RECOMENDAÇÃO N.º 1/A/2008
[artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]
Entidades visadas: Secretário de Estado da Educação e Secretário de Estado da Segurança Social
Proc.ºs: R-805/07 (UP); R-3193/07; R-3194/07; R-3195/07; R-3784/07
Data: 01-02-2008
Área: UP
Assunto: Subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial.
I.
INTRODUÇÃO
Diversas questões relacionadas com o subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial têm sido suscitadas, ao longo dos anos, perante o Provedor de Justiça, e este órgão do Estado não se tem furtado a intervir, designadamente quanto às matérias da morosidade na apreciação dos pedidos, da deficiente fundamentação dos indeferimentos, dos erros de tratamento e dos atrasos nos pagamentos (1).
Se, por vezes, as dificuldades apontadas são pontuais, estão localizadas em determinado centro distrital de segurança social ou referem-se a estrangulamentos ocasionais em alguma direcção regional de educação, o certo é que o contínuo recebimento de queixas sobre o mesmo assunto evidencia a necessidade de serem procuradas as causas mais remotas dos problemas reclamados.
É neste contexto que a presente Recomendação se refere a dois aspectos distintos do regime jurídico da prestação por frequência de estabelecimento de educação especial (a saber: os problemas da comprovação da deficiência por declaração de médico especialista e da demora na emissão da declaração dos estabelecimentos de ensino) que devem ser superados, em benefício dos interessados mas, também, do interesse público.
Começo por situar os problemas com referência ao regime legal aplicável.
II.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
§A
O subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial
O subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial (2) é uma prestação mensal que se destina a compensar os encargos directamente resultantes da aplicação a crianças e jovens portadores de deficiência, com idade inferior a 24 anos, de medidas específicas de educação especial que impliquem a frequência de estabelecimentos particulares com fins lucrativos ou cooperativos, ou o apoio educativo específico por entidade especializada fora do estabelecimento, igualmente com fins lucrativos (artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30 de Maio).
O respectivo regime jurídico está regulamentado no Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril (já alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 19/98, de 14 de Agosto), tendo o Legislador revelado dois propósitos com a criação do subsídio por frequência de estabelecimentos de educação especial, a saber:
— a universalidade do apoio, no sentido de que se «[estabelece] como condição de atribuição do subsídio não apenas a frequência do estabelecimento de educação especial, mas o recurso a qualquer forma de apoio necessário à recuperação e integração da criança e do jovem» (3);
— a compensação do «pesado encargo moral, físico e financeiro que o deficiente constitui para os encarregados de educação» (4), de molde a não exigir sacrifícios incomportáveis que, em última análise, se iriam repercutir na própria pessoa do deficiente.
Sobre o âmbito do subsídio, o art. 2.º do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril, dispõe que é atribuído aos descendentes de beneficiários, portadores de deficiência, com idade inferior a 24 anos, que se encontrem numa das seguintes situações:
a) Frequentem estabelecimentos de educação especial, particulares, com ou sem fins lucrativos ou cooperativos, tutelados pelo Ministério da Educação e que impliquem o pagamento de mensalidade;
b) Tenham apoio educativo individual por entidade especializada;
c) Necessitem de frequentar estabelecimento particular de ensino regular, após frequência de ensino especial;
d) Frequentem creche ou jardim de infância normal, como meio específico de superar a deficiência e de obter, mais rapidamente, a integração social.
O direito ao subsídio mantém-se durante todo o ano lectivo (art. 5.º do Decreto Regulamentar n.º 14/81).
§B
As dúvidas suscitadas pelas declarações médicas e o papel das equipas multidisciplinares
Em concreto sobre o requerimento, o art. 12.º do Decreto Regulamentar n.º 14/81 desenvolve que o pedido deve ser feito em impresso próprio do encarregado de educação ou da pessoa que tenha a seu cargo o deficiente, acompanhado, entre outros documentos (5), de declaração médica.
Com efeito, a redução permanente da capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual carece de ser determinada por declaração de médico especialista comprovativa desse estado, a qual deve indicar, com a conveniente fundamentação, o atendimento necessário ao deficiente [v. art.ºs 3.º e 12.º, al. b), do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril].
Assim, a página 3 do impresso utilizado para requerer a atribuição do subsídio — o modelo RP5020–DGSS intitulado “Requerimento de subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial” — é exclusivamente destinada ao cumprimento do requisito que impõe a existência de declaração médica (v. modelo RP5020-DGSS, em anexo).
O problema das declarações médicas que justifica a minha intervenção pode ser sintetizado nos seguintes termos: a circunstância do art. 3.º do Decreto Regulamentar n.º 14/81 autorizar (no sentido de não proibir) que as entidades prestadoras do apoio médico atestem, elas mesmas, a necessidade do apoio é susceptível, em abstracto (6), de levantar dúvidas razoáveis relativamente à transparência do procedimento.
A questão da atribuição indevida de apoios neste domínio não é nova, como testemunha o facto do despacho n.º 23/82, de 2 de Novembro (7), ter já partido, no longínquo ano de 1982, da constatação de que «A execução do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril (…) tem evidenciado situações que se podem caracterizar por excessiva permissividade na organização dos processos, possibilitando a atribuição indevida de prestações».
Concretizava o mesmo despacho de 1982 que «Os desvios em causa situam-se [nos] elementos básicos da atribuição do subsídio de educação especial», sendo que um daqueles elementos referia-se, exactamente, aos «termos da declaração médica necessária à atribuição do subsídio» (8).
O referido despacho determina, a final, que «deverão as instituições de segurança social passar a observar o seguinte: (…)
1 — A declaração médica deve ser sempre passada por médico especialista na deficiência em causa.
2 — A declaração médica deverá, de forma fundamentada e inequívoca, indicar qual o atendimento necessário.
3 — As declarações que não estejam em conformidade com o disposto nos números anteriores, não são reconhecidas para a organização do processo.
4 — Não apresentando a declaração médica as características atrás indicadas, deverão as instituições de segurança social, por todos os meios, accionar as medidas necessárias à clarificação da situação, mediante intervenção, conforme os casos, de equipas técnicas pluridisciplinares e especializadas, nos termos do disposto no Despacho n.º 10/82, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 86, de 14 de Abril de 1982».
A existência daquelas equipas, com efeito, resultava deste último despacho nos seguintes termos:
«(…) Nos casos em que não seja possível aos interessados apresentar a declaração médica ou esta não seja inequívoca quanto à indispensabilidade da frequência do estabelecimento, poderão as instituições de segurança social promover a avaliação das condições de indispensabilidade e adequação da frequência de estabelecimentos especiais ou outra forma de atendimento específico, mediante a intervenção, conforme os casos, de equipas técnicas pluridisciplinares e especializadas».
A solução que aqui recomendo — a intervenção, mesmo nos centros distritais de segurança social onde elas ainda não existam (9), de equipas multidisciplinares — é exactamente a medida para que apontava o Despacho n.º 10/82, publicado em Abril de 1982.
É que, entre outras consequências, enquanto tais equipas não estiverem em funcionamento em todos os centros distritais, não se poderá evitar que as declarações comprovativas da redução permanente da capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual sejam passadas pelos próprios médicos que se propõem prestar os apoios, ou por profissionais de saúde com vínculos profissionais aos estabelecimentos onde os apoios serão prestados, prática que é contrária à transparência dos procedimentos.
Como tive já oportunidade de constatar nas instruções que decorreram neste órgão do Estado, a intervenção no procedimento de médicos que têm um interesse profissional na decisão dos casos é susceptível de pôr em causa a transparência do processo e, em resultado, pode também suscitar problemas ao nível da compatibilidade de interesses conflituantes — mesmo que não estejam aqui em causa as próprias declarações médicas, cuja exactidão se não contesta.
Na verdade, «É o princípio da imparcialidade, associado ao da prevalência do interesse público sobre interesses privados, que [deve fundamentar] o impedimento» (10).
Também por esta razão, o recurso a equipas multidisciplinares em todos os centros distritais de segurança social é a melhor forma de acautelar a idoneidade do regime do apoio à frequência de estabelecimento de educação especial e salvaguardar os princípios fundamentais que norteiam a actividade administrativa, em especial o respeito pelos princípios da justiça, da transparência, da imparcialidade e da boa-fé (artigo 266.º da Constituição).
A par, e em nome da isenção e da imparcialidade, deve ser proibida a intervenção no procedimento dos médicos que tenham interesse na decisão, nomeadamente por integrarem os gabinetes médicos que se propõem assegurar o apoio.
