RECOMENDAÇÃO N.º 13/A/2007
[artigo 20º, nº1, alínea a), da Lei nº9/91, de 9 de Abril]



Entidade visada: Presidente da Câmara Municipal de Gondomar
Proc.º: R-2134/04 (A1)
Área: A1
Data: 17-12-2007


Assunto: urbanismo – edificação – armazéns industriais – área predominantemente residencial – cércea – afastamentos



I
Exposição de motivos


1. Analisei queixa contra o licenciamento pela Câmara Municipal de Gondomar da construção de armazéns industriais sitos à Rua do …, freguesia de Rio Tinto (alvará n.º 308/02) opondo-se que o acto infringiria o disposto no artigo17.º, n.º 3, e no artigo 18.º, n.º 1, do Regulamento do Plano Director Municipal de Gondomar (ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 48/95, de 18 de Maio).


2. Das informações prestadas pela Câmara Municipal de Gondomar e dos demais elementos coligidos na instrução organizado sobre a reclamação, dou por verificados os factos seguintes:



a) a construção reclamada tem por objecto o prédio sito na Rua do …, da Freguesia de Rio Tinto, inscrito com o n.º … da Conservatória do Registo Predial de Gondomar e descrito sob o artigo. 13815 da respectiva matriz predial urbana;


b) em 14.08.1963, antes de instituída entre nós a operação de loteamento, fora aprovada pela Câmara Municipal de Gondomar uma operação de divisão (“talhonamento”) da área em que se integra esta propriedade (proc. n.º 1933/63);


c) desta operação resultou a constituição de 21 lotes: 18 para construção e três (n.º 19, n.º 20,e n.º 21) sem destino definido;


d) em 8.03.1973, foi aprovado um “aditamento ao plano de loteamento aprovado em 14.08.1963“, em cujos termos foram introduzidas modificações ao designado lote n.º19 (que passou, ele próprio, a compreender três lotes para edificação: 19a, 19b e 19c) e, do mesmo passo, reparcelaram-se os lotes n.º 20 e n.º 21, dando origem a três novas parcelas, denominadas A, B, e C);


e) o imóvel em questão resultou desta última operação, correspondendo à parcela B;


f) encontra-se a tardoz dos lotes para edificação e, não confrontando directamente com a Rua do …, dispõe de uma via de acesso para esse arruamento;


g) a área encontra-se classificada, pelo PDM, como área predominantemente residencial, disciplinada na Secção II (artigos 15º a 22º) do Regulamento.


h) foi requerido o licenciamento municipal para construção de dois armazéns industriais, dando lugar ao processo n.º …/02;


i) o pedido foi inicialmente indeferido, por despacho do Senhor Vereador Jorge Costa, em 4.08.2002, com fundamento na violação dos artigos 17º, n.º 3, e 18º, n.º 1, alínea e), do Regulamento do PDM;


j) posteriormente, a Câmara Municipal viria a rever a sua posição, com base no parecer n.º 133/02, de 3.05.2002, segundo o qual, o disposto no artigo 17º do PDM, afinal, não se aplicaria à zona em questão, mas apenas o artigo 18º, embora, de todo o modo, a disposição da sua alínea e) do n.º 1, não fosse aplicável aos armazéns;


k) em 11.06.2002, foi deferida a licença de construção, titulada pelo alvará n.º …/02, emitido em 11.11.2002;


l) a construção licenciada apresenta as seguintes características:



i) dispõe de dois corpos contíguos, usados como armazéns industriais:


3. Corpo A, a poente (1);


4. Corpo B, a nascente;



i. a área total da construção é de cerca de 960 m² (550 m² do corpo A + 405 m² do corpo B);


ii. a entrada comum do lote situa-se a norte, processando-se através de um acesso privado à Rua do Sistelo, com a largura de sete metros;


iii. no projecto de arquitectura, os portões dos armazéns, assim como os vãos (com excepção de uma porta no corpo A) encontram-se, porém, voltados a nascente; na construção realizada, os portões parecem ter sido instalados na fachada Norte de ambos os corpos;


iv. em 2005, (planta de Julho de 2005) foi aditada uma parcela de terreno, a sul/poente, alterando-se a área e configuração do lote;


v. a cércea dos armazéns, medida em planta (e em conformidade com o estipulado no artigo 6º, n.º 3, do regulamento do PDM), é de 6,20 metros (os reclamantes alegam que chega aos oito metros), não tendo sido realizado um levantamento altimétrico pela Câmara Municipal;


vi. os afastamentos às estremas variam entre os seguintes valores:























 

norte


sul


nascente


poente


corpo A


6,6 m


4,8 –10 m


22 –30 m


0


corpo B


5 – 12 m


6,4 – 9,1 m


6 – 15 m


20 m






b) as construções foram, entretanto, executadas e embargadas;
c) não foi deferida licença de utilização.



