caso das expropriações não urgentes, e no prazo de 90 dias a partir da publicação da declaração de utilidade pública, no caso das expropriações urgentes –, desde logo se conclui que esse valor é, em ambas as situações, já conhecido no momento de investidura na posse administrativa dos bens.


Deste modo, nada obstará a que, também nas expropriações urgentes, esse montante possa ser depositado à ordem do expropriado, se não previamente à posse administrativa do bem, na medida em que se está perante uma expropriação urgente, em que designadamente o depósito da quantia em causa não deverá constituir motivo de atraso do processo, pelo menos num prazo razoável, por exemplo de cinco dias, após a própria tomada de posse administrativa do bem pela entidade expropriante.


Terá querido o legislador, com o regime instituído para a investidura administrativa na posse dos bens nas expropriações urgentes garantir, às partes, o mínimo exigível para a salvaguarda dos direitos e interesses presentes. Conforme refere Pedro Cansado Paes (1) , “nos casos de expropriação urgente, a efectivação da posse administrativa depende apenas da notificação do acto de declaração de utilidade pública e da realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam. Na verdade, estas constituem as formalidades essenciais à salvaguarda dos direitos e interesses não só dos expropriados, como também da própria entidade expropriante (no caso da vistoria). A primeira por estar relacionada com o direito de interposição de recurso contencioso de anulação do acto declarativo de utilidade pública; a segunda pela inter-relação que apresenta com o princípio da justa indemnização: aquilo que a torna imprescindível é o facto do bem objecto de expropriação, na maior parte dos casos, sofrer transformações logo a seguir à investidura administrativa na posse” .


A verdade, no entanto, é que, conforme acima referido, estando a quantia que deverá ser depositada por motivo da investidura administrativa na posse dos bens já determinada, à data dessa mesma investidura, também nas situações que envolvem as expropriações urgentes, nenhuma razão válida obstará a que pelo menos alguns dias – sugiro cinco, sem que sejam devidos juros – após a tomada da posse administrativa do bem, esse depósito venha a ser feito. Naturalmente que, decorrido esse prazo razoável sem a efectivação do depósito, o expropriado passaria a ter direito ao pagamento de juros que o compensassem também pela privação antecipada do bem face ao momento da disponibilização da justa indemnização que lhe está garantida nos termos constitucionais.


Assim sendo, ao abrigo do disposto no art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendo a Vossa Excelência,






A promoção, pelo Governo, de iniciativa legislativa tendo em vista a alteração da norma contida no art.º 20.º, n.º 5, alínea a), do Código das Expropriações, no sentido de na mesma ser estabelecido, no caso das expropriações urgentes, o prazo de 5 dias, após a investidura administrativa na posse do bem por parte da entidade expropriante, para o depósito da quantia a que se referem conjugadamente os art.ºs 20.º, n.º 1, alínea b), e 10.º, n.º 4, do Código das Expropriações, com a concomitante previsão do direito do expropriado ao recebimento de juros, no caso de não ser efectivado o depósito no prazo mencionado.



II)
Código das Expropriações: Recomendações
n.ºs 1/B/2004 e 7/B/2004
(processo R-2579/03) :


1. Em 14 de Janeiro de 2004, através do ofício n.º 686, e em 12 de Abril de 2004, através do ofício n.º 6360, enviei à então Ministra da Justiça, respectivamente a Recomendação n.º 1/B/2004 e a Recomendação n.º 7/B/2004 , visando o aditamento, no primeiro caso, e a revogação, no segundo, de normas do Código das Expropriações, relativas respectivamente às questões do imposto de selo pago nas expropriações litigiosas e da dedução do imposto municipal sobre imóveis no cálculo das indemnizações por expropriação. Junto, para melhor elucidação de Vossa Excelência, cópia das duas mencionadas Recomendações.


Em 24 de Junho de 2004, fui informado, pelo XV Governo Constitucional, de que os assuntos em causa teriam sido remetidos ao Gabinete de Política Legislativa e Planeamento desse Ministério, para ponderação no âmbito dos trabalhos que estariam em curso para uma eventual revisão do CE. A partir daquela data, não foi possível obter, dos dois Governos anteriores, qualquer outra informação sobre o assunto.


2. Entretanto, e concretamente quanto à questão versada na Recomendação n.º 7/B/2004 , referente à questão da dedução do imposto municipal sobre imóveis no cálculo da indemnização, prevista no art.º 23.º, n.º 4, do Código acima mencionado, parece-me importante referir que, pelo menos em dois Acórdãos recentes – n.ºs 422/2004 e 625/2004, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente de 4 de Novembro e de 14 de Dezembro de 2004 –, decidiu o Tribunal Constitucional, embora com vários votos de vencido (no primeiro caso), por um não juízo de inconstitucionalidade da norma constante do art.º 23.º, n.º 4, do CE, precisamente a norma cuja revogação foi por mim recomendada, pelas razões aí mais bem explicadas.


