RECOMENDAÇÃO N.º 6/A/04
(Artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)



Entidade visada: Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve
Procº: R-1521/03
Data: 2004/04/07
Assunto: Aplicação da pena de aposentação compulsiva e pagamento da pensão transitória de aposentação. Efeitos da pena.
Área: A4


I – Enunciado


XXXX, assistente administrativa da ex-Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território do Algarve (DRA-ALG), dirigiu-me uma reclamação em 02 de Maio de 2003, alegando, em resumo, que por despacho de 29 de Novembro de 2002, da autoria de Sua Excelência o Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, lhe fora aplicada a pena disciplinar de aposentação compulsiva, encontrando-se, desde então, sem receber qualquer quantia relativa à pensão a que tem direito.


Tal situação, segundo informação decorrente da mesma exposição, decorreria de parecer da Secção de Contencioso do Serviço respectivo e colocava a reclamante, como se compreende considerando as datas acima referidas, em situação de dificuldade e manifesta carência.


Interpelado o Serviço referido, veio a obter-se uma primeira resposta em 06 de Outubro de 2003, constante do ofício n.º 7662, de 30 de Setembro de 2003, anexando Informação da mesma data (Informação n.º 854/DSAF) em que se defende, em resumo, não poder o mesmo Serviço “continuar a abonar o vencimento ao funcionário objecto de pena de aposentação compulsiva com carácter definitivo e eficaz, nem lhe cabe(r) suportar a pensão transitória”.


Acrescenta-se, todavia e in fine, o seguinte: “Atenta a delicadeza da matéria e, especialmente, face à posição expressa pela Provedoria de Justiça e ao teor do ofº n° SAC311AF.654666/00, de 27/06/2003 da CGA, sugiro seja consultada a DGAP”.


Sublinha-se que o referido ofício da Caixa Geral de Aposentações não foi enviado a este Órgão do Estado com a Informação que o refere, como se impunha, tendo sido obtido posteriormente por solicitação à Caixa.


No referido documento, como é habitual, a Caixa Geral de Aposentações informa a então DRA-ALG, que “nos termos do art.º 97.º do Estatuto da Aposentação (E. A.) – DL n.º 498/72, de 09/12 – foi reconhecido o direito à aposentação, por despacho de 2003-07-27 da Direcção da Caixa (proferido por delegação de poderes publicada no D.R. II Série, n.º 62, de 2002-03-14), tendo sido considerada a situação do interessado existente em 2002-11-29 nos termos do artigo 43.º do Estatuto da Aposentação. O valor da pensão para o ano de 2002 é de € 510,39”, com base nos elementos que indica, acrescentando-se, ainda, que o “pagamento da pensão constitui encargo desse serviço até ao último dia do mês em que for publicada no Diário da República, passando a ser da responsabilidade desta Caixa a partir do 1 do mês seguinte ao da publicação”.


A publicação na II Série do Diário da República verificou-se em 30 de Setembro de 2003, na mesma data da Informação n.º 854/DSAF, acima referida e despachada no mesmo dia pela entidade competente, depois de múltiplos pedidos de resposta formulados no âmbito da instrução do processo.


Consultada a Direcção-Geral da Administração Pública (DGAP), pela ex-DRA-ALG, nos termos propostos na Informação e acima transcritos, veio esta remeter à mesma Direcção Regional, como se depreende do expediente carreado para o processo, o ofício n.º 7141, de 15 de Outubro de 2003, em que manifesta a sua concordância com a referida Informação n.º 854/DSAF, sem que esse Serviço se tivesse dignado prestar qualquer informação à Provedoria de Justiça, até 10 de Fevereiro de 2004, apesar das muitas insistências feitas na sequência do nosso ofício n.º 15639, de 9 de Outubro de 2003, que, precisamente, discutia e contrariava a posição assumida na aludida Informação.


Em 10 de Fevereiro de 2004, foi então recebido neste Órgão do Estado o ofício acima epigrafado, em que se reitera a posição já antes assumida, juntando-se cópia do ofício da DGAP e se indica, adicionalmente, que “o nome da funcionária em causa consta da listagem da Caixa Geral de Aposentações publicada no Diário da República, II Série, de 30/09/2003”.


Por contacto com a funcionária, oportunamente estabelecido em sede de instrução, sabe-se que se encontra a receber a pensão de aposentação, paga pela Caixa Geral de Aposentações, desde 17 de Outubro de 2003.