§C
A intervenção dos organismos da educação e a demora na atribuição dos apoios
Outro problema que também exige resolução diz respeito à demora verificada na apreciação dos processos e no início do pagamento dos subsídios, com o consequente atraso no começo dos apoios efectivos.
Nos termos do art. 4.º do regulamento do apoio à frequência de estabelecimento de educação especial:
— «O subsídio de educação especial é atribuído a partir do mês em que o deficiente inicia a frequência do estabelecimento ou o recebimento do apoio individual, mas não antes daquele em que der entrada o requerimento ou documento equivalente» (n.º 1);
— «Tratando-se de subsídio para frequência de estabelecimento, o pedido de concessão deve, em princípio, ser apresentado até um mês antes do início do ano lectivo» (n.º 2), mas pode ser aceite o requerimento feito «no decurso do ano lectivo, desde que o mesmo se justifique, designadamente por verificação posterior da deficiência, conhecimento de vaga ou outra circunstância objectivamente atendível» (n.º 3).
Mas o Decreto Regulamentar n.º 14/81, na redacção dada pelo Decreto Regulamentar n.º 19/98, também estabelece que «o reconhecimento do direito à prestação, nas situações em que os descendentes com deficiência necessitem de apoio individual por professor especializado e frequentem estabelecimentos de ensino regular, depende da apresentação de declaração, passada pelo estabelecimento de ensino que os alunos frequentam, comprovativa de que esse apoio não lhes é garantido pelo mesmo» (art. 2.º, n.º 2).
E quanto a este formalismo foi igualmente aprovado um modelo para ser utilizado pelas instituições de segurança social, o modelo RP5020-A-DGRSS, “Declaração do estabelecimento de ensino” (11) (v. modelo RP5020-A-DGSS, em anexo).
Em diversos casos que me foram apresentados, o deferimento dos requerimentos e o início dos pagamentos só ocorreram largos meses após os pedidos, pelo que as formas específicas de apoio apenas tiveram início perto do fim do ano lectivo (12).
E não pode invocar-se, justificando a irrelevância da demora, que os efeitos das decisões são sempre reportados à data do requerimento. É que, por carência económica, muitos encarregados de educação não podem custear particularmente os apoios, pelo que o mais certo é que as crianças e jovens fiquem a aguardar as decisões finais para, só então, passarem a beneficiar dos apoios, o que configura, naturalmente, um contra-senso relativamente à finalidade dos apoios, e à sua utilidade.
Como resulta das explicações que a Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) cuidou de me prestar na instrução de um dos processos abertos neste órgão do Estado (v. ofício S/53774/2007 26-10-2007, em anexo), naquela direcção regional «foram já remetidas orientações às Escolas (…) [tendo-se definido] como data limite do envio de todos os processos o dia 31 de Outubro». Logo que semelhantes instruções sejam de aplicação generalizada em todas as direcção regionais de educação, parte do problema poderá estar em vias de resolução. Contudo, como é bom de ver, a par do encurtamento do prazo de organização dos processos é exigível, igualmente, a celeridade na sua apreciação.
Mas, como a DREN também reconhece na mencionada comunicação, alguma demora apenas está justificada nos processos relativos a novas situações, uma vez que «No caso de alunos já sinalizados pela Escola, em anos anteriores, como necessitando de apoios externos àquela, a análise do respectivo processo poderá ser mais célere».
De facto, sempre que o apoio em causa configura a continuação da ajuda já atribuída no ano lectivo anterior, não parece ser aceitável uma especial demora, seja na intervenção da Escola, seja na decisão final, uma vez que no essencial a instrução do processo estará já feita.
Por outro lado, alguma morosidade na apreciação dos pedidos novos, sendo compreensível, não pode nunca significar um atraso irrazoável à luz do próprio interesse da crianças e jovens que o Legislador visou defender. Assim, uma decisão que apenas é tomada em Março ou Abril — de um ano lectivo que se inicia em meados de Setembro e termina no princípio de Junho — pode até ter salvaguardado a boa aplicação dos dinheiros públicos, através da exaustiva confirmação dos requisitos formais e substanciais, mas certamente não defendeu minimamente o interesse do visado.
Até porque, importa lembrar, a falta de apoios no decurso do ano lectivo não é recuperável.
Assim, evitar-se estas situações é, sem dúvida, um imperativo, e é este que motiva o que a seguir recomendo.
