Exmo. Senhor


Presidente da Câmara Municipal do Funchal


Praça do Município


9004-512 Funchal



 


Nossa Referência


Proc. R-3741/07 (Mad.)


 



RECOMENDAÇÃO N.º 1 /A/10





Formulada de acordo com o disposto no art. 20º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91,


de 9 de Abril (Estatuto do Provedor de Justiça)



I


Exposição de Motivos





1. Organizou a Provedoria de Justiça processo para apreciar reclamação relativa à construção e ampliação de muro de vedação na localidade do Pico do Cardo, n.º 2, freguesia de Santo António, concelho do Funchal.


2. Invocavam os impetrantes que, não obstante a informação de que a autarquia iria adoptar as providências tendentes à reintegração do interesse público, a situação em apreço manter-se-ia inalterada.


3. Aduzia, para este efeito, a notificação efectivada pela edilidade junto do infractor (ofício da Câmara Municipal do Funchal, de 9.11.2006) dando conta da intenção do município em ordenar a demolição parcial da referida construção, por forma a reintegrar a legalidade reclamada.


4. Vem a instrução do processo diligenciando, sucessivamente, junto da Câmara Municipal do Funchal desde o ano 2007, com vista a conhecer os procedimentos desencadeados para assegurar a reposição da legalidade urbanística no caso presente.


5. Por ofício datado de 11 de Setembro de 2007, informou a edilidade que “Com efeito, foi comunicado ao reclamado, da intenção da Câmara de ordenar a correcção do muro de vedação da entrada particular até este apresentar altura de 1,80m, altura limite para que este possa ser executado sem licenciamento. Não obstante, embora o muro apresente altura de 3,00m, para que possa ser corrigido, será necessário afastar a hipótese de ser passível de licenciamento camarário, já que, se o for, nenhuma medida de tutela da legalidade urbanística, como a demolição ou reposição do terreno, poderá ser adoptada. No âmbito da audiência de interessados, o reclamado pronunciou-se alegando sofrer de vários actos de vandalismo e invasão da sua propriedade, actos esses que tornam necessária a altura de 3,00m executada”.


6. Instado o município a esclarecer sobre os mecanismos de reintegração da legalidade ponderados para o caso em apreço, sobreveio a informação (ofício de 19 de Fevereiro de 2008) de que teria sido “…determinada a correcção do muro de vedação, devendo demolir o necessário para o repor na altura regulamentar de 1,80m, tendo sido fixado o prazo de 30 dias.“.


7. Por informação constante de ofício datado de 23 de Maio de 2008, veiculava a Câmara Municipal do Funchal que “(…) a Empresa Hidrodreno, SA, foi notificada nos termos do mandado de notificação expedido na mesma data“, sendo concedido um prazo de trinta dias úteis para a conclusão dos trabalhos de correcção do muro reclamado, repondo-o à altura regulamentar de 1,80m.


8. No âmbito da formulação de ulteriores reclamações por parte dos impetrantes, aduzindo a manutenção do circunstancialismo factual subjacente aos presentes autos, questionou, uma vez mais, este órgão do Estado a autarquia do Funchal, chamando-se a atenção para a vulnerabilidade da autoridade municipal, bem como do interesse público perante a inércia reiterada do infractor e o incumprimento do mandado de notificação expedido pelos serviços camarários competentes.


9. Questionava-se ainda o eventual recurso a medidas de polícia ou a meios sancionatórios preconizados pelo legislador, neste domínio.


10. Esclareceu a edilidade (ofício de 22 de Janeiro de 2009), na pessoa do Senhor Vereador com o Pelouro do Urbanismo, que a Câmara Municipal havia solicitado a colaboração do Gabinete Jurídico, em face de exposição apresentada pelos notificados aos 27 de Junho de 2008, com vista à fundamentação da medida administrativa oportunamente determinada.


11. Subsequentemente, veio a Câmara Municipal (ofício de 6 de Abril de 2009) apresentar cópia de novo mandado de notificação expedido aos infractores, no âmbito do qual era reiterada decisão de ordenar a correcção da intervenção urbanística em apreço, atendendo a que “a exposição de 27/06/2008 em nada altera a base legal ou factual que fundamentou a decisão. Mais se notifica que deverá dar cumprimento ao mandado de notificação n.º 4035/2008, no prazo de quinze dias.”.


12. Por ofício de 8 de Junho de 2009, sobreveio a informação de que havia sido concedido novo prazo aos infractores, com a advertência de que o inadimplemento da ordem administrativa invocada poderia implicar a posse administrativa do imóvel e execução coerciva das obras, nos termos do disposto pelos arts. 107º e 108º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção conferida pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, para além de constituir a prática de um crime de desobediência previsto pelo art. 348º do Código Penal.


13. Por último e por meio de comunicação prestada a coberto de ofício de 7 de Dezembro de 2009, vem a autarquia do Funchal informar a Provedoria de Justiça da intenção de “tomar posse administrativa do imóvel para executar coercivamente os trabalhos de correcção do muro“.


14. Não obstante o acompanhamento actualizado de todo este processo, por meio de contactos formal e informalmente conduzidos pelo meu Assessor na Extensão da Provedoria de Justiça da Região Autónoma da Madeira, não chegaram a ser conhecidos, até ao momento presente, quaisquer desenvolvimentos efectivos tendentes à reposição da legalidade.



II


Apreciação



Apreciado o teor dos esclarecimentos prestados e cumprido, assim, o dever de prévia audição da entidade visada, nos termos do disposto pelo art. 34º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril (Estatuto do Provedor de Justiça), pondero o seguinte:




1. Nos termos do preconizado pelo n.º 1 do art. 4º do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Funchal “São consideradas obras de escassa relevância urbanística aquelas que pela sua natureza, forma, localização, impacte e dimensão não obedeçam ao procedimento de licença ou de autorização, sejam previamente comunicadas à Câmara Municipal e por esta sejam assim consideradas, nos termos definidos nos artigos 34º a 36º do Decreto-Lei 555/99, de 16 de Dezembro”.


2. De acordo com o estipulado pelo n.º 2 do preceito em apreço “Integram este conceito a título exemplificativo (…): f) Os muros de vedação de prédios até uma altura máxima de 1,80 metros, desde que não confinem com a via pública;”.


3. Por sua vez, o art. 9º do citado Regulamento Municipal prescreve que “As vedações separativas dos logradouros nas zonas de construção descontínua terão, no máximo, na extensão correspondente ao recuo da edificação ao arruamento, altura igual à confinante com a via pública não podendo no restante atingir altura superior a 1.80 m com excepção da parte correspondente aos anexos que poderá ter a altura máxima de 2.50 m“.


4. O conceito de obra de escassa relevância urbanística, previsto pelo n.º 1 do artigo 6º-A do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção conferida pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, determina a não sujeição ao regime de licenciamento ou autorização administrativa das operações urbanísticas aí elencadas, sendo-lhes, contudo, aplicável, o procedimento simplificado da comunicação prévia previsto nos artigos 34º a 36º do mesmo diploma.


5. Nos termos da alínea b) do artigo 6º-A do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, integram o conceito de obra de escassa relevância urbanística, entre outros, “a edificação de muros de vedação até 1,8m de altura que não confinem com a via pública e de muros de suporte de terras até uma altura de 2m ou que não alterem significativamente a topografia dos terrenos existentes.“.


6. Conjugados os preceitos acima enumerados e uma vez apreciados todos os elementos recolhidos ao longo da instrução efectivada no âmbito dos autos em apreço, conclui-se, inequivocamente, que o muro de vedação reclamado excede o determinado pelos normativos em vigor, uma vez que não poderia apresentar uma altura superior a 1,80m.


7. Não obstante a reiteração do circunstancialismo factual em apreço, por parte dos impetrantes, desde o ano de 2006, não obstou, até ao momento, a Câmara Municipal do Funchal à proliferação de uma situação de ilegalidade, concedendo sucessivos prazos ao infractor sem providenciar com prontidão pela reintegração da normalidade urbanística.


8. Ao ordenar a demolição das obras ilegais, a Câmara Municipal do Funchal assumiu, vinculadamente, um juízo de insusceptibilidade de conformação da edificação reclamada com os normativos legais e regulamentares de urbanização.


9. Assim, e na falta de cumprimento voluntário da ordem administrativa, impor-se-á ao órgão presidido por V. Exa. determinar a imediata execução coerciva das obras clandestinamente implementadas, em substituição do infractor, dando por cessada a actividade indevidamente praticada.


10. A deliberação camarária que determina a posse administrativa do imóvel, prevista pelos artigos 107º e 108º do citado Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, para que os serviços camarários nele efectivem uma demolição previamente ordenada insere-se, integralmente, no âmbito da execução desta ordem, não consubstanciando, em si mesma, uma definição exorbitante e inovadora.


11. Apesar de ser comunicada a intenção de dar início ao processo de tomada de posse administrativa do imóvel, tal não veio ainda a acontecer, verificando-se, nestes termos, a manutenção de uma situação de ilegalidade urbanística.


12. Ainda que tardiamente, vem agora a edilidade do Funchal informar a Provedoria de Justiça da eventual participação de desobediência do particular aos órgãos criminalmente competentes, v.g. o Ministério Público.


13. Não obstante esta tomada de posição, e independentemente da sequência que venha a conhecer tal participação, reconhecerá V. Exa. que não basta a sanção criminal para repor os parâmetros urbanísticos definidos pelo legislador e pela autarquia do Funchal, neste âmbito, os quais importam um correcto ordenamento das edificações urbanas.


14. Afigurando-se excessiva a dilação que vem sendo concedida ao infractor, acresce que deverão ser ponderados os direitos dos moradores vizinhos, tendo presente a preservação de princípios de equidade e adequação administrativa, no tratamento de situações idênticas.


15. Neste sentido, a execução imediata da ordem de demolição não apenas corresponderá à reposição da legalidade e à correcta prossecução do interesse público, consubstanciando, igualmente, um imperativo de justiça, o qual não deixará de ser tomado em linha de conta por V. Exa.



 


 


 


 


 


 


III


Conclusões




1. Incumbe às autarquias locais, no quadro das suas atribuições e das competências dos respectivos órgãos, promover as medidas de carácter administrativo e técnico adequadas à prevenção e controlo da legalidade urbanística, uma vez respeitado o procedimento administrativo, e independentemente da procedência ou improcedência das reclamações particulares eventualmente formuladas neste domínio.


2. Ponderadas as explicações fornecidas pela autarquia, concluiu este órgão do Estado que a edilidade do Funchal não acautelou, até ao momento, o direito à qualidade de vida dos seus munícipes, num contexto de adequado enquadramento das edificações urbanas e cumprimento pelos normativos impostos.



 


De acordo com as motivações expostas, e exercendo o poder que me é conferido pelo art. 20º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO a V. Exa que:



 


No âmbito do privilégio de execução prévia conferido à Administração Pública Autárquica, para realização dos fins que lhe estão constitucionalmente cometidos, seja confirmado e imediatamente desencadeado pela Câmara Municipal do Funchal, processo de tomada de posse administrativa do imóvel em apreço e executados os respectivos trabalhos de demolição, a expensas do notificado, ao abrigo do disposto nos artigos 107º e 108º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Setembro, com a redacção conferida pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro.



 


Na expectativa de que o acima exposto venha a merecer o acolhimento que se me afigura desejável, muito agradeço a V. Exa. que oportunamente me transmita o que houver por conveniente a respeito da presente Recomendação.



 


Apresento a V. Exa. os meus melhores cumprimentos,



 


O PROVEDOR DE JUSTIÇA,



Alfredo José de Sousa