Número: 1/B/2009
Data: 24-03-2009
Entidade visada: Secretário de Estado da Administração Pública
Assunto: Contratos de prestação de serviços com a Administração Pública.
Processo: R-1481/08 (A6)



Recomendação n.º 1 /B/2009
[art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]


1. O art.º 35.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, determina que a celebração, por parte dos órgãos e serviços da Administração Pública, de contratos de tarefa e de avença, definidos respectivamente nos n.º 5 e 6 do artigo, só possa ter lugar quando, cumulativamente com os outros requisitos previstos na norma, “o trabalho seja realizado, em regra, por uma pessoa colectiva”.

A referida regra geral vê-se excepcionada nos termos do n.º 4 do artigo, permitindo-se que, “quando se comprove ser impossível ou inconveniente, no caso, observar o disposto na alínea b) do n.º 2, o membro do Governo responsável pela área das finanças pode autorizar a celebração de contratos de tarefa e de avença com pessoas singulares”.

O Despacho n.º 16066/2008 do antecessor de Vossa Excelência, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 12 de Junho de 2008, vem concretizar a referida possibilidade de apreciação casuística dos pedidos, estabelecendo uma autorização a priori para a contratação de pessoas singulares, desde que o trabalho a executar se enquadre nas acções de formação e nas prestações de serviços nas condições estritas enunciadas nas alíneas a) e b) do seu n.º 1.

Se no caso – muito específico e delimitado – das acções de formação, previstas na alínea a), se dá abertura, sem condicionalismos, à contratação de pessoas singulares, já no caso da alínea b), referente às prestações de serviços nas condições aí referidas, se reincide na necessidade de ser comprovada quer a impossibilidade quer a inconveniência de as mesmas ficarem a cargo de pessoa colectiva.

2. Tomei conhecimento, através da comunicação social, de que a questão da exclusão, como regra, das pessoas singulares do âmbito dos contratos de prestação de serviços com a Administração Pública, estará neste momento a ser discutida entre o Estado português e a Comissão Europeia.

Tenho também naturalmente presente que a mesma questão foi já objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade, tendo o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 620/2007, decidido não se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma no seu confronto designadamente com o princípio constitucional da igualdade.

Não é na perspectiva da Comissão Europeia – a análise da questão de fundo da dualidade de tratamento conferido às pessoas singulares e às pessoas colectivas na contratação -, nem na perspectiva jurídico-constitucional em que expressamente assentou a decisão do Tribunal Constitucional, que abordarei a questão no âmbito desta minha iniciativa.

3. De facto, e não entrando na discussão sobre a motivação que levou à aprovação da solução legal, creio que há uma dimensão do problema – que não foi, aliás, abordada pelo Tribunal Constitucional -, que não está, e que poderia estar, devidamente acautelada.

Refiro-me às situações em que o profissional liberal que poderia prestar os serviços a que se refere a norma está impossibilitado, mesmo querendo, de constituir sozinho uma sociedade para a prestação desses mesmos serviços.

O caso paradigmático – poderão existir outros – é o dos advogados que, por imperativo legal, estão impedidos de constituir sociedades com apenas um sócio. De facto, nos termos do Decreto-Lei n.º 229/2004, de 10 de Dezembro, diploma que aprova o regime jurídico das sociedades de advogados, as “sociedades de advogados são sociedades civis em que dois ou mais advogados acordam no exercício em comum da profissão de advogado, a fim de repartirem entre si os respectivos lucros”.

Ora, enquanto que na maioria das situações o interessado em prestar os serviços a que se refere a norma poderá, ainda assim, optar por constituir uma sociedade tendo em vista essa finalidade – a constituição de uma sociedade, ponderadas as vantagens e inconvenientes dessa decisão é, apesar de tudo, uma opção -, no caso designadamente dos advogados essa opção não existe de todo.

Assim sendo, estes profissionais ficam, pela simples aplicação da lei, e sem que, ao contrário das restantes situações, possam, por acto dependente da sua vontade, inverter tal tendência, à partida afastados da possibilidade de prestarem os serviços em causa.

Na prática, apenas poderão os profissionais nas referidas condições candidatar-se, em igualdade de circunstâncias, aos trabalhos associados às acções de formação a que se refere a alínea a) do n.º 1 do Despacho n.º 16066/2008. Para a realização de quaisquer outros trabalhos que integrem as noções de contrato de tarefa ou de avença, só excepcionalmente, e face à impossibilidade ou inconveniência comprovadas de as funções serem exercidas por pessoas colectivas – de resto, há um apertado controlo sobre a forma como a possibilidade é usada, e a previsão de sanções graves para os responsáveis que não respeitarem os requisitos legais em que se enquadra -, poderão esses profissionais celebrar contratos com os órgãos e serviços abrangidos pela Lei n.º 12-A/2008.

Nesta perspectiva muito específica, que não foi, como disse, ponderada, pelo menos autonomamente, pelo Tribunal Constitucional, creio que a norma do art.º 35.º, n.º 2, alínea b), do diploma, promove uma diferenciação ilegítima entre os profissionais habilitados a exercer determinadas funções, nesta medida provocando uma efectiva violação do princípio constitucional da igualdade.

4. De qualquer forma, entendo também que, independentemente do resultado da análise da questão de fundo – que está a ser feita entre o Estado português e a Comissão Europeia -, a dimensão do problema a que se circunscreve esta minha comunicação poderá, por iniciativa do Governo, ser entretanto ultrapassada.

Deste modo, permito-me, pelas razões que ficam acima expostas, e ao abrigo do art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendar a Vossa Excelência que, pelos meios legais que venham a ser considerados adequados,

se excluam da regra geral estabelecida no art.º 35.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, as situações em que, por norma legal, os profissionais habilitados a exercer as funções contidas nos conceitos de contratos de tarefa e avença, não possam, sozinhos, constituir uma sociedade, isto é, nas situações em que o exercício das funções em causa não pode, por imperativo da lei, ser feito através de uma sociedade com apenas um sócio.


O Provedor de Justiça
H. Nascimento Rodrigues