III.
RECOMENDAÇÕES
Em face do que deixei exposto e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO:
A. A S. Ex.a o Secretário de Estado da Segurança Social, que seja determinada a intervenção em todos os centros distritais de segurança social de equipas multidisciplinares, designadamente na realização dos exames inerentes à comprovação do estado de redução permanente da capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual das crianças e jovens interessados, e à definição do atendimento necessário. B. Ainda a S. Ex.a o Secretário de Estado da Segurança Social, que, em nome da isenção e da imparcialidade, seja proibida a intervenção nos procedimentos de atribuição de subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial dos médicos que tenham interesse na decisão, nomeadamente por integrarem os gabinetes médicos que se propõem assegurar o apoio. C. A S. Ex.as os Secretários de Estado da Segurança Social e da Educação, que, de forma concertada entre os serviços da Segurança Social e do Ministério da Educação, sejam aprovadas as medidas indispensáveis a garantir que o preenchimento do modelo RP5020-A-DGRSS, “Declaração do estabelecimento de ensino” e o respectivo envio aos centros distritais de segurança social competentes, são feitos em prazo que permita a tomada de decisões finais: — No caso de alunos já anteriormente sinalizados pelos estabelecimentos de ensino, no decurso do primeiro mês de aulas; |
Dignar-se-á Vossa Excelência dar cumprimento ao disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 38.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, e comunicar-me, no prazo de 60 dias, a posição que é assumida relativamente à Recomendação que formulo à Secretaria de Estado da Educação.
Nesta data, igualmente solicitei a S. Ex.a o Secretário de Estado da Segurança Social que se pronuncie sobre as Recomendações que lhe dirigi.
O Provedor de Justiça
H. Nascimento Rodrigues
(1) Refiro-me, em particular, à tomada de posição da Provedoria de Justiça consubstanciada no ofício n.º 13330, de 4 de Agosto de 2004, dirigido à então Secretária de Estado Adjunta da Segurança Social, da Família e da Criança, a qual deu origem à realização de uma auditoria ao Centro Distrital de Segurança Social de Viana do Castelo.
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(2) Que foi criado pelo Decreto-Lei n.º 160/80 [art. 2.º, n.º 1, al. d)] e pelo Decreto-Lei n.º 170/80 (art. 9.º), de 27 e 29 de Maio, respectivamente.
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(3) Proémio do Decreto Regulamentar n.º 14/81.
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(4) Idem.
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(5) Para além da declaração médica, os documentos são o boletim de matrícula ou outro documento que o substitua, no caso de frequência de estabelecimento; declaração das receitas ilíquidas do agregado familiar; prova da despesa anual com a habitação e declaração comprovativa de que a entidade patronal do encarregado de educação não concede subsídio de educação especial de montante igual ou superior ao requerido.
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(6) O problema é aqui tratado na sua configuração abstracta, i.e. sem relação com nenhum caso concreto; contudo, este mesmo assunto já foi o objecto principal de um processo na Provedoria de Justiça.
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(7) DR – II série, n.º 267, de 18 de Novembro de 1982.
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(8) Naquele caso eram aceites declarações médicas não passadas por médico formalmente especialista na deficiência em causa ou que não estavam devidamente fundamentadas.
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(9) O que resulta do enunciado do “Requerimento de subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial” é que a solução que recomendo existe no distrito de Lisboa. De facto, no modelo RP5020–DGSS é esclarecido que o certificado médico «não [é] aplicável aos beneficiários residentes no distrito de Lisboa. Neste caso, a criança/jovem com deficiência é convocado, posteriormente, para exame por equipa multidisciplinar naquele Centro Distrital“. Mas sabe-se que as equipas já existem noutros centros distritais.
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(10) António Rebordão Montalvo, Código do Procedimento Administrativo Anotado – Comentado, (Almedina, Coimbra, 1992), 85.
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(11) Despacho conjunto n.º 957/2000, dos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade e da Educação, de 29 de Agosto de 2000 (DR – II série, n.º 219, de 21 de Setembro de 2000).
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(12) Na maioria dos casos em apreço, as explicações prestadas à Provedoria de Justiça deram conta de que as demoras se deveram, por um lado, ao facto do subsídio ter sido requerido já no decurso do ano lectivo e, por outro lado, à circunstância do processo burocrático não estar completo.
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