II
Apreciação
 


5. Analisada a situação exposta, verifica-se que a licença de construção é desconforme com as seguintes disposições do Plano Director Municipal:



a) com o artigo 17º, n.º 3, por criar uma situação de interioridade – a frente do lote mostra-se inferior à frente da edificação – o que é expressamente interdito;


b) com o artigo 18º, n.º 1, alínea c), por violação da cércea máxima de seis metros;


c) com o artigo 18º, n.º 1, alínea e), por não ser respeitado o afastamento posterior mínimo de dez metros ao limite do lote.


6. O acto que deferiu a licença de construção é, por conseguinte, nulo, de acordo com o disposto no artigo 68º, alínea a), do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação.


7. Cumpre à Câmara Municipal de Gondomar declarar a sua nulidade, nos termos do art. 134º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, e, consequentemente, determinar a cassação do alvará n.º 308/02, nos termos do disposto no artigo 79º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, além da participação à conservatória do registo predial;


8. Atenta a desconformidade da construção com as citadas disposições do Plano Director Municipal – que, nessa medida, obstam à legalização – parece não restar à Câmara Municipal outra alternativa, em ordem à reposição da legalidade, que não seja a de determinar ordenar a demolição parcial dos armazéns, nos termos do art. 106º, n.º 1, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, a menos que, por razões técnicas haja de ser ordenada a demolição total.


9. Por ofício de 6.07.2006 (2), confrontei V. Ex.a com as conclusões alcançadas a respeito da desconformidade da licença com o Plano Director Municipal, procurando, desse modo, suscitar a ponderação das questões controvertidas.


10. A resposta apenas sobreviria, após inúmeras insistências, com o ofício (3), que me foi dirigido da Senhora Chefe do Gabinete de V. Ex.a., de 27.12.2006.


11. Com o citado ofício, foi-nos remetida uma informação técnico-jurídica, em cujo teor se replica, em síntese, que:



a) a norma do artigo 17º não é de aplicar à edificação de estabelecimentos industriais, mas apenas a do artigo 18º, norma excepcional, que regularia, exclusivamente, a edificação de instalações e armazéns industriais;


b) nem o artigo 17º, n.º 3, nem o artigo 18º, n.º 1, se aplicam ao imóvel, porquanto:



i. as suas previsões empregam a expressão “lote”, pretendendo, assim, regular apenas as fracções resultantes de operações de loteamento;


ii. o prédio, não sendo um “lote”, em sentido próprio, apenas poderia qualificar-se como “parcela”;


12. Não me parece que estas razões sejam de acolher.


13. Quanto ao afastamento do artigo 17º, com base no entendimento segundo o qual o 18º do Regulamento do PDM constituiria uma norma excepcional, dir-se-á que, por um lado, as zonas classificadas como área predominantemente habitacional encontram-se reguladas no Capítulo III, Secção II, do Regulamento do PDM.


14. Por outro lado, há uma norma do mesmo regulamento (artigo 15.º) que expressamente submete as instalações e armazéns industriais – em área predominantemente habitacional – às condições de edificabilidade exigidas para o local, requisito a que acresce ainda o da compatibilidade com a actividade residencial (artigo 16º).


15. Por outro lado, ainda, na falta de disposição que, expressa e inequivocamente, exclua as instalações e armazéns industriais, a edificabilidade de tais instalações é regulada pela generalidade das disposições desta secção do Regulamento do PDM.


16. Depois, há-de observar-se que no artigo 18º estabelecem-se particularidades para a edificação de estabelecimentos e armazéns industriais, adaptando assim, a esta realidade específica, o regime geral de edificabilidade da secção em que se integra.


17. Mas a regulação do artigo 18º, porque complementar, não estabelece contradição alguma com os princípios do regime geral da área predominantemente habitacional, antes, pelo contrário afirma e concretiza a necessidade de integrar e compatibilizar estabelecimentos industriais com o uso dominante (residencial).


18. Assim, a norma do artigo 18º é especial mas não excepcional.


19. Umas e outras normas estabelecem uma regulação diferente da contida na norma geral. Porém, apenas as normas excepcionais são incompatíveis com as normas gerais que derrogam. As especiais, por seu turno, embora desconformes, são compatíveis, pois limitam-se a aditar particularidades.


20. Como afirma Oliveira Ascensão (4):



Uma regra diz-se especial em relação a outra quando, sem contrariar substancialmente o princípio nela contido, a adaptar a circunstâncias particulares.» Referindo-se às normas excepcionais, refere o mesmo autor «Não basta pois a mera contradição de outra regra; é necessário ainda que se vá contra «os princípios gerais informadores de qualquer sector do sistema jurídico (5).  

21. Em segundo lugar, no que respeita ao argumento, segundo o qual, estas normas só poderiam aplicar-se a lotes, estou em crer que também não procede. Desde logo, as expressões são usadas, geralmente, como sinónimos.


22. A distinção entre lote e parcela só poderia ser relevante se o texto do Regulamento deixasse antever que fora intenção do autor ressalvar a generalidade dos solos, porque não compreendidos em operações de loteamento.


