Ex.mo Senhor




Presidente do Conselho de Administração do


Hospital de Santarém


Av. Bernardo Santareno


2005-177 SANTARÉM


 


 


Sua referência Sua comunicação Nossa comunicação







Proc. R-6858/08 (A4)


 


ASSUNTO: Assistente eventual de Patologia Clínica – denúncia de contrato.







 


RECOMENDAÇÃO N.º 11/A/2010


[Artigo 20.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]



 


I – Enunciado




1. Organizou a Provedoria de Justiça um processo para apreciar a queixa apresentada pela médica …, relativamente à questão que a opõe ao Hospital de Santarém, E.P.E., sobre o modo como foi feito cessar o contrato administrativo de provimento que a vinculava à prestação de trabalho no Hospital.



2. Na instrução do processo organizado neste órgão do Estado, foram analisados os elementos apresentados em abono da reclamação e foram ouvidos o Hospital de Santarém, E.P.E., e a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P., com vista a confirmar e esclarecer a actuação administrativa questionada. Foram ainda realizadas diligências junto de Sua Excelência a Ministra da Saúde.



3. Importando apreciar a questão perante a factualidade apurada à luz do quadro legal vigente, não posso, porém, concordar com a abordagem feita e a posição interpretativa defendida por esse Hospital, afigurando-se que a mesma não é de molde a justificar a posição assumida no caso vertente.



II – Apreciação




4. Com relevância para a análise a que me proponho, foi possível apurar qual o percurso profissional da médica em causa. Sumariamente, podem enunciar-se as seguintes etapas:





a. A aqui reclamante iniciou funções no Hospital de Santarém em 01-01-1985, como médica interna do Internato Geral. Concluiu esta formação em 30-09-1986, tendo continuado no exercício de idênticas funções até 05-01-1987, data em que foi “desvinculada, por despacho superior“. A partir de 06-01-1987 passou a exercer funções em regime de tarefa, ao abrigo do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro;



b. Com efeitos a 13-02-1990, celebrou um contrato a termo certo com o Hospital de Santarém, exercendo funções como Clinica Geral até 31-12-1991;



c. Em 01-01-1992 celebrou contrato administrativo de provimento (CAP) no Hospital Egas Moniz, ao abrigo da Portaria n.º 1223-B/82, de 28 de Dezembro, com vista à realização do Internato Complementar de Patologia Clínica, que concluiu em 31-07-1996;



d. Após a conclusão do internato médico e ainda no contexto do Hospital Egas Moniz, este CAP foi prorrogado por 18 meses, nos termos do n.º 2 do art. 24.º do Decreto-Lei n.º 128/92, de 4 de Julho, entretanto publicado;



e. Em 01-01-1997, foi colocada no Hospital de Santarém “ao abrigo do n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 128/92, de 4 de Julho, como assistente eventual de patologia clínica, na situação de prorrogação do contrato” até 31-01-98;



f. Entre 01-02-1998 e 31-05-1998, a reclamante prestou serviço como voluntária no Hospital de Santarém;



g. No período de 01-06-1998 a 14-10-1998, a reclamante manteve um contrato a termo certo (por períodos de 3 meses) com o Hospital de Santarém, cujo período de renovação não chegou ao seu termo (), como se verá de seguida;



h. Com a publicação do Decreto-Lei n.º 112/98, de 24 de Abril, cessou antecipadamente o contrato a termo que a vinculava a esse Hospital, mas manteve a colocação no Hospital de Santarém, por força da prorrogação do CAP referenciado, com efeitos a 15-10-1998. Este contrato foi sucessivamente renovado até 14-10-2007.



5. Considerando o percurso profissional da aqui reclamante, acima descrito, destaca-se, dada a sua relevância para a compreensão da matéria discutida nos autos, a relação contratual que teve início a partir de 01-01-1992, no Hospital Egas Moniz, com vista à realização do Internato Complementar de Patologia Clínica, que concluiu em 31-07-1996. Após esta data, o CAP foi prorrogado por 18 meses, nos termos do n.º 2 do art. 24.º do Decreto-Lei n.º 128/92, de 4 de Julho, entretanto publicado.



6. Antes de terminado o período de vigência desta prorrogação, a reclamante foi colocada, em 01-01-1997 e a seu pedido, no Hospital de Santarém “ao abrigo do n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 128/92, de 4 de Julho, como assistente eventual de patologia clínica, na situação de prorrogação do contrato“.



7. Por força do n.º 4 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 128/92, de 4 de Julho, a colocação noutro estabelecimento implicou “a transmissão do contrato, mediante a alteração automática do estabelecimento outorgante, sem dependência de qualquer formalidade“.



8. Com a publicação do Decreto-Lei n.º 112/98, de 24 de Abril, foram fixadas as condições em que poderiam ser prorrogados os contratos administrativos de provimento do pessoal médico após conclusão do internato complementar (). Este diploma veio permitir, no seu art. 9.º:




a. A prorrogação de CAP existentes ou o retomar da sua vigência, através do reinicio de funções (como no caso da reclamante) ();


b. A manutenção no exercício de funções com a categoria de assistente eventual (categoria detida pela reclamante aquando da transição para o Hospital de Santarém).