Assim, de 31 de Dezembro de 2002, até 17 de Outubro de 2003, nada lhe foi pago a título de pensão transitória, apesar da indicação fornecida à então DRA-ALG, em 27 de Junho de 2003, pela Caixa Geral de Aposentações, situação altamente lesiva de um direito fundamental, porque esse Serviço entende que a mesma “passou à situação de aposentada no dia imediato ao da sua notificação da decisão disciplinar que lhe aplicou a pena de aposentação compulsiva (…)”.



II -Apreciação


Para proceder à análise da questão em apreciação, convirá transcrever, com a necessária extensão, a linha de argumentação seguida na Informação n.º 854/DSAF, de 30 de Setembro de 2003, que é do teor seguinte:



“De acordo com o art° 73°, n° 1 do Estatuto da Aposentação (EA), a passagem à situação de aposentação verifica-se no dia 1 do mês seguinte ao da publicação oficial da lista de aposentados em que se inclua o seu nome.
Mas essa será a regra no processo normal de aposentação, sujeita a excepções conforme admitido pelo n° 2 desse articulado.
E, na verdade, nos termos do art° 70°, n° 1 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (ED), as decisões que apliquem penas disciplinares começam a produzir os seus efeitos legais no dia seguinte ao da notificação do arguido.
Contrariamente ao que acontece num procedimento de aposentação voluntária ou por incapacidade ou limite de idade, em que o funcionário, após resolução da Caixa quanto ao direito à aposentação e ao montante, provisório ou definitivo, da pensão, fica desligado do Serviço a aguardar aposentação até ao dia 1 do mês seguinte ao da publicação oficial da lista de aposentados em que se inclua o seu nome.
E se o art° 99°, n° 3 do EA manda que o funcionário desligado do serviço a aguardar aposentação continue transitoriamente a receber (uma pensão) pelos serviços pela verba destinada ao pessoal fora do serviço aguardando aposentação, não é explícito, nessa matéria, quanto à situação dos funcionários objecto de pena disciplinar de aposentação compulsiva (isto é, na situação de aposentados) no hiato temporal que decorre entre a efectividade da pena e o apuramento e pagamento da pensão de aposentação pela Caixa de acordo com as regras gerais.
A questão controvertida consiste em saber se o Serviço a que pertencia o funcionário deve continuar a abonar-lhe o vencimento desde a efectividade da pena de aposentação compulsiva até à comunicação pela Caixa do montante (provisório ou definitivo) da pensão (EA, art° 99°, n.ºs 1 e 2 e art° 97°, n° 1) e, bem assim, se esse Serviço deverá, depois, abonar pensão transitória até à publicação da lista de aposentados no Diário da República (EA, art° 99°, n° 3 e art° 73°, n° 1).
Afigura-se-nos que não pode o Serviço continuar a abonar o vencimento ao funcionário objecto de pena de aposentação compulsiva com carácter definitivo e eficaz, nem lhe cabe suportar a pensão transitória.
Vejamos.
O procedimento normal de aposentação inicia-se por comunicação da Administração, nos casos de aposentação obrigatória, e, nos restantes, a requerimento do interessado, enviado à Caixa Geral de Aposentações (EA, art° 84°).
A Caixa deverá, num primeiro momento, apreciar e decidir sobre o direito do funcionário à aposentação e determinar o montante (provisório ou definitivo) da respectiva pensão, comunicando as resoluções tomadas ao Serviço onde o subscritor exerça funções (EA, art°s 97° e 99°).
Entre a apresentação da comunicação ou requerimento para a aposentação e a comunicação da resolução da Caixa o funcionário continua a perceber o seu vencimento, já que se mantém em efectividade de serviço; e após a dita comunicação da Caixa passará à situação de desligado do serviço aguardando aposentação, recebendo uma pensão transitória no montante indicado naquela comunicação, até à publicação do seu nome da lista de aposentados no Diário da República (EA, art° 99°, n.ºs 2 e 3 e art° 73°, n° 1).
Na hipótese da aposentação compulsiva, a partir do momento em que a decisão se torna definitiva e eficaz cessam de imediato (não obstante a manutenção do vínculo à Função Pública – art° 74° do Estatuto da Aposentação) todos os direitos e deveres atinentes à relação jurídica de emprego público na situação de actividade, em particular, os deveres de comparência ao serviço e de prestação de trabalho (DL 427/89, art° 28°, n° 1, a fortiori), opera-se a vacatura do lugar ocupado pelo funcionário (ED, art° 70°, n° 2 e EA, art° 99°, n° 3), passando este imediatamente, ipso facto, à situação de aposentado, por força dos art°s 12°, n° 7 e 70.°, n° 1 do ED (que têm pleno cabimento na excepção prevista no art° 99°, n° 3 do EA, já que são sem dúvida normas de carácter especial face às regras gerais do regime de aposentação) e do art° 73°, n° 2 do EA.