23. Parcela significa pequena parte (6). Um lote é, apenas, uma parcela (prédio autónomo) resultante de uma operação de loteamento (7), qualquer que seja o regime edificatório estabelecido para essa parcela.


24. Não há na lei, nem consta do regulamento do PDM, nenhum conceito de lote (unidade predial resultante de operação de loteamento) ou de parcela, muito menos no sentido de restringir a aplicação das citadas disposições a lotes em sentido técnico.


25. Pelo contrário, uma operação de loteamento pode resultar do parcelamento, emparcelamento ou do reparcelamento de um ou vários prédios (artigo 2º, alínea i), do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação.


26. Exceptuando as disposições especiais que pressuponham um loteamento, os condicionamentos legais e regulamentares de urbanismo e edificação são aplicáveis a todas as unidades prediais quer resultem ou não do licenciamento de uma operação de loteamento.


27. De resto, para o fim das normas em questão – impedir situações de interioridade, no art. 17º, n.º 3, e impor o afastamento das instalações industriais, no art. 18º, n.º 1, alínea e) – a circunstância de se tratar de um lote e não de mera parcela parece indiferente.


28. Nada, na lógica, na sistemática ou nos fins destas normas impõe ou pressupõe a existência de um loteamento e, muito menos, a dispensa de aplicação dos condicionamentos relativos à integração dos estabelecimentos e armazéns industriais situados em área predominantemente habitacional, pela simples circunstância de a propriedade em que se situam resultar, ou não, de uma operação de loteamento.


29. Ao invés, é justamente nos casos em que as edificações não possuem um enquadramento urbanístico mínimo, por não existir sequer uma operação de loteamento, que se tornam mais relevantes e necessários os condicionamentos urbanísticos em questão.


30. Mas, se dúvidas restassem, o terreno resultou, em todo o caso, de uma operação de loteamento.


31. O denominado talhonamento, aprovado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 46.673, de 29 de Novembro de 1965, constitui, em termos substanciais, uma verdadeira operação de loteamento – a divisão de um terreno em lotes para edificação tendo, aliás, sido objecto de aprovação municipal.


32. E o artigo 18º deste mesmo diploma veio, precisamente, dispor a aplicação imediata das suas disposições aos loteamentos anteriores à publicação deste decreto-lei onde não se tivesse iniciado ainda a edificação.


33. Por outras palavras, as operações substancialmente análogas às operações de loteamento, anteriores à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 46.673, recebem a mesma qualificação jurídica, de onde resulta que os antigos talhões devem, desde então, ser designados, justamente, lotes.


34. Mas, mais ainda. O terreno em questão resultou de uma segunda divisão jurídica, precisamente, por força de um loteamento, na modalidade de alteração (aditamento), de 8.03.1973. É nesse momento que surge a denominada parcela B, resultante do reparcelamento das antigas parcelas 20 e 21.


35. Parece bastante elucidativa, aliás, a designação Aditamento ao Plano de Loteamento, constante da planta que serviu de base ao acto municipal praticado em 8.03.1973.


36. Em termos substanciais – e ainda que a distinção entre lote e parcela se mostre irrelevante, para efeitos de aplicação das normas do Regulamento do PDM em questão – a parcela em questão configura rigorosamente um lote, na medida em que a sua constituição resultou directamente de uma operação de loteamento. 



IV
Conclusão


Em face do exposto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, entendo Recomendar à Câmara Municipal presidida por V.Ex.a. que:







 a) declare, precedendo audiência prévia, a nulidade do acto de licenciamento da obra de construção de dois armazéns industriais na Rua do …, em Rio Tinto, por infringir duas disposições imperativas do regulamento do PDM;


b) determine a cassação do alvará, participando o facto à conservatória do registo predial;


c) intime o proprietário, precedendo também audiência prévia, para demolir parcialmente as edificações, de modo a respeitar a cércea e os afastamentos pertinentes, considerando não se mostrar possível, de outro modo, vir a ser deferida nova licença (por legalização).


Queira V. Ex.a. considerar o disposto no artigo 38.º, n.º 2, da citada Lei n.º 9/91, transmitindo-me a posição adoptada no termo de 60 dias.


 


O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues


 


 


 


 





Notas de rodapé:


(1) Considera-se como norte a fachada paralela à Rua do Sistelo.


(2) Of.º 11.370


(3) Of.º DHU/7491


(4) O Direito, Introdução e Teoria Geral, 9ª Ed., Coimbra, 1995, p. 554.


(5) Idem, p. 445. cfr. Savigny, Traité, §XVI, citado pelo autor a este respeito.


(6) Cfr. Dicionário Pratico Ilustrado, Lello, 1996, p. 874.


(7) Cfr., Sidónio Pardal e outros Normas Urbanísticas, Volume III – Loteamentos Urbanos, Direcção-Geral do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Urbano/Universidade Técnica de Lisboa, 1993, p. 90, in fine.


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