RECOMENDAÇÃO N.º 2/B/2008
[art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]



Entidade visada: Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas
Proc.º: R-4933/07
Área: A6 (A6)
Data: 28 Fevereiro 2008


Assunto: Medidas de protecção do sobreiro e da azinheira. Decreto-Lei n.º 169/2001, de 25 de Maio.



1. O Decreto-Lei n.º 169/2001, de 25 de Maio, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 155/2004, de 30 de Junho, estabelece um conjunto de medidas de protecção do sobreiro e da azinheira, introduzindo alterações, face às regras anteriormente vigentes (1), nas condições em que é possível proceder ao corte ou arranque daquelas espécies, e no regime que enquadra as autorizações relativas a essas operações.



Concomitantemente determina-se, no art.º 4.º daquele Decreto-Lei, que ficam vedadas, por um período de 25 anos, quaisquer alterações do uso do solo em áreas ocupadas por povoamentos de sobreiro ou azinheira e que tenham sofrido conversões – proibidas pelo art.º 2.º, n.º 1, do diploma, sem prejuízo das excepções estabelecidas no n.º 2 desta norma –, por terem sido percorridas por incêndio (sem prejuízo da legislação específica sobre os incêndios, designadamente constante do Decreto-Lei n.º 327/90, de 22 de Outubro, e respectivas alterações, a que voltarei adiante), por terem sido realizados cortes ou arranques não autorizados (em violação do preceituado no art.º 3.º do mesmo Decreto-Lei n.º 169/2001), ou por ter ocorrido anormal mortalidade ou depreciação do arvoredo em consequência de acções ou intervenções prejudiciais que tenham levado à degradação das condições vegetativas ou sanitárias do povoamento.



Estatui-se, ainda, no art.º 5.º do mesmo Decreto-Lei, especificamente quanto ao corte ou arranque ilegais, que, nos terrenos em que aqueles tenham ocorrido, são proibidos, por igual prazo de 25 anos a contar da data do corte ou arranque, toda e qualquer conversão que não seja de imprescindível utilidade pública, as operações relacionadas com edificação, obras de construção, obras de urbanização, loteamentos e trabalhos de remodelação dos terrenos, a introdução de alterações à morfologia do solo ou do coberto vegetal, e o estabelecimento de quaisquer novas actividades, designadamente agrícolas, industriais e turísticas.



2. São essencialmente estas duas disposições legais que motivam esta minha comunicação a Vossa Excelência, não por não concordar com as mesmas, mas por entender que o regime legal em que se inserem poderá e deverá ser melhorado tendo em vista uma sua aplicação mais justa às situações concretas.



Assim sendo, e em primeiro lugar, gostaria de deixar bem claro que, como disse, não ponho naturalmente em causa o teor dos art.ºs 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 169/2001. Visando a protecção do sobreiro e da azinheira aliás, em cumprimento dos objectivos da política florestal expressos na Lei de Bases da Política Florestal, aprovada pela Lei n.º 33/96, de 17 de Agosto, muito em especial na alínea g) do seu art.º 4.º as medidas em causa não só pretendem, com o prazo nas mesmas estabelecido, permitir a regeneração das mencionadas espécies, como têm uma função eminentemente dissuasora de eventuais agressões às mesmas, designadamente decorrentes da acção humana aos mais diversos níveis.



O preâmbulo do diploma é, de resto, inequívoco neste sentido, aí podendo ler-se que “tendo como objectivo garantir a defesa e valorização integrada da diversidade do território nacional e o aproveitamento racional dos recursos naturais e face às várias pressões de que os agrossistemas em causa têm vindo a ser alvo, são alteradas as medidas de carácter dissuasor a eventuais violações ao disposto na legislação que agora se revoga [o já identificado Decreto-Lei n.º 11/97]”.



3. Não obstante a justeza das soluções das normas em questão quando perspectivadas de uma forma abstracta, a verdade é que a inexistência de um mecanismo legal que possibilite uma reponderação da sua aplicação em concreto, quando verificados determinados pressupostos, potenciará a criação de situações no meu entender injustas e até violadoras do princípio da igualdade.



Reporto-me aos casos em que, tendo ocorrido uma das situações mencionadas nos art.ºs 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 169/2001, isto é, em que determinados povoamentos de sobreiro ou azinheira foram alvo de conversões, cortes ou arranques ilegais, se prove judicialmente que os proprietários ou possuidores daqueles povoamentos não foram responsáveis por essas operações ou, por maioria de razão, se prove até a responsabilidade de terceiros por essas ocorrências.



É que as referidas normas aplicam-se pela simples verificação objectiva dos factos, à margem e independentemente de uma imputação subjectiva da responsabilidade pelos mesmos.



Nestas situações não me parece de alguma forma justo que os proprietários ou possuidores dos povoamentos de sobreiro ou azinheira se vejam sempre impedidos de, pelo prazo de 25 anos, poderem exercer eventuais direitos, designadamente decorrentes do Decreto-Lei n.º 169/2001, de que seriam titulares caso não se tivessem verificado as ocorrências que desencadearam a aplicação das medidas dos art.ºs 4.º e 5.º do diploma, relativamente às quais resultou provado o seu alheamento.



No limite, dir-se-á que o disposto nestes preceitos legais, sem a existência de um mecanismo de salvaguarda daquelas situações, poderia, em hipótese não absurda, ser utilizado com propósitos de manipulação do destino de terrenos, por parte de terceiros cujo único interesse será precisamente a inviabilização, com resultado garantido, do exercício, por um prazo longo, de determinados direitos por parte dos proprietários ou possuidores daqueles.



3. Deste modo, considero que a concepção de um mecanismo que permita, a pedido dos interessados, um levantamento das limitações impostas pelos art.ºs 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 169/2001, quando se prove judicialmente que os proprietários ou possuidores dos povoamentos não foram responsáveis por essas operações ou, por maioria de razão, quando se prove adicionalmente a responsabilidade exclusiva de terceiros por essas ocorrências, seria adequado para dar resposta às preocupações acima expressas.



Um mecanismo do tipo aqui sugerido foi aprovado pelo legislador, por exemplo, no âmbito do já atrás referido Decreto-Lei n.º 327/90, ultimamente republicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 55/2007, de 12 de Março, que prevê a possibilidade, no art.º 1.º, n.º 4, nos moldes anunciados nos preceitos seguintes, do levantamento das proibições, estabelecidas, por sua vez, nos n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo. Estas proibições inibem, por um prazo de 10 anos, a concretização de um conjunto de acções, que vão desde a realização de obras de construção às operações de loteamento, nos terrenos com povoamentos florestais percorridos por incêndios, nas condições aí referidas.



Note-se o que, a propósito do regime do Decreto-Lei n.º 327/90 – embora na versão vigente à data, mas podendo aplicar-se a mesma fundamentação à actual versão –, refere o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 639/99, também já acima mencionado:



“O n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 327/90 proíbe, pelo prazo de dez anos, a realização de quaisquer acções com vista à urbanização, construção ou alteração do solo ou das espécies vegetais dos terrenos florestais percorridos por incêndios.
Existe um interesse público – o interesse público na protecção do ambiente e na promoção de um correcto ordenamento do território – com relevo suficiente para justificar as eventuais limitações a que, em cada caso, possa conduzir a proibição constante do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 327/90.
(…)
Concretamente, a norma do n.º 2.º do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 327/90 (…) admite (…) que, por despacho conjunto dos Ministros mais directamente relacionados com a matéria em causa, seja levantada a proibição estabelecida no n.º 1 do mesmo preceito, e fixa os pressupostos de que depende a decisão. Exige-se que o pedido, a formular pelos interessados, seja fundamentado e demonstre, nomeadamente, que o incêndio se ficou a dever a causas fortuitas, a que os interessados são alheios. A norma vem assim contemplar as situações em que, comprovadamente, não existe qualquer relação entre a origem do fogo e as suas consequências.
As exigências estabelecidas relacionam-se directa e imediatamente com a finalidade do diploma – a luta contra os incêndios e contra os prejuízos dele decorrentes para o património ambiental, dando como assente que as motivações subjacentes a alguns dos incêndios verificados nos últimos anos tiveram por finalidade a destruição das manchas florestais com vista à ocupação dos solos para fins urbanísticos e de construção.
A demonstração de que o incêndio da propriedade em causa se ficou a dever a causas fortuitas, a que os interessados são alheios, não é desadequada nem se afigura excessiva ou desproporcionada, pois visa acautelar valores de interesse público, tais como a protecção do ambiente e a defesa de um correcto ordenamento do território.
Por outro lado, a vinculação da Administração à verificação dos pressupostos de que depende o levantamento da proibição afasta qualquer violação dos princípios da justiça, da imparcialidade e da boa fé.
(…)
A fixação de pressupostos de que depende o levantamento da proibição – ao permitir o tratamento diferenciado entre as situações em que se demonstre que o incêndio se ficou a dever a causas fortuitas e as situações em que tal demonstração não seja feita – assegura a existência de um fundamento material de distinção, impedindo assim a violação do princípio da igualdade.
(…)
Na verdade, não são iguais – não se impondo portanto constitucionalmente que sejam tratadas de modo igual – as situações dos requerentes que provem que o incêndio ficou a dever-se a causas fortuitas e as situações dos requerentes que não façam tal prova. No primeiro caso, sendo ilidida a presunção de “destruição das manchas florestais, com vista à posterior ocupação dos solos para outros fins”, pode ser autorizado o regime de excepção à proibição; no segundo caso, não sendo ilidida tal presunção, não poderá ser levantada a proibição geral estabelecida na lei.
(…)
Para aplicação do regime de excepção previsto no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 327/90, é indispensável a prova de que o incêndio da propriedade em causa se ficou a dever a causas fortuitas, a que os interessados são alheios. Não estando em causa qualquer questão de responsabilidade criminal do proprietário, a imposição deste ónus da prova não surge como desadequado, desnecessário, nem proporcionalidade ao objectivo imediato pretendido – impedir que o proprietário venha a beneficiar em termos urbanísticos da destruição florestal provocada pelo incêndio – e aos fins públicos da protecção do ambiente e da promoção de um correcto ordenamento do território”.



No caso de povoamentos de sobreiro ou azinheira, o eventual mecanismo de levantamento das medidas previstas nos art.ºs 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 169/2001, no caso de se provar judicialmente que os proprietários ou possuidores dos povoamentos não foram responsáveis por essas operações, permitiria que não ficasse inviabilizado, por um prazo que não pode deixar de considerar-se longo, o eventual exercício, pelos mesmos, dos direitos de que seriam titulares nos termos designadamente dos art.ºs 2.º e 3.º do diploma, e também do Decreto-Lei n.º 327/90, para o qual aquele, aliás, remete.



Com esta solução legal, considero que se alcançaria, na linha do entendimento do Tribunal Constitucional acima expresso no que ao regime jurídico de áreas ardidas diz respeito, mas em raciocínio transponível para o presente caso, um equilíbrio desejável entre os direitos dos particulares proprietários ou possuidores dos terrenos, e os fins públicos de protecção do ambiente e do ordenamento do território.



4. Por tudo o fica exposto, permito-me recomendar a Vossa Excelência, nos termos do art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,







A adopção de um mecanismo legal, no âmbito do Decreto-Lei n.º 169/2001, de 25 de Maio, que permita que, por decisão do Governo, possam ser levantadas as medidas previstas nos art.ºs 4.º e 5.º do diploma, no caso de se provar judicialmente que os proprietários ou possuidores dos povoamentos de sobreiro ou azinheira não foram responsáveis pelas operações de conversão, corte ou arranque ilegais, ou, por maioria de razão, em que judicialmente se prove a responsabilidade de terceiros por tais ocorrências.



Na expectativa de que o que fica exposto mereça a atenção de Vossa Excelência, e naturalmente aguardando por uma comunicação a propósito do teor da presente comunicação.




O Provedor de Justiça ,
H. Nascimento Rodrigues


 


 


 


Nota de rodapé:


(1) Constantes do Decreto-Lei n.º 11/97, de 14 de Janeiro, revogado por aquele.
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