Isso tem como consequência, desde logo, a impossibilidade de o Serviço continuar a abonar ao funcionário aposentado qualquer quantia a título de retribuição de trabalho/vencimento (Vide, inter alia, Ac. STA de 23/11/95, no Proc.º 38779A, in
www.dgsi.pt/jsta), por falta de relação jurídica que o suporte e de cabimentação orçamental, atento o princípio da previsão e especificação das despesas públicas.
E, consumando-se de imediato a mudança de situação do funcionário da situação de actividade para a situação de aposentado, deverá esta (EA, art°s 100°, n° 2, 99°, n° 3 e 73°, n° 2) ser logo publicada na 2.ª série do Diário da República, passando a respectiva pensão de aposentação a ser devida pela Caixa Geral de Aposentações a partir da data dessa mudança de situação, conforme o determina o art° 64°, n° 1 do EA: “1. A pensão de aposentação é devida pela Caixa a partir da data em que o subscritor passa à situação de aposentado”.
Assim, ao que resulta dos normativos citados, porque o funcionário objecto de pena disciplinar, definitiva e eficaz, de aposentação compulsiva passa imediatamente à situação de aposentação, e não à situação de desligado do serviço a aguardar aposentação, adquire desde essa data o direito à percepção da correspondente pensão, a abonar pela Caixa, não havendo lugar às fases intermédias que ocorrem no procedimento normal de aposentação – manutenção do abono do vencimento até à comunicação pela Caixa do montante da pensão, decisão da Caixa quanto ao direito à aposentação e pagamento pelos Serviços a que pertencia o funcionário de uma pensão transitória.
Esta interpretação, que se me afigura a mais consentânea com os preceitos legais que regulam a matéria, é susceptível de criar constrangimentos de ordem económica ao funcionário que, por largos meses (no caso em apreço, a resolução da Caixa quanto ao montante da pensão e a posterior publicação em DR demoraram, no conjunto, oito meses), se vê subitamente privado de um rendimento certo e periódico.
Não me parece que tal interpretação seja, no entanto, questionável à luz dos princípios da justiça e da proporciona/idade, posto que ao funcionário estão garantidos o direito à pensão de aposentação (desde o momento em que a pena surte efeitos) e o direito a requerer judicialmente a suspensão do acto que determinou a pena, caso a ausência temporária daquela fonte de rendimentos origine uma grave situação de debilidade económica do funcionário.
Matéria sobre que, aliás, os Tribunais Administrativos têm sido amiúde chamados a pronunciar-se, concedendo ou negando pedidos de suspensão da eficácia de decisões disciplinares com aplicação de penas de aposentação compulsiva, fundados (os pedidos) precisamente na insuficiência económica dos apelantes em resultado da cessação do pagamento do vencimento pelos respectivos Serviços, como consequência imediata e necessária da aplicação daquela pena.
Tampouco quererá dizer necessariamente que a falta de previsão normativa expressa para a situação (transitória) dos aposentados compulsivamente por sanção disciplinar, específica ou similar à que se encontra regulada para o procedimento normal de aposentação, configure uma lacuna da lei. Esta só se verifica quando, por falta de previsão do legislador, a lei não regula uma situação que carece de disciplina normativa. Ora, face aos efeitos imediatos da pena de aposentação compulsiva e sendo esta matéria tratada tanto no Estatuto da Aposentação como no Estatuto Disciplinar, não me parece razoável concluir que o legislador se tenha “esquecido” de prever um regime transitório que, à semelhança dos funcionários a aguardar aposentação, salvaguardasse a continuidade, sem hiatos, da percepção de uma prestação monetária ao funcionário sancionado com pena disciplinar de aposentação compulsiva. Antes se me afigura mais lógico que o silêncio do legislador é intencional, já que o direito à pensão está garantido através de procedimento mais expedito, não se mostrando necessário ir mais além na protecção de um funcionário que, pelo seu comportamento faltoso, mereceu uma censura tão intensa como a de aposentação compulsiva.”


