Sua Ex.a


A Secretária Regional da Educação e Formação


Paços da Junta Geral


Carreira dos Cavalos


9700-167 Angra do Heroísmo


 


 


Proc. R-4998 /09 (Aç)


Assunto: Serviço docente. Redução da componente lectiva. Acumulação de funções


 


 


RECOMENDAÇÃO N.º 4/A/2010


[artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]


I


INTRODUÇÃO


Tem estado em instrução neste órgão do Estado um processo aberto no interesse do Senhor Professor …, que tem por objecto o indeferimento do recurso hierárquico apresentado por aquele docente contra a decisão de V. Ex.a pela qual lhe foi recusada a acumulação de quatro horas semanais de funções docentes, na qualidade de formador externo noutro estabelecimento de ensino.


Para fundamentar tal indeferimento foi argumentado que a única interpretação que se pode fazer do disposto no n.º 5 do artigo 180.º do Estatuto do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário na Região Autónoma dos Açores, que fixa as condições de acumulação de funções, é a de que “ao limite global de horas lectivas de acumulação é deduzido o número de horas de redução da componente lectiva em função da idade e de tempo de serviço de que o interessado, eventualmente, beneficie.”


Entende, não obstante, o reclamante que “a limitação aplicada à acumulação de horas é a que corresponde à componente lectiva atribuída em função da idade e tempo de serviço, na mesma proporção patente no limite de 6 horas para um horário lectivo de 22h00min”.


 II


EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS


1. O Estatuto do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário (adiante EPD) trata a matéria em apreço no seu Capítulo XVIII, sob a epígrafe “Serviço docente em regime de acumulação” (v. Decreto Legislativo Regional n.º 21/2007/A, de 30 de Agosto, alterado pelos Decreto Legislativos Regionais n.º 4/2009/A, de 20 de Abril, e n.º 11/2009/A, de 21 de Julho).


Aí se determina que é permitida a acumulação do exercício de funções docentes em estabelecimentos de educação ou de ensino públicos com actividades de carácter ocasional que possam ser consideradas como complemento da actividade docente (artigo 178.º, n.º 1), bem como a acumulação do exercício de funções docentes em outros estabelecimentos de educação ou de ensino (n.º 2).


Mas tal exercício em acumulação carece de autorização prévia do director regional competente em matéria de administração educativa (artigo 179.º, n.º 1).


Além disso, nos termos do artigo 180.º do EPD, a autorização de acumulação de funções só pode ser concedida verificadas cumulativamente as seguintes condições:


a) A actividade a acumular não for legalmente considerada incompatível;


b) Os horários a praticar não forem total ou parcialmente coincidentes;


c) Não for susceptível de comprometer a isenção e a imparcialidade do exercício de funções docentes;


d) Não houver prejuízo para o interesse público e para os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos;


e) A actividade privada a acumular, em regime de trabalho autónomo ou de trabalho subordinado, sendo similar ou de conteúdo idêntico ao das funções públicas desempenhadas pelo requerente, designadamente a prestação de serviços especializados de apoio e complemento educativo, de orientação pedagógica ou de apoio sócio-educativo e educação especial, não se dirija, em qualquer circunstância, aos alunos da unidade orgânica do sistema educativo onde o mesmo exerce a sua actividade principal.


2. Com especial relevo para a questão em análise estatui-se ainda que “o limite global de horas lectivas (…) é sucessivamente reduzido, no caso dos professores dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, na proporção da redução da componente lectiva de que os docentes beneficiem [em função da idade e do número de anos de serviço docente — v. artigo 124.º], arredondada à unidade.”


Anote-se que as normas referidas seguem de muito perto o regime nacional constante do Estatuto da Carreira Docente aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril (objecto de diversas alterações), bem como da Portaria n.º 814/2005, de 13 de Setembro, que regula o regime de acumulação de funções e actividades públicas e privadas dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário.


3. Foi justamente a existência de um comando legal comum aos dois estatutos, que prevê o estabelecimento de uma relação de grandeza entre o número de horas efectivamente leccionadas e o número de horas de redução de componente lectiva para que se achem os limites legais de possibilidade de acumulação de funções docentes, que levou este órgão do Estado a solicitar à Secretaria Regional de Educação e Formação a reponderação da decisão contestada.


Em resposta, foi reiterada a impossibilidade de acumular funções, daí decorrendo a manutenção da decisão de que, no caso em análise, o docente não podia acumular 4 horas semanais, pelo facto de beneficiar de 8 horas de redução da componente lectiva em função da idade e tempo de serviço.


Outro entendimento, defende-se, careceria de qualquer enquadramento legal já que “no real espírito da lei, e sabendo das competências especificas próprias cometidas à Região Autónoma dos Açores em matéria educativa, a única interpretação que se pode fazer do disposto no n.º 5 do artigo 180.° do mencionado Estatuto é a de que ao limite global de horas lectivas de acumulação de funções é deduzido o número de horas de redução da componente lectiva em função da idade e do tempo de serviço de que o interessado, eventualmente, beneficie.”


4. A argumentação apresentada não me dispensa, porém, de retornar ao que determina a norma em análise para que seja achado o número de horas de serviço docente cuja acumulação é possível. E o que no n.º 5 do artigo 180.º do EPD se estipula não é uma redução achada simplesmente por subtracção, mas sim uma redução encontrada pelo estabelecimento de uma proporção.


O comando expresso de que a determinação do número de horas lectivas a acumular supõe o estabelecimento de uma razão de grandeza (proporção) entre dois valores (in casu, duração da componente lectiva e número de horas a acumular), implica que o cálculo do número de horas a acumular nos casos de redução da componente lectiva não seja achado por mera operação de subtracção (horas de acumulação permitidas – horas de redução), mas antes pelo estabelecimento, mediante uma regra de três simples, de uma proporção entre o número de horas da componente lectiva inicial (22h) e respectiva acumulação autorizada (6h), de um lado e o número de horas da componente lectiva com redução, do outro. Assim se determinará, em proporcionalidade directa, o número de horas cuja acumulação pode vir a ser autorizada, que terá ainda de ser arredondado à unidade.


A aplicação deste método aponta, assim, para que no caso em apreço a uma componente lectiva de 14 horas corresponda a possibilidade de um limite máximo de acumulação de 4 horas lectivas semanais.


5. Mas esse departamento vem ainda aduzir que “se o docente dispõe de redução da componente lectiva por motivo de idade não faz sentido que venha a acumular essa redução em outro local, com as dificuldades que isso acarretaria à administração pública na lógica, aliás, da prossecução do serviço público na melhor optimização dos recursos humanos disponíveis.”


Além disso, chama-se a atenção para que as “reduções da componente lectiva fundamentam-se no desgaste físico e psíquico resultante da actividade docente e das específicas condições em que é exercida”. Ora, “esse desgaste aumenta com o número de anos de serviço prestado e está directamente relacionado com a idade do docente”, de onde decorre, a maior “dificuldade em superar o desgaste acumulado”.


Daí que, em suma “a redução da componente lectiva por limite de idade não deva ser encarada como uma qualquer bonificação, mas sim como um regime especifico decorrente do exercício da função docente, uma vez que procura proteger a qualidade do ensino ministrado e o interesse dos alunos e do próprio sistema educativo, numa situação de reconhecimento do desgaste acumulado e não susceptível de ser recuperado pelo docente.”


6. Mas tal reflexão, que certamente espelha a experiência recolhida na aplicação do diploma em causa — e que será valiosa de iure condendo —, não encontra na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (v. artigo 9.º do Código Civil).


O legislador regional autónomo, tal como o nacional, quer que o número de horas em que é possível o exercício de funções em acumulação seja determinado pelo estabelecimento de uma proporção entre a duração da componente lectiva inicial e o limite global de horas lectivas de acumulação, de um lado, e o número de horas de redução da componente lectiva em função da idade e do tempo de serviço, do outro, para deste modo achar o limite de horas lectivas de acumulação nas situações de horário reduzido. Não pode a Administração vir proceder a uma subtracção simples que tenha em conta apenas o limite global de horas lectivas de acumulação e o número de horas de redução da componente lectiva, com o que estará a aplicar um critério legalmente inexistente, contra o que dispõe o princípio da legalidade, sob cuja égide tem de actuar.


III


CONCLUSÕES


Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendo a V. Ex.ª:


A. Que, em face do disposto no n.º 5 do artigo 180.º do Estatuto do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário da Região Autónoma dos Açores, considere que, no caso dos professores dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, o limite global de horas lectivas acumuláveis é sucessivamente reduzido, na proporção da redução da componente lectiva de que estes docentes beneficiem ao abrigo do artigo 124.º do mesmo estatuto, arredondada à unidade, e não mediante a simples dedução ao limite global de horas lectivas de acumulação do número de horas de redução da componente lectiva a que tenham direito em função da idade e do tempo de serviço.


B. Que, consequentemente, pondere reconhecer ao Senhor Professor … o direito à acumulação de quatro horas semanais, na qualidade de formador externo noutro estabelecimento de ensino.


Permito-me lembrar a V. Ex.ª a circunstância da formulação da presente recomendação não dispensar, nos termos do disposto no artigo 38.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, a comunicação a este órgão do Estado da posição que vier a ser assumida em face das respectivas conclusões.


Com os melhores cumprimentos,


O Provedor de Justiça


 


 


(Alfredo José de Sousa)