Ex.mo. Senhor
Presidente da Câmara Municipal de Sintra
Largo Dr. Virgílio Horta
2714-501 SINTRA
Sua referência Sua comunicação Nossa referência
SM 26472 5.7.2011 Proc. R–2026/11 (A4)
Assunto: Polícia municipal. Remuneração após conclusão do período experimental. Lei do Orçamento do Estado para 2011.
RECOMENDAÇÃO N.º 12/A/2011
[Artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]
I – Introdução
1. Dirijo-me a V.Exa. na sequência da queixa formulada por um agente da Polícia Municipal dessa Câmara que invoca que, não obstante ter concluído com sucesso o período experimental em 19.1.2011, não viu alterada a sua remuneração, continuando a ser abonado como estagiário e não pelo 1.º escalão correspondente à categoria de agente municipal de 2.ª classe.
2. Considerando a intervenção antecedente por parte deste órgão do Estado, dirigida a V.Exa., não creio que se justifique a enunciação exaustiva das razões em que aquela se sustentou. Assim, sem prejuízo do necessário e sucinto enquadramento, centrar-me-ei essencialmente na ponderação da resposta prestada por V.Exa. em 5.7.2011 e dos fundamentos do parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região de Lisboa e Vale do Tejo que a acompanhava.
3. Na verdade, em 13.5.2011, foi solicitado a V.Exa. que promovesse a apreciação da questão à luz do enquadramento normativo então desenvolvido, por força do qual se concluiu que a situação em causa – a alteração da posição remuneratória resultante da conclusão do período experimental – não se integrava no âmbito da proibição de valorizações remuneratórias constante do art. 24.º da Lei do Orçamento do Estado para 2011 (LOE 2011).
4. A resposta de V.Exa. residiu no envio de cópia de parecer que, a pedido dessa autarquia, foi emitido pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região de Lisboa e Vale do Tejo (adiante designada por CCDRLVT), contendo conclusão de sentido oposto ao transmitido por este órgão do Estado, sem que, nessa ocasião, nem até ao presente, V.Exa. tenha proferido decisão sobre a matéria.
5. Mantendo-se, pois, inalterada a situação que motivou a queixa e observado já o dever de audição prévia da entidade nela visada, resta-me reclamar de V.Exa. nova ponderação do caso. Desde logo porque a argumentação em que se estriba o parecer da CCDRLVT – que V.Exa. não secundou, mas também não contrariou – não merece a minha concordância e não justifica, por isso, a alteração do anterior enquadramento jurídico da questão. Com efeito,
II – Apreciação
6. A qualificação como valorização remuneratória, para efeitos da LOE 2011, da mudança de escalão após a conclusão do estágio é sustentada pela CCDRLVT em dois argumentos principais:
a. A “transição” da categoria de agente municipal estagiário para agente municipal de 2.ª classe consubstancia uma “progressão na carreira” de polícia municipal, o que envolve inevitavelmente a alteração do respectivo posicionamento remuneratório, vedada pelo art. 24.º da LOE 2011;
b. O legislador, ao dispor expressamente nos Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público que a proibição orçamental de valorizações remuneratórias não prejudica a primeira nomeação após o estágio , pretendeu criar uma excepção ao regime regra contido na lei orçamental, por estar “convicto” que esta impediria aquela nomeação; donde resulta que todos os demais casos não contemplados na norma excepcional devem ter-se por abrangidos pela regra geral interditiva.
– A qualificação da mudança de escalão após o estágio como progressão –
7. Classificar a “transição” dos agentes estagiários para agentes municipais de 2.ª classe como uma “progressão” é ignorar as significativas alterações que o novo regime de vínculos, carreiras e remunerações introduziu em matéria de constituição das relações de emprego público. Na verdade, não basta afirmar estarmos perante uma carreira não revista – como é o caso, indubitavelmente, da carreira de agente municipal – para, a partir daí, encerrar o regime aplicável, na íntegra, naquele que vigorava antes de 1 de Janeiro de 2009 , como se estas carreiras estivessem hoje totalmente “a salvo” do novo modelo imperativo de vínculos de emprego público.
8. Pelo contrário, às carreiras não revistas continuam a aplicar-se, por força das Leis orçamentais de 2009 a 2011 e com as adaptações nelas previstas , o regime de carreiras e de recrutamento que lhes era aplicável em 31 de Dezembro de 2008, sujeitando-se, integralmente, em matéria de constituição da relação jurídica de emprego público, ao novo regime de vínculos.
9. E tanto assim é que as mencionadas Leis orçamentais determinaram que a subsistência de carreiras não revistas não prejudicava a transição dos trabalhadores no que se refere à modalidade de constituição da relação jurídica de emprego e às situações de mobilidade, em consonância com o disposto nos arts. 88.º a 93.º, 102.º e 103.º, da LVCR. Donde resulta que estas são matérias que a LVCR, assim como as LOE, qualificam como não compreendidas no regime de carreiras e em que, portanto, aquela Lei prevalecerá em qualquer caso, nos termos das regras de hierarquia das fontes normativas fixadas no art. 81.º da LVCR.
10. Ora, como se salientou na comunicação anteriormente dirigida a V.Exa., a matéria do período experimental integra, sem margem para dúvidas, o regime da modalidade de constituição da relação de emprego público . Como igualmente se observou, hoje o período experimental corresponde à fase inicial, de índole probatória, de uma relação de emprego público já constituída (por contrato ou nomeação) . A sua conclusão com sucesso implica dar por comprovado que o trabalhador possui as competências exigidas pelo posto de trabalho que vai ocupar (art. 12.º, n.º 1, da LVCR, e art. 73.º, n.º 1, do RCTFP). Não está em causa qualquer evolução na carreira, mas a avaliação das capacidades do trabalhador que serão necessárias à própria execução da relação jurídica de emprego público. Por essa razão, a LVCR não prevê, para os trabalhadores inseridos nas carreiras gerais, uma remuneração diferente durante o período experimental .
11. Aliás, mesmo à luz do regime que precedeu a LVCR, a conclusão do estágio não consubstanciava qualquer progressão ou promoção. Qualquer destas figuras demanda a prévia integração na carreira: a progressão traduz-se na mudança de escalão dentro da mesma categoria, enquanto a promoção consiste na mudança, por concurso, para a categoria seguinte da mesma carreira . E o certo é que só com a conclusão do estágio e subsequente prática do acto de nomeação definitiva ocorria a integração na carreira.
12. De todo o modo, o que importa frisar é que a circunstância de, em carreiras não revistas, ao período de estágio corresponder uma remuneração inferior não consente que se qualifique essa mudança de retribuição como uma progressão, promoção ou alteração de posicionamento remuneratório, conceitos que, como se salientou anteriormente, contêm conteúdo normativo perfeitamente definido .
13. Justifica-se igualmente enfatizar que, no caso, o acto de que resulta a mudança retributiva não é, ao contrário do que sucede nos casos de promoção, progressão ou alteração de posicionamento remuneratório, uma decisão que tenha entre os seus efeitos jurídicos típicos e principais o direito do trabalhador a ser remunerado por montante superior. Ao invés, o acto em causa – o reconhecimento da conclusão do estágio com aproveitamento (pois nenhum outro acto é necessário para se produzir o efeito retributivo questionado) – é dirigido, como se viu, a constatar que o trabalhador possui as competências exigidas pelo posto de trabalho.
14. Deste modo, entender que este acto consubstancia uma valorização remuneratória e que, por isso, é vedado pela disposição orçamental conduzir-nos-ia à situação absurda de manter os trabalhadores no período probatório por não ser possível dar por findo o estágio. Trata-se de solução que extravasa claramente o âmbito da norma interditiva, na medida em que afronta outras regras que claramente não estão compreendidas no domínio da proibição: desde logo, envolve a inobservância da norma que fixa a duração do período experimental, bem como do regime que regula o conteúdo deste, em matéria de formação e avaliação . Na verdade, nos casos em que os estagiários já tenham sido sujeitos a avaliação, como sucede na situação da queixa, qual o conteúdo que pode ter o período de “estágio” subsequente a essa avaliação?
15. Defender, ao invés, que pode ser reconhecida a aprovação no estágio mas sem a produção do efeito remuneratório consequente seria solução que não encontraria na letra da lei um mínimo de correspondência e que implicaria distinções não consentidas pela norma, na medida em que o que é vedado é o próprio acto de que resulta o aumento remuneratório e não apenas uma parte dos seus efeitos.
– O caso paralelo dos Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público –
16. A CCDRLVT assenta, ainda, a sua tese na qualificação como excepcional das normas introduzidas nos Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público que salvaguardam da proibição do art. 24.º da LOE 2011 as primeiras nomeações após o estágio – para daí concluir que todas as situações que não se integram na excepção cabem na alçada da regra geral e, portanto, na proibição de actos que consubstanciem valorizações remuneratórias.
17. O argumento a contrario que provém da caracterização da norma como excepcional conduz, pois, à conclusão lógica de que a regra oposta à excepcional, ou seja, a regra geral, é a que vale para todos os demais casos não compreendidos na excepção. Segundo o mesmo raciocínio, o regime excepcional só pode ser aplicado nos casos que integrem a respectiva previsão e não admite, por isso, aplicação analógica.
18. No entanto, como refere Oliveira Ascensão , “esta simplicidade é enganadora”, pois “se para qualificarmos uma regra como excepcional, nos bastarmos com o simples facto de ela contrariar outra regra de âmbito mais vasto, o resultado será insatisfatório”. Na verdade, a excepcionalidade substancial de uma norma mede-se, não pela mera oposição a outra regra, mas pela sua contradição com os princípios que inspiram a normalidade da disciplina jurídica , ou seja, com as orientações fundamentais da ordem jurídica ou de um ramo do direito em particular .
19. No caso, é desde logo a relação de oposição entre as duas normas que está por demonstrar. Poder-se-ia até ler, pelo contrário, uma afirmação de conformidade entre ambas, ao dispor-se que a proibição “não prejudica” a primeira nomeação após o estágio. É provavelmente essa dificuldade lógica que leva a autora do parecer a procurar desvendar as motivações do legislador, adiantando que só um legislador “convencido” de que a norma orçamental impedia tais nomeações faria aprovar uma disposição com este teor. Pese embora a sabida irrelevância das motivações do legislador que não tenham na norma expressão evidente , sempre se oporia a tal juízo presuntivo que o que a norma pode revelar é o sentido de prudência do seu autor.
20. Como se sabe, as normas orçamentais em vigor dirigidas à diminuição dos encargos com os trabalhadores que exercem funções públicas, designadamente a proibição de valorizações remuneratórias e a imposição de reduções nas mesmas remunerações, suscitaram dúvidas relevantes na sua aplicação, de que são demonstrativas, aliás, as queixas que, em número significativo, me foram dirigidas a esse propósito. A necessidade, pois, de assegurar o exercício pleno de funções por parte dos magistrados após a conclusão do estágio terá conduzido o legislador, por prudência, a utilizar a oportunidade resultante da modificação dos respectivos estatutos em matéria de aposentação para aprovar norma que torna claro que aquela situação não traduz uma valorização remuneratória.
21. Prudência tanto mais justificada quanto o elenco orçamental de actos qualificados como valorizações remuneratórias integra as “nomeações”. No entanto, no caso objecto da queixa, como em todas as outras situações de alteração remuneratória resultante da conclusão do período probatório numa relação de emprego público (entenda-se, sujeita ao âmbito de aplicação da LVCR), não está em causa, como já se demonstrou, qualquer nomeação após o estágio.
22. Na verdade, constituindo o período experimental a fase inicial de uma relação de emprego público anteriormente constituída, não há lugar à prática de qualquer novo acto de nomeação ou de nova celebração de contrato. Tanto basta, creio, para não reconhecer às referidas normas dos estatutos dos magistrados (não sujeitos à LVCR, como é sabido) a virtualidade de legitimar, por argumento a contrario, a conclusão de que a situação da queixa, e todas as similares, se encontram atingidas pela regra interditiva.
III – Recomendação
São estas as razões, Senhor Presidente, que, no exercício do poder que me é conferido pela al. a), do n.º 1, do art.º 20.º do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, me levam a recomendar a V. Exa. que pratique os actos necessários com vista a que os agentes municipais que concluíram o estágio com aproveitamento sejam remunerados pelo 1.º escalão correspondente à categoria de agente municipal de 2.ª classe, com efeitos a partir da data do acto que reconheceu a aprovação no estágio.
Solicito, ainda, a V. Exa. que, em cumprimento do dever consagrado no art. 38.º, n.º 2, do mesmo Estatuto, se digne informar sobre a sequência que o assunto vier a merecer.
Queira aceitar, Senhor Presidente, os meus melhores cumprimentos.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA,
(Alfredo José de Sousa)