A análise jurídica transcrita tem, como iter determinante da conclusão a que chega, três vectores essenciais, que se podem resumir nos seguintes termos:



a) A notificação da aplicação da pena de aposentação compulsiva consuma “de imediato a mudança de situação do funcionário da situação de actividade para a situação de aposentado;


b) Assim, “(…) porque (…) passa imediatamente à situação de aposentação, e não à situação de desligado do serviço a aguardar aposentação, adquire desde essa data o direito à percepção da correspondente pensão, a abonar pela Caixa (…)”;


c) Não há, por conseguinte, “(…) lugar às fases intermédias que ocorrem no procedimento normal de aposentação – manutenção do abono do vencimento até à comunicação pela Caixa do montante da pensão, decisão da Caixa quanto ao direito à aposentação e pagamento pelos Serviços a que pertencia o funcionário de uma pensão transitória”.


Todavia, este esforço silogístico exige ainda, como se verá, um outro pressuposto, para permitir a solução defendida por V. Exa. e, anteriormente, também assumida pela entidade que despachou a Informação transcrita acima, pressuposto esse sine qua non e que consiste em admitir que os artigos 12.º, n.º 7, e 70.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar se encontram abrangidos na excepção prevista no artigo 99.º, n.º 3, do Estatuto da Aposentação, ou na legislação especial referida no artigo 73.º, n.º 2, do mesmo Estatuto (1).


Como se referiu, esta tese, não obstante a clara posição da Caixa Geral de Aposentações e da Provedoria de Justiça, foi agora mantida, com base também num parecer da DGAP que, para além de passar inteiramente a latere da questão controvertida, invoca em seu benefício um aresto do Supremo Tribunal Administrativo que, se integralmente lido, conduziria, exactamente, a posição diferente da assumida.


Anote-se, incidentalmente, que a jurisprudência genericamente invocada na Informação n.º 854/DSAF, de 30 de Setembro de 2003, e com igual generalidade, exceptuada uma decisão, no ofício n.º 7141, de 15 de Outubro de 2003, da DGAP, nada tem a ver com a questão controvertida, como melhor resultará da análise a que ora se procede.


E pode acrescentar-se, a este respeito, que não é conhecida qualquer jurisprudência, incluindo burocrática, que alguma vez tenha sido chamada a dilucidar tal questão, dada a sua clareza, pela que as posições assumidas pela extinta DRA-ALG, agora reiterada por V. Exa., e a decorrente do parecer da DGAP, possuem a singularidade extrema de ser únicas.


Como já se referiu no decurso do processo aberto na Provedoria de Justiça, discorda-se, em absoluto, das posições assim assumidas, que se têm por insufragáveis, a qualquer luz que se vejam.


Efectivamente, no domínio da legislação anterior e até 1972, data do Estatuto da Aposentação aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, vigorou o Decreto com força de lei n.º 19.498, de 16 de Março de 1931, que, regulando o regime de aplicação da pena de aposentação compulsiva, determinava no seu artigo 1.º, n.º 3, parágrafo 6.º, que “o funcionário a quem for imposta a aposentação passará à situação de inactividade até ser publicado o despacho fixando a respectiva pensão, com pensão provisória correspondente ao número de anos que lhe foram fixados para a aposentação, paga pelo respectivo Ministério”.


Este diploma veio a ser revogado pelo artigo 141º, n.º 1, alínea a), do Estatuto da Aposentação de 1972, em face do regime nele estabelecido que, todavia, é idêntico ao anterior, como decorre, aliás, do ofício enviado pela Caixa Geral de Aposentações em 27 de Junho de 2003 e não cumprido por esse Serviço.


Cotejando a disposição transcrita do diploma de 1931, com o Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 32.659, de 9 de Fevereiro de 1943, constata-se do seu artigo 11.º (elenco das penas) a existência da pena de aposentação compulsiva, sem que se refiram, no artigo 13.º, pertinente aos efeitos das penas disciplinares, a existência de quaisquer efeitos relativos às penas “regresso à categoria imediatamente inferior” e “aposentação compulsiva”.


Esta posição compreende-se dada a natureza das penas e o seu óbvio efeito, que decorre, por assim dizer, da simples enunciação das suas designações. Por outro lado, a aposentação compulsiva estava regulamentada no diploma de 1931, que se manteve até 1972.