Entendeu o Tribunal Constitucional que não estaria posto em causa o princípio da igualdade, na relação externa da expropriação, isto é, no plano da relação entre expropriados e não expropriados, na circunstância em que estes últimos procedem à transmissão onerosa dos imóveis de que são proprietários, designadamente pelo facto de a administração fiscal estar dotada de poderes de reavaliação de cada prédio, incluindo naturalmente os prédios objecto de transmissão onerosa, e poder, em consequência, promover, também nestas circunstâncias, liquidações e cobranças adicionais de impostos.


Sendo isto verdade, o certo também é que a forma – automática – pela qual se processa a dedução do valor devido a título de imposto municipal sobre imóveis, na quantia atribuída a título de indemnização, diferente da possibilidade – meramente eventual – de aquele montante vir a ser liquidado e cobrado pela administração fiscal nas situações de transmissão onerosa do bem, poderá levar a que, na prática, o tratamento conferido a expropriados e não expropriados, na situação de liquidação e cobrança adicionais daquele imposto, venha a ser distinto.


Refere o Tribunal Constitucional que a automaticidade da dedução do imposto no caso das expropriações, por contraposição a uma não automaticidade da liquidação e cobrança adicional do mesmo imposto, no caso da venda do bem, se justificará face “à diferença de circunstâncias envolventes dos casos em presença”, aduzindo que “enquanto no processo expropriativo se procedeu já a uma avaliação do prédio expropriado, no caso da transmissão onerosa, a avaliação tem necessariamente que se seguir à transmissão, funcionando o preço declarado como suspeita de subavaliação fiscal do prédio, que faz desencadear o processo de reavaliação de onde derivará a revisão oficiosa da liquidação(…)”. (2)


Salvo melhor opinião, assistiria razão ao Tribunal Constitucional se a transmissão onerosa do bem desencadeasse sempre, embora numa fase subsequente à do pagamento do respectivo preço, um processo de reavaliação para efeitos de liquidação adicional do imposto municipal sobre imóveis, o que não acontecia, como se sabe, no domínio do Código da Contribuição Autárquica (CCA), e poderá continuar a não acontecer no domínio do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).


A automaticidade decorrente da norma contida no art.º 23.º, n.º 4, do Código das Expropriações não significa apenas que o pagamento da quantia adicional de imposto ocorre no momento do pagamento do montante devido a título de indemnização, na medida em que o valor do imposto devido estaria já naquela data apurado – por contraposição à não simultaneidade do pagamento do imposto adicional com o recebimento do preço, no caso da transmissão onerosa dos bens –, significa também, e antes de mais, que a liquidação e cobrança adicionais do imposto são, no caso das expropriações, uma realidade, diria mesmo uma inevitabilidade, ao passo que a mesma liquidação e cobrança adicionais têm, no caso das transmissões onerosas, um carácter meramente eventual.


Isto é, o Tribunal Constitucional parte da premissa, para justificar o tratamento não desigual das situações, de que, embora num momento posterior ao do pagamento do preço, a reavaliação do bem vendido, com a consequente liquidação adicional de imposto, se fará também sempre na circunstância de transmissão onerosa do bem.


Ora, a verdade é que essa liquidação adicional, ao contrário do que acontece com as expropriações, não está imposta por lei, apenas constituindo uma faculdade enquadrada nos poderes gerais da administração fiscal de liquidação e cobrança adicionais de impostos.


São expressivas, a este propósito, as palavras do Conselheiro Rui Moura Ramos, na sua declaração de voto aposta no Acórdão n.º 422/2004, acima mencionado:





É que, importa sublinhá-lo, o artigo 23.º, n.º 4, do CE funciona automaticamente, operando desde logo a redução do quantum indemnizatório, e a eventual recuperação das contribuições autárquicas desfasadas do valor real do prédio, na hipótese de venda deste, não apresenta qualquer automaticidade, dependendo sempre de uma (altamente improvável) iniciativa da administração fiscal de reavaliar o prédio, actualizar a matriz e realizar uma liquidação adicional do imposto. Não é correcto afirmar a inexistência de desigualdade quando o que está em causa para um dos termos da comparação é uma certeza (uma consequência automática) e para o outro termo uma mera eventualidade. O que é facto (…) é que não existe, para quem transmita onerosamente bens sobre os quais incida CA (hoje, imposto municipal sobre imóveis) , algo de tão expressivo, imediato e objectivo como o é, para o expropriado, a consequência jurídica do artigo 23.º, n.º 4, do CE. (…) Esta norma, pretendendo atenuar, por razões de justiça fiscal, o efeito induzido pela desactualização dos valores matriciais, ou seja, da base de cálculo do CA, acaba por introduzir, perversamente, um factor de perturbação, traduzido numa sobrecarga acrescida do expropriado, quebrando o equilíbrio existente perante os encargos públicos, entre este e aquele que aliena um prédio a terceiros” .

E acrescenta:





“A posição do expropriado deve ser equacionada, no que diz respeito à sujeição a encargos públicos que acresçam à própria ablação do direito de propriedade, dentro de uma lógica exigente, que pode ser configurada como um verdadeiro direito à “omissão de um tratamento desigual”. (…) Ora, a intervenção legislativa decorrente do artigo 23.º, n.º 4, do CE ilustra esta situação: o legislador, se tivesse omitido a intervenção que afecta a posição do expropriado – é neste sentido que vai a minha Recomendação n.º 7/B/2004, onde se propõe a revogação da dita norma –, teria mantido o equilíbrio (a igualdade) entre este e os demais proprietários de imóveis que os transmitem onerosamente; realizando tal intervenção, e não a estendendo a ambas as situações objecto de comparação, quebra esse equilíbrio, que o mesmo é dizer, introduz um factor de desigualdade” .

Parece-me importante citar ainda os seguintes trechos da declaração de voto, aposta no mesmo Acórdão, pelo Conselheiro Paulo de Mota Pinto:





“O que não se justifica é o aproveitamento da situação, de relativa fragilidade, do expropriado/contribuinte, como credor de uma indemnização por outro facto, totalmente diverso do facto tributário (a expropriação), para lhe impor a cobrança “automática” de um imposto que apenas “teria sido” devido, liquidado segundo critérios contra os quais não tem, agora, qualquer interesse em reagir. Deste modo, não só o expropriante paga menos que o “valor de mercado”, como a administração fiscal (se vier a ter intervenção no processo, o que o acórdão intencionalmente preferiu deixar na sombra) cobra mais do que o valor constante das matrizes para a generalidade dos prédios, subtraindo-se ainda ao contribuinte/expropriado, pela conexão de procedimentos em questão, a possibilidade de reagir especificamente contra a actualização do valor tributável do prédio, como deveria poder fazer. Também esta consequência – que aponta para uma situação de verdadeira “deslealdade procedimental”, a favorecer o expropriante – acentua a desigualdade em que o contribuinte/expropriado fica, por virtude da solução legal em apreço, em relação não só aos demais proprietários de imóveis que os transmitem onerosamente, como em relação a outros contribuintes” .

A respeito da questão da preclusão, para o expropriado, dos normais meios de garantia, pense-se por exemplo na hipótese de um determinado imóvel sofrer, durante o período em referência, alterações relevantes no seu valor, que façam com que o valor da sua avaliação para efeitos de expropriação não seja o mesmo que deverá determinar o cálculo do imposto em cada um dos anos relativamente aos quais o Código das Expropriações permite a respectiva dedução.


Voltando à referida declaração de voto, diz-se na mesma:





”Afigura-se-me chocante que sobre quem já se viu expropriado do imóvel – e, portanto, suportou já o sacrifício da perda do direito sobre este, contra ou sem a sua vontade – possa recair ainda o sacrifício acrescido de lhe serem cobrados, pela via da dedução na indemnização que lhe é devida, impostos superiores àqueles que são pagos pela generalidade dos proprietários de prédios semelhantes, não expropriados”.

Admitindo que, no âmbito do CIMI, venham a atenuar-se as desigualdades que decorriam do CCA, na perspectiva em referência, pelo facto de neste momento a venda do bem desencadear sempre uma avaliação do mesmo, embora já não, automaticamente, a reforma da liquidação respeitante a anos anteriores, a adopção de um único regime aplicável à compra e venda e à expropriação sempre permitiria:











a) Eliminar a disparidade actualmente existente relativamente ao prazo de caducidade, evitando a sua repetição de futuro, no caso de uma eventual nova alteração do prazo de caducidade da liquidação no âmbito da lei tributária;
b) Garantir que o valor descontado na indemnização preclude a faculdade de liquidação do mesmo imposto relativamente ao período em causa;
c) Assegurar que a afectação legal da receita do IMI é também respeitada no caso da expropriação;
d) Garantir também aos expropriados a possibilidade de uso de todos os meios de defesa dos seus direitos, consagrados pela lei tributária à generalidade dos administrados, designadamente a possibilidade de ser contestada a adequação da avaliação feita para efeitos de expropriação, quando aplicada ao cálculo do impostos a pagar retroactivamente, sem necessariamente pôr em causa o valor actual do bem, parâmetro da justa indemnização, admitindo que naturalmente podem ser distintos.

3. Assim sendo, por tudo o que fica acima dito, permita-me, Senhor Ministro, que reitere o teor das minhas Recomendações n.ºs 1/B/2004 e 7/B/2004 , sobre os assuntos em referência.



III)


Perante a necessidade de dar seguimento aos assuntos acima indicados, muito agradeço a Vossa Excelência a apreciação do teor das referidas Recomendações n.ºs 1/B/2004 e 7/B/2004, bem como o teor da Recomendação sobre o prazo de efectivação do depósito do montante previsto para os encargos com as expropriações urgentes, feita no ponto I deste documento, naturalmente pedindo que, logo que possível, me seja comunicada a posição que venha a ser tomada pelo Governo sobre as mesmas.



O Provedor de Justiça,

H. Nascimento Rodrigues


 


Notas de rodapé:


(1) E outros, in “Código das Expropriações”, revisto e actualizado, 2.ª edição, 2003, Almedina, pp. 129 e 130.


(2) Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 422/2004 .