RECOMENDAÇÃO N.º 8/B/2003
(Artigo 20º, nº 1, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)
Entidade visada: Ministra de Estado e das Finanças
Procº: R-155/03 (A4)
Data: 2003/11/29
Área: A4
Assunto: Dever de resposta; concurso; falta por doença.
1. O presente processo foi aberto na Extensão dos Açores da Provedoria de Justiça, no interesse da Senhora D. XXXX, funcionária n.º 11.473 do quadro de pessoal da DGCI com a categoria de TATA, que desempenha funções no Serviço de Finanças do Concelho de Angra do Heroísmo.
2. Sintetizando, dir-se-á que, em virtude de doença suficientemente comprovada, a interessada não pôde comparecer no dia da prova do concurso interno de acesso para a categoria de TAT, aberto pelo aviso publicado no Diário da República n.º 149, II série, de 30/06/2000. Concretizando o motivo da não comparência, importará notar que o próprio Chefe do respectivo Serviço de Finanças do concelho de Angra do Heroísmo comunicou superiormente, logo no dia 09/10/2002, a impossibilidade da interessada estar presente no dia designado para a realização da prova, invocando (e comprovando) internamento médico. Aliás a intervenção preocupada, colaborante e pessoalmente empenhada do Senhor Dr. Mário de Jesus Rebelo, Chefe do Serviço de Finanças de Angra do Heroísmo, não pode deixar de me merecer um louvor muito particular, na medida em que revelou um adequado entendimento das funções de serviço público que devem nortear a actuação da Administração Pública, não só junto dos administrados mas, e essencialmente, perante os próprios funcionários.
3. Este conjunto de razões, motivou a Senhora D. XXXX a solicitar, em 28/11/2002, que o Senhor Director-Geral dos Impostos designasse data para realização de uma segunda chamada. Conforme resulta da resposta prestada a este órgão do Estado, a coberto do ofício n.º 830 de 11/02/2003, da DGCI (vide cópia em anexo), o Júri do Concurso indeferiu a pretensão da interessada alegando, em suma, os fundamentos constantes da cópia da informação n.º 166/DRSP/2.0/99, da DGAP, que vinha remetida em anexo.
4. Devo destacar que o conteúdo desta última informação não me era de todo desconhecido, uma vez que creio que ele foi especialmente motivado pela Recomendação n.º 3-B/1997 que, em 21/01/97, o Provedor de Justiça dirigiu ao Senhor Ministro-Adjunto. Lembro que, já naquela ocasião, entendia este órgão do Estado haver justificação para a tomada das medidas legislativas adequadas para assegurar que – à semelhança do que acontecia no âmbito do direito privado – o gozo de licença de maternidade, paternidade ou adopção deveria determinar o adiamento da prestação de provas para a progressão na carreira profissional, até que tivesse cessado o gozo da licença. Como é bom de ver, a situação então tratada não pode deixar de encontrar algum paralelismo com o caso agora em apreciação, uma vez que, então como agora, pondera-se a conveniência da realização de uma (nova) prova que permita ultrapassar um determinado impedimento que é justificado e que está plenamente comprovado.
5. Não esqueço, porém, que, pese embora o facto da Provedoria de Justiça manter a constatação, já feita em 1997, da existência de uma omissão legal que não impõe a marcação de segundas chamadas naquelas situações, a Recomendação que então foi formulada nunca chegou a ser acatada. Em suma, a Administração continua a invocar, por um lado, a inexistência de disposição legal que autoriza a pretendida marcação e, por outro, o próprio entendimento da DGAP, tomado no seguimento da Recomendação n.º 3-B/97.
6. Visto tudo, não pode deixar de concluir-se que a Administração tomou, e mantém, uma opção política no sentido de não permitir, mesmo nos casos de faltas justificadas, a realização de segundas provas e, mesmo não sendo difícil compreender a razão desta medida, também não pode evitar-se uma referência à susceptibilidade de uma tal solução poder configurar, na prática, uma outra violação. De facto, estou em crer que a não autorização da realização de segundas provas visa assegurar uma mais ampla igualdade entre todos os opositores aos concurso, designadamente quanto ao tempo de preparação para as provas e no domínio do prévio conhecimento dos modelos ou temas dos exames.