Mas já assim não sucede quanto aos estatutos disciplinares aprovados pelos Decretos-Leis n.ºs 191-D/79, de 25 de Junho, e 24/84, de 16 de Janeiro (cfr. artigos 11.º, n.º 1, alínea e), 12.º, n.º 7, e 13.º, n.º 10).


Depois da entrada em vigor do diploma de 1972, relativo à aposentação, nenhumas dúvidas se colocaram quanto à questão agora suscitada, exactamente porque a aposentação compulsiva é nele tratada como uma forma de aposentação obrigatória, tendo como título inicial o despacho que aplica a pena, mas que, a partir daí, segue a tramitação de qualquer outro tipo de aposentação que decorra de título com o mesmo efeito (por exemplo, limite de idade geral ou especial, ou incapacidade).


Relativamente às relações entre os Estatutos da Aposentação e Disciplinar, refira-se, ainda, que o artigo 59.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado, de 1943, estabelecia que: “As penas disciplinares começam a produzir os seus efeitos legais no próprio momento da notificação ao arguido ou, não podendo ser notificado, dez dias após a fixação do edital”.


Um dos pressupostos inaceitáveis da posição sob análise é a de que a aplicação da pena de aposentação compulsiva, ex vi do artigo 70°, n° 1, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, tem como efeito imediato e automático a passagem do funcionário punido à situação de aposentado.


Efectivamente, como já se referiu, o Estatuto Disciplinar em vigor, tal como o seu antecessor, referem a pena, a sua caracterização e os seus efeitos, em termos que, dada a posição assumida por V. Exa., carecem de ser invocados.


Assim, o artigo 12.º, n.º 7, do Estatuto Disciplinar vigente caracteriza a pena de aposentação compulsiva como a “imposição da passagem do funcionário ou agente à situação de aposentado”.


Por sua vez, o artigo 13.º do mesmo diploma, relativamente aos efeitos das penas, determina que “as penas disciplinares produzem unicamente os efeitos declarados no presente diploma” (n.º 1) e que “a pena de aposentação compulsiva implica para o funcionário ou agente a aposentação nos termos e nas condições estabelecidas no Estatuto da Aposentação (n.º 10, sublinhado nosso).


Perante este normativo evidencia-se, desde logo, a fragilidade da tese defendida nas Informações que mereceram o acolhimento desse Serviço e seu antecessor: na verdade, é impossível descortinar as razões que podem conduzir à consideração de que os artigos 12.º, n.º 7, e 70.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar se encontram abrangidos na excepção prevista no artigo 99.º, n.º 3, do Estatuto da Aposentação, ou na legislação especial referida no artigo 73.º, n.º 2, do mesmo Estatuto (2), quando é este mesmo Estatuto Disciplinar que remete, sem qualquer ressalva e nos termos em que o faz, para o Estatuto da Aposentação como efeito da pena, antes caracterizada nos moldes transcritos.


Quanto à consideração da aplicação da pena em causa, como acto imediatamente constitutivo da situação de aposentado, trata-se de uma qualificação inexacta por totalmente repudiada pela lei e por construção doutrinária já longa.


Anote-se, a este respeito, que na qualificação dada à pena em causa, escreve João Alfaia o seguinte:



“Os requisitos exigidos ao subscritor para ser aposentado variam consoante as modalidades de aposentação e já foram referidos a propósito de cada uma delas.
Limitar-nos-emos, pois a enumerar os diversos requisitos que poderão verificar-se:
(…)
e) Condenação na pena de aposentação compulsiva – requisito específico da aposentação ordinária compulsiva.”
(3)


O regime hoje estabelecido no Estatuto Disciplinar, e que se insere na esteira da posição consagrada no Direito Administrativo português desde sempre e claramente evidenciada em 1931, recolhe também a lição do Prof. Marcello Caetano quando ensina, a propósito das penas ditas expulsivas o seguinte: “No caso de o funcionário já ter as condições necessárias para obter a aposentação, é compelido a passar a essa situação, deixando de prestar serviço mas recebendo as pensões fixadas por lei (…)” (4).


Ser “compelido a passar” implica, como se diz na caracterização do artigo 12.º, n.º 7, do Estatuto Disciplinar, a “imposição da passagem do funcionário ou agente à situação de aposentado” e não a constituição imediata da situação (5).


Por todo o exposto, é manifesto que o artigo 37.º do Estatuto da Aposentação, desde 1972, entendeu a pena expulsiva em causa como condição de aposentação obrigatória, ao mesmo título dos previstos nas alíneas a) e b) do seu n.º 2 (6).


Assim, parafraseando a Informação de 30 de Setembro de 2003, já diversas vezes referida, e pelo demais que acima se deixou exposto, sendo exacto que:



“o procedimento normal de aposentação inicia-se por comunicação da Administração, nos casos de aposentação obrigatória, e, nos restantes, a requerimento do interessado, enviado à Caixa Geral de Aposentações (EA, art° 84°).
A Caixa deverá, num primeiro momento, apreciar e decidir sobre o direito do funcionário à aposentação e determinar o montante (provisório ou definitivo) da respectiva pensão, comunicando as resoluções tomadas ao Serviço onde o subscritor exerça funções (EA, art°s 97° e 99°).”
(7)


Pelo nenhuma dúvida há de que seja este, igualmente, o procedimento a seguir no caso de aposentação obrigatória por efeito de aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva.


E repare-se que o n.º 2 do artigo 37.º do Estatuto da Aposentação não podia ser mais claro quando referia, na versão originária, que há ainda lugar a aposentação quando o subscritor (…) c) seja punido com a pena de aposentação compulsiva (8), onde hoje se escreve com pena expulsiva de natureza disciplinar em razão das modificações operadas relativamente à demissão, por considerações de segurança social que se repercutiram significativamente nos efeitos destas penas.


A Caixa Geral de Aposentações, aliás, em Parecer de 11 de Março de 2004, conclui, exactamente como se fez neste Órgão do Estado, que “o efeito legal da pena de aposentação compulsiva é unicamente o declarado no Estatuto Disciplinar (artigo 13.º, n.º 1), ou seja, o declarado no artigo 13.º, n.º 10: a aposentação nos termos e nas condições estabelecidos no Estatuto da Aposentação” (9).


E acrescenta-se no mesmo Parecer:



“Assim sendo, a notificação ao arguido do despacho punitivo limita-se a impulsionar o processo de aposentação, que passa a seguir a tramitação prevista no Estatuto da Aposentação:
Dúvidas não restam, pois, que a responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações pelo pagamento da pensão de aposentação apenas se constitui no dia 1 do mês seguinte ao da publicação em Diário da República da lista dos aposentados com a inclusão do nome do interessado.


Dada a natureza da pena, evidente se torna que a sua aplicação faz cessar a actividade, tal como sucede com o limite de idade (geral ou especial) e a incapacidade, por definição.


Assim, como se notou já em anterior ofício da Provedoria de Justiça, o legislador tratou a aposentação compulsiva como uma causa de aposentação obrigatória sem repercussão sobre o regime geral, até porque, não haveria razão para proceder de outra forma, se atentarmos na circunstância de que a desligação do serviço para efeitos de aposentação implica a cessação da relação jurídica de emprego público, ex vi do artigo 28.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 07 de Dezembro, exactamente nos termos em que tal facto decorre da aplicação de penas expulsivas.


Apresentada a configuração legal da matéria em discussão, nos termos e pelos fundamentos expostos, a qualificação da situação decorrente da aplicação da pena de aposentação compulsiva, em termos de processo de aposentação, só pode ser uma, onde não cabe, a qualquer título, o entendimento que vê no despacho de aplicação da pena a passagem directa do funcionário punido à situação de aposentado, com pensão definitiva a cargo da Caixa Geral de Aposentações.


Conjugando os artigos 33.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), 43.º, n.º , alínea d), e 99.º, n.º 2, do Estatuto da Aposentação, conclui-se que a realidade designada como inactividade no diploma de 1931, acima transcrito, corresponde desde 1972 a uma situação de desligado do serviço, ou aposentando, nos termos do n.º 2 do referido artigo 99.º.


Efectivamente, como nota João Alfaia, “No momento – variável consoante os factos determinantes da aposentação – em que deixa de haver contagem de tempo de serviço para efeitos de aposentação (n.º 2 do art. 33.º) verifica-se segundo julgamos a cessação da situação de subscritor ou pelo menos dos seus efeitos (dado que o subscritor, enquanto tal, tem direito à contagem de tempo para efeitos de aposentação), passando o funcionário ou agente a inserir-se numa nova situação que só poderá ser a de desligado do serviço aguardando aposentação – ou, pelo menos, passando a verificar-se os efeitos de tal situação”.


