RECOMENDAÇÃO N.º 14/A/2002
[Art. 20º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]
Entidade visada: Presidente do Conselho Executivo Escola Básica 2/3 de Castro Daire
Nossa Ref.ª – Proc.º: R–2954/01
Data: 2002/12/30
Assunto: Docente. Presunção de doença. Falta injustificada.
1. A docente XXX dirigiu-me uma reclamação relativa à decisão de V. EX.ª de não aceitar a justificação da ausência aos dois primeiros tempos lectivos da manhã do dia 12 de Fevereiro de 2001, ao abrigo do artigo 102.º do Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, exigindo-lhe novo atestado médico para esse efeito.
2. Das posições sustentadas pela Reclamante e por V. Ex.ª, considero assente, em síntese, a seguinte matéria de facto:
a) a Reclamante faltou nos dias 8 e 9 de Fevereiro de 2001, por se encontrar doente, tendo informado que apresentaria atestado médico para a justificação dessas faltas; b) no dia 12 de Fevereiro de 2001, pelas 10.30, apresentou-se ao serviço e entregou o atestado médico comprovativo da doença, no qual se indicavam aqueles dois dias (8 e 9 de Fevereiro) como duração previsível da mesma; c) nesse dia 12 de Fevereiro, a Reclamante tinha aulas às 8.30 e às 9.30, às quais faltou; d) para a justificação da falta a esses dois primeiros tempos lectivos, invocou o artigo 102.º do Estatuto da Carreira Docente, pretendendo que os mesmos fossem considerados por conta do período de férias; e) esta justificação, porém, não foi aceite por V. Ex.ª que, alegando que a situação de doença só termina quando é preenchido nos Serviços Administrativos o boletim de retorno ao serviço e presumindo, por isso, que a doença da Reclamante se prolongara até ao momento em que a mesma o fez, exigiu novo atestado médico para justificar as faltas relativas aos dias 10, 11 e aos dois primeiros tempos lectivos do dia 12. |
3. Em causa está, essencialmente, a questão de saber se a falta dada pela Reclamante aos dois primeiros tempos lectivos do dia 12 de Fevereiro de 2001 deve ser qualificada como falta por doença e, em consequência, se para a sua justificação deve ser apresentado novo atestado médico.
Entende V. Ex.ª que, pelo facto de a Reclamante ter faltado por doença nos dias 8 e 9 de Fevereiro (quinta e sexta-feira) e de só ter regressado ao serviço no 3.º tempo lectivo da segunda-feira seguinte, deve presumir-se que até este momento a mesma se encontrava em situação de doença.
Todavia, afigura-se evidente que, no caso, não pode estabelecer-se tal presunção, que é afastada, em absoluto, pela evidência dos factos. Com efeito, tendo já decorrido o período indicado no atestado médico entregue pela Reclamante como o da duração provável da doença e tendo esta afirmado categoricamente que naquele dia já não se encontrava doente, não pode, naturalmente, entender-se que a situação de doença se prolongou. E, deste modo, não pode exigir-se novo atestado médico para a justificação da falta em causa.
Sendo certo que a duração da doença mencionada em qualquer atestado médico é apenas uma duração previsível e que o regresso do funcionário pode verificar-se antes ou depois do período ali indicado, é também certo que nem todas as situações de ausência que se verifiquem para além desse período e que a ele se sigam imediatamente são sempre motivadas pelo prolongamento da doença. E, como não poderia deixar de ser, só para aquelas em que a doença se mantém efectivamente é que o legislador estatui que deve ser entregue novo atestado para a respectiva justificação. É clara a redacção da previsão do n.º 5 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março, ao referir “se a situação de doença se mantiver para além do período previsto pelo médico”.
Ora, não foi este o caso da Reclamante, que, embora tenha continuado a faltar nos dois primeiros tempos lectivos do dia 12, não faltou por doença. E, por isso, o mesmo não é subsumível na previsão do referido preceito, cuja estatuição não cabe aplicar.
Alega V. Ex.ª que, se assim não se entendesse, estar-se-ia a permitir ao funcionário a escolha entre dois motivos de faltas, consoante fosse sua vontade, em função dos benefícios que daí pudesse retirar, o que não se afigura legítimo.
Devo, porém, sublinhar que não é isso que acontece neste caso, pois aqui, em rigor, não coexistiram dois motivos para a falta de comparência da funcionária, que a levassem a fazer uma opção dessa natureza. O que na realidade se verificou foi uma sequência de dois motivos.
Devo também referir que concordo inteiramente com V. Ex.ª quando afirma que a situação de um funcionário que está a faltar ao serviço por motivo de doença, justificada por atestado médico, termina, naturalmente, quando ele se apresenta e retoma funções.
E, não fora terem ocorrido motivos de natureza diversa que a impediram, assim teria feito a professora em questão, que, por já não estar doente, se teria apresentado na Escola ao primeiro tempo do dia 12 de Fevereiro (como, aliás, o teria podido fazer antes, logo nos dias 10 ou 11 em que também já não estava doente, se estes mesmos dias não tivessem coincidido com um sábado e um domingo).
O que aconteceu é que sobreveio diferente motivo que deu causa a nova falta. E, nestas condições, para que a professora fizesse cessar a situação de falta por doença deveria considerar-se bastante a comunicação por ela feita no próprio dia 12. Exigir que ela se apresentasse, para de imediato comunicar que iria faltar aos dois primeiros tempos por conta do período de férias, ao abrigo do artigo 102.º do Estatuto da Carreira Docente, afigura-se notoriamente excessivo, até porque, neste tipo de faltas, em que se exige a prévia participação, o legislador admite que esta tenha lugar no próprio dia e seja feita oralmente (v. n.º 1 do artigo 67.º do citado Decreto-Lei n.º 100/99).
É claro que sempre se poderá afirmar que então se impunha essa participação, o que a professora não fez. Mas, dado que se tratava apenas da falta aos dois primeiros tempos, poderá igualmente afirmar-se que é razoável que só o tenha feito ao terceiro tempo.
Insisto, pois, que o que é decisivo é que, perante a declaração do médico, que aponta dois dias como a duração previsível da doença, a afirmação da própria de que ao fim desses dois dias deixou de estar doente e a evidência deste facto às 10.30 da manhã do dia 12, não pode haver lugar à presunção de que a situação de doença se manteve pelos dias 10 e 11 e no dia 12, apenas até esta hora.
Não tendo estado realmente doente jamais deveria a professora servir-se de atestado médico como meio de justificação de faltas. Entender de modo diverso e exigir-lhe a apresentação de novo atestado médico implicaria a emissão de falsas declarações, o que, obviamente, é indefensável, por constituir a prática de um crime (v. alínea b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 100/99 referido).
4. Nestes termos e ao abrigo do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, tenho por bem formular a V. Ex.ª Recomendação no sentido de:
ser revogado o despacho que exige a apresentação de novo atestado médico para a justificação da falta aos dois primeiros tempos lectivos do dia 12 de Fevereiro de 2001, exarado sobre o boletim justificativo de faltas que foi preenchido pela Reclamante nessa data. |
5. De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 38.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, queira V. Ex.ª comunicar-me o teor da decisão tomada sobre a Recomendação ora formulada.
O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues