Ex.mo Senhor
Presidente da Câmara Municipal de
Santa Cruz das Flores
Rua Senador André de Freitas
9970-337 Santa Cruz das Flores
Vossa Ref.ª
Vossa Comunicação
Nossa Ref.ª
Proc.
R-1910/10 (Aç)
Assunto:
Avaliação do Desempenho. Ano de 2008.
RECOMENDAÇÃO N.º 13-A/2011
[artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]
I
INTRODUÇÃO
No interesse de…, trabalhadora dessa Câmara Municipal, foi solicitada a minha intervenção, visando o apuramento dos motivos que obstam a que, relativamente à mesma, tenha lugar a avaliação do desempenho relativa ao ano de 2008.
De facto, aquela trabalhadora não prestou serviço entre 10 de Dezembro de 2007 e 1 de Setembro de 2008, por motivos legalmente justificados (licença de maternidade, faltas por doença e para assistência à família, férias), o que impediu a existência de seis meses de contacto funcional durante aquele ano, período mínimo relevante para efeitos de realização de avaliação ordinária.
Em resposta às interpelações deste órgão do Estado, essa Câmara Municipal manteve que:
a) O regime legal então vigente previa efectivamente a realização de uma avaliação extraordinária, mas esta não teve lugar porque a trabalhadora não a requereu, sendo que a isso estava obrigada pelo disposto na parte final do n.º 1 do artigo 16.º do Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004, de 14 de Maio.
b) Em 2008, a autarquia procedeu à avaliação dos seus trabalhadores, de acordo com a legislação em vigor.
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c) A proposta deste órgão do Estado ao longo da instrução, de que seria de aplicar ao caso concreto o n.º 2 do artigo 30.º do Decreto Regulamentar n.º 18/2009, de 4 de Setembro, norma que prevê um regime excepcional de avaliação para os trabalhadores não avaliados em 2008, seria inexequível, porquanto a autarquia fez aplicação efectiva da legislação então vigente, pressuposto negativo daquele regime.
II
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
1. Permita-me que, de forma epígrafe, comece por referir que «o Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública (SIADAP) inicialmente criado através da Lei n.º 10/2004, de 22 de Março, e entretanto substituído pela Lei n.º 66-B/2007, de 28 de Dezembro, surgiu da necessidade de promover uma cultura de gestão pública que permitisse analisar os recursos alocados aos organismos da Administração Pública e criar condições de maior motivação, qualificação e formação dos recursos humanos. Surge como um instrumento de gestão que procura contribuir para a melhoria do desempenho e qualidade de serviço na Administração Pública, para a uniformidade da acção dos serviços, dirigentes e outros trabalhadores e para o aumento da sua motivação profissional e incremento de competências.»1
2. No caso concreto, a trabalhadora interessada regressou ao serviço a 1 de Setembro de 2008, altura em que o regime de avaliação do desempenho vigente para as autarquias locais era o que resultava da Lei n.º 10/2004, de 22 de Março, e do Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004, de 14 de Maio, tal como aplicados àqueles entes territoriais pelo Decreto Regulamentar n.º 6/2006, de 20 de Junho.
Concretamente, o diploma legal de 2004 estabelecia no seu artigo 13.º que a primeira fase do procedimento de avaliação dos recursos humanos era a «definição de objectivos e resultados a atingir». Os termos em que tal definição de objectivos devia ser efectuada estavam expressos no artigo 6.º do mesmo diploma, que pressupunha a realização de uma entrevista anual para análise conjunta dos factores considerados para a avaliação e auto-avaliação (n.º 1); para tanto cabia ao dirigente do serviço a aplicação e divulgação em tempo útil do sistema de avaliação (n.º 3), garantindo aos interessados a divulgação dos objectivos, fundamentos, conteúdo e sistema de funcionamento e classificação. V. tb,
1 V. Chainça, Ana Sofia de Carvalho. Processos Políticos e Avaliação do Desempenho: O Caso da Administração Pública. 2008, consultado em 24.11.2011, disponível em
http://repositorio.iscte.pt/bitstream/10071/1688/1/Processos%20pol%C3%ADticos%20e%20avalia%C3%A7%C3%A3o%20do%20desempenho_o%20caso%20da%20Administra%C3%A7%C3%A3o%20P%C3%BAblica.pdf
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no mesmo sentido, a alínea c) do n.º 2 do Decreto Regulamentar n.º 6/2006, de 20 de Junho.
2.1. Que a eminência de tal fixação prévia de objectivos era (e é) determinante demonstra-o o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 1 de Julho de 2011, proferido no processo 00708/07.0BECBR, no qual se conclui que a «não realização da entrevista constitui ilegalidade invalidatória do procedimento de avaliação de desempenho»2 (sublinhado meu).
Não bastando, de todo, que a interessada tivesse sido verbalmente convidada a solicitar a respectiva avaliação, desde logo pela imposição legal de forma subjacente ao procedimento administrativo em causa (v. ac. cit.).
Em suma, a Administração deveria ter garantido a prévia fixação de objectivos relativos ao desempenho da trabalhadora, já que tal constitui pressuposto inultrapassável do procedimento de avaliação.
3. Ou seja, o que efectivamente impossibilitou a avaliação foi a ausência de objectivos legalmente fixados pela entidade avaliadora, já que tal omissão destituiu de efeito útil o requerimento de avaliação extraordinária por parte da interessada.
No caso concreto, face à data de regresso ao serviço, a fixação de objectivos teria tido de obedecer ao disposto no artigo 16.º do Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004, de 14 de Maio, que determinava que «a avaliação extraordinária obedece à tramitação prevista para a avaliação ordinária, salvo no que diz respeito às datas fixadas, sem prejuízo dos intervalos temporais entre cada uma das fases do processo.»
Entendo, pois, que a Câmara Municipal de Santa Cruz das Flores. agiu ilegalmente ao não avaliar … nos termos acima referidos.
4. Mas, que fazer, se o processo de avaliação extraordinária do desempenho daquela trabalhadora não foi concluído até 1 de Outubro de 2009, data da entrada em vigor do Decreto Regulamentar n.º 18/2009, de 4 de Setembro, que procede à adaptação aos serviços da administração autárquica do SIADAP aprovado pela Lei n.º 66-B/20007, de 28 de Dezembro?
5. A solução está consagrada na norma do citado n.º 2 do artigo 30.º daquele regulamento quando determina que:
2V.http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/7f82305ac5c11ba2802578c5003af7b9?OpenDocument&Highlight=0,A,n%C3%A3o,realiza%C3%A7%C3%A3o,da,entrevista,constitui,ilegalidade,invalidat%C3%B3ria,do,procedimento,de,avalia%C3%A7%C3%A3o,de,desempenho, consultado a 24.11.2011
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Aos trabalhadores cujo desempenho em 2008 e 2009 não tenha sido avaliado por não aplicação efectiva da legislação em matéria de avaliação do desempenho é atribuído um ponto por cada ano.
Mas essa Câmara Municipal responde que tal inciso não se lhe aplica porque, no ano de 2008, avaliou o desempenho dos seus trabalhadores, seguindo o regime legal decorrente da Lei n.º 10/2004, de 22 de Março.
6. Só que importa ter presente que a norma regulamentar ora em apreço visa responder às dificuldades sentidas pelas diversas entidades na aplicação do novo regime.
Assim, o facto de a autarquia ter procedido à aplicação à generalidade dos seus trabalhadores do regime de avaliação vigente nos anos em causa não exclui a possibilidade da aplicação desse mesmo n.º 2 do artigo 30.º do Decreto Regulamentar n.º 18/2009, de 4 de Setembro.
É que a «aplicação efectiva da legislação em matéria de avaliação do desempenho» tem de ser aferida ao caso concreto, seja qual for o motivo em causa.
O legislador quis garantir que ninguém ficasse excluído do novo processo de avaliação, em face dos diferentes períodos de entrada em vigor do novo regime de avaliação, mais tardio no caso da Administração local.
Trata-se de valorizar o percurso profissional do trabalhador no contexto de uma renovada cultura de gestão pública e é a tal luz que deve ser lida essa necessidade de aplicação efectiva3.
3 Dito de outra forma, a referida norma não pretende fazer uma adjudicação de responsabilidades pela não aplicação efectiva do regime da avaliação do desempenho, designadamente exprimindo uma eventual censura a dirigentes ou trabalhadores por qualquer não aplicação do regime legal.
No sentido do texto veja-se, aliás, um diploma que, por essa altura, criou, também no domínio da avaliação, um regime de transição (o Decreto-Lei n.º 269/2009, de 30 de Setembro). Embora exclua expressamente as autarquias do seu âmbito de aplicação — 1.ª parte do artigo 2.º — refere-se aos trabalhadores que «não tenham tido avaliação do desempenho no ano de 2008, designadamente por não aplicação efectiva da legislação aplicável, por motivos que não lhes possam ser imputáveis e tendo cumprido os respectivos deveres e satisfeito todos os procedimentos legais e regulamentares» (sublinhado meu).
Faz, portanto, uma leitura restritiva da expressão «não aplicação efectiva da legislação aplicável», mas simultaneamente mostra que na previsão do n.º 2 do artigo 30.º do Decreto Regulamentar n.º 18/2009, de 4 de Setembro, estão compreendidos não só o motivo referido no decreto-lei citado, como também outros motivos legalmente relevantes de não aplicação do regime de avaliação de desempenho.
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Tanto mais quanto no caso concreto tais motivos são juridicamente relevantes e protegidos e a avaliação tem uma importância determinante no percurso profissional da interessada.
7. Assim, entendo que é aplicável à situação de… o regime fixado no n.º 2 do artigo 30.º do Decreto Regulamentar n.º 18/2009, de 4 de Setembro.
III
CONCLUSÕES
Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendo a V. Ex.ª:
A. Que, em sede avaliação do desempenho, a autarquia atribua a… 1 ponto relativo ao ano de 2008, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 18/2009, de 4 de Setembro.
B. Que para tal, tenha em conta o que dispõem os n.ºs 8 a 11 do artigo 113.º da Lei n.º 12-A/2008, de 12 de Fevereiro, ou seja, que a trabalhadora seja notificada da atribuição desse ponto, para que, no prazo de cinco dias, querendo, requeira avaliação através de ponderação curricular, nos termos previstos no sistema de avaliação de desempenho da Administração Pública, aplicado com as necessárias adaptações, por avaliador designado por V. Ex.ª.
Permito-me lembrar a V. Ex.ª a circunstância da formulação da presente recomendação não dispensar, nos termos do disposto no artigo 38.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, a comunicação a este órgão do Estado da posição que vier a ser assumida em face das respectivas conclusões.
Com os melhores cumprimentos,
O Provedor de Justiça
(Alfredo José de Sousa)