7. Contudo, não pode evitar concluir-se que esta busca de uma solução mais justa pode ferir, de forma talvez mais grave que a anterior, a igualdade de tratamento de todos os concorrentes, nomeadamente por impor um tratamento igualitário (i.e., nunca permitindo a marcação de segundas chamadas) mesmo de situações absolutamente distintas. Com efeito, o procedimento seguido não distingue, por nenhuma forma, as ausências por falta de preparação técnica das faltas por doença nem, tão pouco, as faltas de comparência por mera opção pessoal daquelas determinadas por causas inultrapassáveis de força maior.
8. Com fundamento na igual dignidade da pessoa humana e na igual dignidade social de todos os cidadãos, e imbuído de um forte sentido de Justiça, o princípio da igualdade exige o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais. Ora, situações como as do caso em apreço, em que um candidato admitido a concurso falta a uma prova por motivo de internamento hospitalar comprovado, não podem, à luz do principio da igualdade de oportunidades e condições dos candidatos, ser tratadas da mesma forma que situações em que o candidato falta por opção própria.
9. De realçar, que nada na lei ou nos princípios que regem o procedimento administrativo concursal veda ao júri do concurso – no uso do seu poder soberano – de, na sequência de uma concedida justificação de falta a um método de selecção, designar ou marcar uma segunda chamada para o candidato faltoso, antes pelo contrário, essa atitude poderá justamente, e face ao condicionalismo concreto, revelar-se como meio indispensável para assegurar o princípio da igualdade de condições e oportunidades para todos os candidatos, que deve presidir sempre a tais operações (Acórdão STA de 30 de Novembro de 1993). Já em 1988, o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 29 de Setembro, havia considerado que não constitui violação do principio da igualdade de condições e oportunidades a prestação de provas por um candidato, sobre um ponto diferente daquele a que foram submetidos outros candidatos no dia anterior, com excepção daquele, por não ter comparecido.
Com efeito, desigualdade só haveria, a seu favor, se fosse admitido a prestar provas sobre ponto de cujo conteúdo poderia ter já conhecimento.
10. Estou certo que ninguém desconhece as vicissitudes próprias dos procedimentos concursais e, em especial, as questões suscitadas pelas sucessivas delongas causadas, também, pelo prolongamento das datas dos exames; mas estou em crer, também, que Vossa Excelência reconhecerá que o Estado de Direito democrático não se realiza somente através da invocação do superior interesse público contra as legítimas expectativas dos funcionários públicos.
11. É consabido – e a presente instrução comprovou-o inequivocamente – que os órgãos da Administração Pública ponderaram os diferente interesses em presença e decidiram, ainda assim, não alterar o entendimento que tem vindo a ser seguido. Contudo, mesmo em face desta constatação, julgo caber ao Provedor de Justiça a reiteração do conteúdo da Recomendação n.º 3-B/1997 (vide cópia em anexo), agora com a força acrescida extraída do caso em apreço e perante Vossa Excelência, Senhora Ministra das Finanças.
12. Com efeito, não pode o Provedor de Justiça aceitar pacificamente uma solução que – pretendendo ser isenta e imparcial – é potencialmente geradora de novas injustiças – com a agravante de resultarem, tantas vezes, de outras situações de penosidade acrescida, como são as doenças que motivam internamento hospitalar.
13. Constitui uma solução desequilibrada e injusta a impossibilidade de poder ser designada nova data para a realização de provas, mesmo quando esteja clara e inequivocamente demonstrado que a falta ao exame foi devida a internamento hospitalar plenamente comprovado.
14. Face ao exposto,
Recomendo a Vossa Excelência que, à luz do princípio da igualdade de oportunidades e condições para todos os candidatos, adopte medidas legislativas adequadas para assegurar que as situações de internamento hospitalar, plenamente comprovadas, determinem o adiamento da prestação de provas para a progressão na carreira profissional. |
15. Queira Vossa Excelência em cumprimento do dever consignado no n.º 2 do artigo 38.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, dignar-se informar sobre a sequência que o assunto vier a merecer.
O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues