RECOMENDAÇÃO N.º 12/A/2003
NOTA
Entidade visada: Presidente da Câmara Municipal de Loures
Procºs: R-1682/99; R-2297/99
Data: 29.09.2003
Área: A1
Assunto: Urbanismo; Operações de urbanização e de edificação; Legalização; Taxas; Agravamento; Impostos; Reserva de Lei; Contra-ordenações.
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NOTA
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1. Com fundamentos e conclusões muito próximos, o Provedor de Justiça recomendou também às Câmaras Municipais de Alenquer, de Cascais, de Gondomar, de Silves e de Vila Franca de Xira que propusessem às Assembleias Municipais a revisão dos regulamentos de taxas, de modo a abolir toda e qualquer distinção entre o licenciamento de obras por executar e a legalização de obras clandestinas.
2. Em qualquer um destes casos, o Provedor de Justiça chama a atenção para a natureza jurídica das taxas. As taxas não devem, nem podem, prestar-se a finalidades sancionatórias ou compulsórias, ao contrário do que é próprio das coimas e de outras sanções próprias do direito de mera ordenação social.
3. Ao desconsiderarem a natureza das taxas, os municípios estão não apenas a actuar com desvio de poder, como também a criar impostos em sentido próprio, invadindo a reserva de lei e a reserva de competência parlamentar.
4. A execução de obras ou de quaisquer outras operações urbanísticas sem licença municipal deve, pois, ser sancionada com o pagamento de coima e não com o agravamento das taxas, como parece constituir prática em muitos municípios.
5. Os fundamentos expostos em cada uma das recomendações apresentam diferenças, uma vez que cada uma das Câmaras Municipais, quando instada a pronunciar-se acerca da legalidade do agravamento de taxas, apoiou-se em argumentos distintos.
6. Assim, a Câmara Municipal de Alenquer defendeu não se tratar de um agravamento, mas sim, de duas taxas diferentes. Contrapôs o provedor de Justiça não se encontrar na Lei das Finanças Locais (Lei nº42/98, de 6 de Agosto) fundamento bastante para a criação da segunda taxa, pois, no art. 19º, alínea b), refere-se indistintamente «a concessão de licenças de loteamento, de licenças de obras de urbanização, de execução de obras particulares, de ocupação da via pública por motivo de obras e de utilização de edifícios…».
7. Já por seu turno, a Câmara Municipal de Cascais invocou a jurisprudência do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais. Opôs que este Tribunal tem absolvido alguns arguidos a quem fora aplicada coima por execução clandestina de operações urbanísticas, considerando que já anteriormente tinham liquidado taxas agravadas. O Provedor de Justiça refutou este entendimento como motivo adequado para manter o agravamento das taxas. Com efeito, ele constitui precisamente um apoio para a posição sustentada pelo Provedor de Justiça: não deverá cumular-se o pagamento de taxa com o pagamento de coima, sob pena de se sancionar por duas vezes a mesma conduta, o que infringe o princípio ne bis in idem. Razão, pois, para aplicar a coima e não o agravamento da taxa.
8. Afirma a Câmara Municipal que a infracção contra-ordenacional, porque prescreve, ao invés do que sucede com o ónus de pagar a taxa, para além de exigir um procedimento contraditório, é subestimada pelos serviços. Pelo contrário, o produto da taxa constitui uma receita certa e de mais fácil arrecadação.
9. Considera o provedor de Justiça que esta ordem de motivações – de conveniência dos serviços – não pode sobrepor-se nem ao princípio da legalidade, nem às garantias de defesa do cidadão, tanto quanto encerram valores cimeiros da ordem constitucional. No entanto, até razões de oportunidade para o interesse público desaconselham o agravamento das taxas sobre obras clandestinas. Com efeito, os serviços de fiscalização, contando com a imprescritibilidade do ónus de pagar a taxa agravada e com a linearidade dos meios para obter tais receitas, podem descurar os seus deveres de pronta intervenção sancionatória e de reposição da legalidade, relegados para um ulterior momento: quando um dia o interessado for confrontado com a necessidade de requerer a legalização de uma obra já executada, seja para poder realizar actos notariais de transmissão do imóvel, seja para evitar a demolição por ordem administrativa.
10. Por seu turno, a Câmara Municipal de Silves, quando ouvida antes da formulação da recomendação, retorquiu dizendo que o agravamento destas taxas se encontraria habilitado pelo Decreto-lei nº55/73, de 24 de Fevereiro, diploma que alterara a tabela B anexa ao Código Administrativo, na versão revista pelo Decreto-lei nº49.438, de 11 de Dezembro de 1969.
11. Na recomendação que dirige à Senhora Presidente da Câmara Municipal de Silves, o Provedor de Justiça observa que o diploma citado foi revogado pela primeira Lei das Finanças Locais (art. 27º, alínea c), da Lei nº1/79, de 2 de Janeiro). Não que tivesse expressamente revogado o Decreto-lei nº55/73, mas por ter revogado o diploma que este se limitara a modificar. Revogado um acto normativo, caducam, por consequência, todas normas que lhe haviam introduzido modificações, supressões ou aditamentos.
12. Por fim, a Câmara Municipal de Gondomar louvar-se-ia na autonomia financeira dos municípios, reforçada pela contracção da tutela administrativa à verificação do cumprimento da lei.
13. Considerou o Provedor de Justiça que a autonomia financeira não é posta em causa. Contudo, há-de reconhecer-se que é a autonomia municipal a dever mover-se no quadro da legalidade e não a legalidade a conter-se à autonomia administrativa e financeira dos municípios. Neste sentido, as assembleias municipais apenas podem lançar taxas cujo facto constitutivo se encontre previsto na lei, não podendo criar novas taxas nem introduzir agravamentos com base em distinções não contempladas pelo legislador.
14. É certo que a tutela administrativa se cinge ao controlo da legalidade dos actos e omissões dos órgãos autárquicos, mas não menos certo é que são razões de legalidade que determinantemente levam o Provedor de Justiça a adoptar este procedimento. Isto, para além de a fiscalização exercida pelo provedor de Justiça não constituir qualquer modo de tutela.
15. Já nas recomendações formuladas às Câmaras Municipais de Loures e Vila Franca de Xira não houve necessidade de apresentar motivações diferenciadas.