9. A tramitação burocrática para a prorrogação dos CAP foi realizada pelas Administrações Regionais de Saúde, que identificaram os estabelecimentos em condições de ser qualificados como carenciados, submetendo posteriormente a despacho do Ministro da Saúde quer a qualificação, quer a autorização para o reinício de funções.



10. Nos termos do art. 9.º, n.º 1, al. a), estas diligências permitiram aos médicos que, não se encontrando providos em lugar de quadro da respectiva carreira e tivessem concluído o respectivo internato complementar após 1 de Janeiro de 1993, requerer o reinício de funções como assistentes eventuais em estabelecimento carenciado. A autorização para o reinício de funções da aqui reclamante foi dada por despacho do Secretário de Estado da Saúde, de 11-09-1998, após o que o CAP foi sucessivamente renovado, por se manterem as condições legalmente exigidas e o interesse do Hospital, até 14-10-2007.



11. Apesar de a lei prever o “reinicio de funções como assistentes eventuais em estabelecimento carenciado” – logo, o retomar de um CAP anteriormente celebrado, conferindo-lhe validade –, o Hospital de Santarém alegou que “a colocação veio a ocorrer neste hospital por a especialidade e o estabelecimento terem sido considerados carenciados e não pelo facto de a Srª Drª ….. aqui ter concluído a prorrogação do Internato complementar (1ª fase). A adequação jurídica (o “reinicio” de funções em contrato já caduco) é matéria própria da lei, da então requerente e ARSLVT, sendo que a este Hospital só foram comunicadas decisões finais” ().



12. Como adiante melhor se verá, não posso acompanhar esta conclusão.



13. De facto, o preceito aplicável (art. 9.º, n.º 1, al. a)) teve em vista proporcionar:




a. o reinício de funções;


b. como assistentes eventuais;


c. em estabelecimento carenciado;


d. aos médicos que tivessem concluído o respectivo internato complementar após 1 de Janeiro de 1993;


e. desde que:




i. não se encontrassem providos em lugar de quadro da respectiva carreira;


ii. e requeressem junto das administrações regionais de saúde, no prazo máximo de 30 dias úteis a contar do despacho que identifique os estabelecimentos considerados carenciados, aquele reinício.



14. Desde logo, o diploma fixou como condições a existência de estabelecimentos qualificados como carenciados, a conclusão do internato complementar após 01-01-1993, o não provimento em lugar de quadro, e a apresentação de requerimento com vista ao reinício de funções num determinado prazo, o que se verificou.



15. Por outro lado, face à lei e contrariamente ao entendimento do Hospital de Santarém, era relevante o facto de a reclamante ali ter efectivamente concluído a prorrogação do CAP do Internato complementar, porquanto era este o vínculo a considerar para efeitos de reinicio. Este implica necessariamente o retomar de um contrato, pelo que não se pode aceitar o argumento de que o mesmo se encontrava “caduco“. De facto, haverá que considerar como retomado o contrato originariamente celebrado com o Hospital Egas Moniz e que foi transmitido ao Hospital de Santarém em 01-01-1997.



16. A lei ficcionou aqui a validade de todos os vínculos contratuais, tendo o Hospital de Santarém beneficiado desta ficção legal () – que tem de ser levada às últimas consequências, ou seja:




a. O contrato retomado teve como partes a reclamante e o Hospital de Santarém (por via da transmissão do contrato originário);


b. A rescisão só poderia operar-se mediante o cumprimento de formalismo especial que envolvia a ARSLVT.



17. Em rigor, do Decreto-Lei n.º 112/98 não decorreram implicações ao nível da alteração das posições contratuais. Neste diploma apenas se cuidou do formalismo necessário para a prorrogação dos contratos administrativos de provimento do pessoal médico após conclusão do internato complementar.



18. Em 14-09-2007, o Hospital de Santarém informou a reclamante e a ARSLVT de que não pretendia a manutenção dos seus serviços como médica. A partir de 14-10-2007, a aqui reclamante cessou de facto funções no Hospital de Santarém, não lhe tendo sido abonadas quaisquer quantias desde então.



19. De facto e não de direito, porquanto, atento o formalismo necessário à cessação do contrato, a Administração veio a reconhecer que não se procedeu à efectiva notificação da interessada em tempo útil, tendo-se operado a renovação automática do mesmo. Porém, apesar das diligências desenvolvidas, o Hospital de Santarém não aceitou o reingresso da médica, nem o pagamento de quaisquer quantias.



20. Pode simplesmente o Hospital de Santarém informar que não pretende aquela médica em concreto ao seu serviço? Não, mas na realidade foi o que se verificou. Ao arrepio da lei, que prevê um procedimento especifico a ser observado e não foi respeitado.



21. Por um lado, estando (pelo menos aparentemente) em causa o desempenho profissional da médica em causa, não se verificou a instauração de um processo de inquérito ou disciplinar, tendente ao apuramento rigoroso de factos ocorridos e daí retiradas as devidas consequências. Por outro lado, não esteve em causa, sublinhe-se, a perda da qualificação do Hospital como estabelecimento ou especialidade carenciada, pelo que a necessidade de colaboração de um profissional desta especialidade se manteve no tempo.



22. A contratação destes profissionais implica a existência de um estabelecimento hospitalar concreto e carenciado numa especialidade e de um médico que reuna determinados requisitos formais, designadamente (à data) a existência de um CAP, a ser prorrogado por despacho do membro do Governo competente, na sequência de diligências instrutórias por parte das Administrações Regionais. Estas não funcionam como uma entidade empregadora, em que as vicissitudes do contrato correm por sua conta, mantendo em carteira um conjunto de profissionais que afectam a hospitais consoante as necessidades do momento.



23. Para que pudesse existir uma reafectação, o Hospital de Santarém teria de ter perdido a qualificação de carenciado nesta especialidade e deveria ter comunicado à ARSLVT a intenção de prescindir dos serviços da aqui reclamante, em tempo útil que permitisse a realização das diligências de colocação ou, na sua impossibilidade, de denúncia do contrato. Ora, ficou claramente demonstrado que tal não sucedeu, tendo sido renovada automaticamente a vigência do contrato.



24. Os serviços não procederam, entretanto, à denúncia do CAP, pelo que o mesmo se manteve válido.



25. Com a entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, verificou-se a conversão dos CAP em contratos de trabalho em funções públicas. Através da Circular Informativa n.º 02/2010, de 24 de Março, a Administração Central do Sistema de Saúde concluiu pela “conversão dos CAP em contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2009, nos termos dos artigos 91.º e 109.º, n.º 2 da LVCR“, esclarecendo que “todos os estabelecimentos e unidades, independentemente da sua natureza jurídica” deveriam proceder em conformidade. Por este motivo, a ARSLVT já informou sobre a conversão operada.



26. Neste contexto, posso concluir que:




a. A reclamante celebrou um CAP com o Hospital Egas Moniz, em 01-01-1992;


b. Este CAP terminou em 31-07-1996, mas foi prorrogado por 18 meses, nos termos do n.º 2 do art. 24.º do Decreto-Lei n.º 128/92, de 4 de Julho;


c. Antes de terminado o período de vigência desta prorrogação, a reclamante foi colocada no Hospital de Santarém, em 01-01-1997;


d. Por força do n.º 3 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 128/92, a colocação neste estabelecimento implicou “a transmissão do contrato, mediante a alteração automática do estabelecimento outorgante, sem dependência de qualquer formalidade“;


e. Este CAP manteve-se até 31-01-1998;


f. Com a publicação do Decreto-Lei n.º 112/98, de 24 de Abril, foi permitido () aos médicos interessados que não se encontrassem providos em lugar de quadro da respectiva carreira e tivessem concluído o respectivo internato complementar após 1 de Janeiro de 1993, requerer o reinício de funções como assistentes eventuais em estabelecimento carenciado;


g. A autorização para a prorrogação do contrato e reinicio de funções da aqui reclamante foi dada por despacho do Secretário de Estado da Saúde, de 11-09-1998, tendo a mesma mantido o exercício das funções que já vinha desempenhando no Hospital de Santarém;


h. O contrato foi sucessivamente renovado, por se manterem as condições legalmente exigidas e o interesse do Hospital, até 14-10-2007;


i. Nesta data, não tendo sido respeitadas as formalidades para tal, foi determinada a cessação do CAP que vinculava a reclamante ao Hospital de Santarém;


j. A ilegalidade desta situação veio a ser reconhecida pela Administração, sem que, contudo, se tenha verificado a efectiva reintegração da reclamante, nem o pagamento das quantias a que tem direito;


k. O contrato não foi – entretanto – denunciado em tempo e pela forma adequada, tendo-se convertido em contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, por força da entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.



 


III – Recomendação



Assim, em consonância com a posição interpretativa aqui preconizada e no exercício do poder que me é conferido pela al. a) do n.º 1 do art.º 20.º do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendo a V. Ex.a que o Hospital de Santarém, E.P.E., assuma as suas obrigações contratuais, promovendo a reintegração da aqui reclamante e ressarcindo-a das quantias que indevidamente não lhe foram abonadas durante o período compreendido entre 14-10-2007 e a data da readmissão, assim se repondo a legalidade posta em crise com a posição até aqui assumida.



Ainda, solicito a V. Ex.a que, em cumprimento do dever consagrado no art. 38.º, n.º 2, do mesmo Estatuto, se digne informar sobre a sequência que o assunto vier a merecer.



 


Queira aceitar, Senhor Presidente do Conselho de Administração, os meus melhores cumprimentos.



O PROVEDOR DE JUSTIÇA,



 


 


(Alfredo José de Sousa)