E acrescenta, certeiramente, o mesmo Autor: “Esta última hipótese abre-nos caminho à conciliação do disposto no citado art.º 33.º, n.º 2, com o preceituado no n.º 2 do artigo 99.º. De harmonia com a letra deste último, a situação de desligação do serviço verifica-se a partir do momento em que é recebida, nos serviços, a que o funcionário ou agente pertence, a comunicação da resolução da Caixa nesse sentido; mas tal desligação do serviço produz efeitos retroactivos à data em que cessou a contagem do tempo de serviço para efeitos de aposentação”. (10)


Como lugares paralelos, no âmbito do ordenamento jurídico em que nos inserimos e com referência expressa a esta mesma questão, podem referir-se os artigos 146.º, n.º 1, e 152.º (cfr. notas 1. e 4. do Conselheiro Manuel Leal-Henriques) (11) do Estatuto Disciplinar dos Magistrados do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, e os artigos 90.º, n.º 1, e 106.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei n.º 21/85, de 30 de Julho).


Assim sendo, pelas razões acima expostas e ao abrigo do disposto no art.º 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,







 RECOMENDO a V. Exa. que a situação da queixosa seja solucionada rapidamente, sendo-lhe pagos os montantes devidos desde 31 de Dezembro de 2002 até à data em que o encargo com a pensão passou a ser assumido pela Caixa Geral de Aposentações (17 de Outubro de 2003), bem como os subsídios de férias e de Natal devidos pela cessação definitiva de funções, acrescidos dos respectivos juros pelo atraso verificado.


Queira V. Exa., em cumprimento do dever consagrado no artigo 38.º, n.º 2, do Estatuto aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, dignar-se informar sobre a sequência que o assunto venha a merecer.


O Provedor de Justiça,

H. Nascimento Rodrigues


 


 


 
 
Notas de rodapé:

(1) Como se diz na Informação sob crítica “(…) passando (…) imediatamente, ipso facto, à situação de aposentado, por força dos art°s 12°, n° 7 e 70.°, n° 1 do ED (que têm pleno cabimento na excepção prevista no art° 99°, n.° 3 do EA, já que são sem dúvida normas de carácter especial face às regras gerais do regime de aposentação) e do art° 73°, n° 2 do EA”.
| voltar atrás |

(2) Ver supra, nota 1.
| voltar atrás |


(3) Cfr. “Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público”, Coimbra, Ed. Almedina, 1988, Vol. II, pag. 1067, rubrica “Requisitos”.
| voltar atrás |


(4) Cfr. “Manual de Direito Administrativo”, Coimbra, Ed. Almedina, 1983, 9.ª edição, 2.ª reimpressão pag. 821/2 (revisão e actualização do Prof. Diogo Freitas do Amaral).
| voltar atrás |


(5) Cfr., igualmente, “Estatuto da Aposentação”, anotado pelo Conselheiro (STA) José Cândido de Pinho, Coimbra, Almedina, 2003, pag. 154 (art.º 42.º, nota 3).
| voltar atrás |


(6) Vide João Alfaia, ob. e lugar citados.
| voltar atrás |


(7) “Apreciar e decidir sobre o direito do funcionário” é um acto da exclusiva competência da Caixa e não da entidade que aplica a pena, que apenas deve informar-se sobre a existência do tempo de serviço necessário para esse efeito, sendo a competência atribuída por lei, de interesse e ordem pública, como é sabido. Assim, bastaria esta circunstância para obstaculizar a tese, já inaceitável a outros títulos, ut supra, da constituição imediata da situação de aposentado, para o punido.
| voltar atrás |


(8) Formulação que não é redundante, em razão do que se disse na nota anterior e pela necessidade de, a partir da aplicação da pena, dever ser organizado um processo de aposentação no âmbito da Caixa, em moldes normais, a partir de comunicação do serviço.
| voltar atrás |


(9) Sublinhado no texto original.
| voltar atrás |


(10) Ob. e Autor citados, pag. 1049.
| voltar atrás |


(11) Cfr. “Procedimento Disciplinar”, diplomas anotados, Lisboa, Ed. Rei dos Livros, 1997, 3.ª ed., pags. 451, 457, 462-63, 522 e 548, para além das referências a outros estatutos disciplinares.
| voltar atrás |